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O valor das garantias: Dallagnol e a prescrição; Januário e a delação

Leio duas notícias: Deltan Dallagnol, crítico feroz dos “recursos protelatórios” (sic) e do direito de recorrer ao STJ e STF (ele sempre achou um absurdo esse direito de recorrer!), esgotou todos os recursos que tinha para impedir o seu julgamento no CNMP (em que foi condenado) e buscou, todo tempo, alcançar a prescrição, como qualquer réu mortal.

Não, não estou criticando que Deltan lance mão de todos os recursos legais e constitucionais em seu favor. Pelo contrário. Fosse seu advogado — e tenho certeza que eu seria um causídico implacável em favor de meu cliente — usaria das garantias.

Prescrição é uma garantia. As garantias são para isso. É o individuo contra o Estado. Simples assim. Esse — o Estado —, porque possui mais potência (poxa, e DD sabe bem demais o quão poderoso é o Estado, pois não?) é que tem de buscar, dentro das regras do jogo (sem conluios entre juiz e acusação), a condenação do réu e impedir a prescrição. Pronto. Estou ao lado de DD, desde que usemos as garantias dentro dos estritos, estritíssimos parâmetros legais-constitucionais. Só que, Deltan deve saber que pau nas costas de Francisco… é pau nas costas de Chico!

A segunda notícia dá conta de que um dos líderes da Força Tarefa da Lava Jato, Januário Paludo – tão poderoso que um grupo de discussão no Telegram lhe homenageou com o nome “Filhos de Januário” (e isso não é pouca coisa) — tem, agora, seu nome divulgado, não por Intercept, mas pela Polícia Federal (relatório enviado ao PGR), por ter, pretensamente, recebido propina de um doleiro. O doleiro dos doleiros. Diálogos gravados pela PF dizem que doleiro diz que Januário recebeu propina.

De novo, assim como no caso de Deltan Dallgnol, estou ao lado de Januário Paludo. Não posso admitir que:

– primeiro, esse diálogo gravado pela PF seja divulgado assim, atirando penas ao vento, sem maiores provas, e,

– segundo, para mim, vige o velho adágio testius unus, testis nullus. E, acima de tudo, defendo a presunção de inocência. Isto é: só a palavra de delator não dá ensejo à denúncia, processo ou condenação. STF já disse isso. Isso, então, por analogia, deve ser aplicado em favor de Januário. Embora o MPF não concorde com essa posição do STF.

Afinal, a palavra de um doleiro implicando alguém, desacompanhada de prova concreta, nada significa. E qual a razão da prematura divulgação?

Veja-se. Se o MPF agir contra Januário do mesmo modo como atuou em casos de corrupção, lavagem e quejandos, a coisa não ficará bem para ele, Januário. Suas garantias estarão violadas. Mas ele as exigirá. E tem todo o direito! Januário vai perceber o valor das garantias.

Para termos uma ideia, a delação de Palocci, divulgada de forma parecida como a intercepção do doleiro que implica Januário, teve, à época, a concordância do MPF… Inclusive, ao que consta, a concordância de Januário. Além disso, há “n” casos semelhantes ao que agora se atribui ao Dr. Januário. Pau que bate…

Por coerência — e o advogado Kakay foi o primeiro a chamar a atenção sobre isso em nosso grupo que defende garantias constitucionais (o Grupo Prerrogativas) — não admito que delações sejam divulgadas de forma irresponsável e tampouco posso concordar que uma intercepção por si só, divulgada “daquele jeito que sabemos”, possa servir para enlamear o nome de um cidadão. Sou coerente. Aliás, é de minha autoria o artigo 926 do CPC, que trata da coerência e integridade!

Por isso, por coerência, estou ao lado de Dallagnol e Januário. E, se necessário — vá que…, nunca se sabe —, estarei também ao lado dos “Filhos de Januário”. Um garantista não escolhe lado. Aliás, escolhe sim: o da Constituição e das garantias. Stoic Mujic!

Simples assim. Garantias constitucionais são a condição da democracia. Espero que, aos poucos, todos aprendam a lição. Temos aí dois exemplos. Será que aprenderão?

A ver.

Artigo publicado originalmente no Consultor Jurídico.

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