O jogador de vôlei Mauricio Souza foi demitido pelo Minas Tênis Clube por postagem considerada homofóbica das redes sociais. Após grande pressão de patrocinadores, o clube resolveu aplicar a medida mais drástica e houve grande repercussão na mídia. Posteriormente ao pedido de desculpas do atleta, o jornalista Felipe Andreoli, da Rede Globo, fez duras críticas à sua atitude, chegando a dizer que o teor de sua postagem não era mera opinião, e sim crime de homofobia. A partir daí, Andreoli passou a ser ofendido na internet, inclusive com postagens antigas, que foram resgatadas para atribuir-lhe também práticas de homofobia.
O episódio mostra como as redes sociais se tornaram campos de batalha e precisam de grande cautela por parte das autoridades competentes. Sem ter qualquer relação com a imprensa esportiva, o músico Felipe Andreoli – sim, ele tem o mesmo nome – baixista da banda Angra, famosa internacionalmente, passou a ser alvo de ofensas por causa da opinião emitida pelo jornalista. A cegueira que o ódio provoca nas pessoas impede que haja bom senso para distinguir entre o jornalista e o músico.
Felipe Andreoli, o músico, é reconhecido como um baixista versátil e acabou de lançar um projeto solo, fruto de muito trabalho e planejamento. Quando alguém acessa seu perfil nas redes sociais, as primeiras informações que aparecem dizem respeito ao trabalho feito como músico. Não há o termo “jornalista”, nem mesmo “Globo”. Então, por qual motivo o músico passou a ser alvo de agressões verbais?
A internet virou uma terra imaginária sem dono. Seus usuários – uma grande parcela da população do planeta – podem fazer uso do anonimato ou da distância física para ofender, atacar, impor uma opinião a qualquer custo. Quando o sentimento de ódio é acrescentado a essas circunstâncias, pouco importam as consequências. Não interessa, sequer, se o receptor das ofensas é a pessoa que se pretende ofender. Um mínimo de racionalidade faria o internauta perceber que Felipe músico não é o Felipe jornalista.
Aliás, ameaçar uma pessoa, seja um músico, seja um jornalista, é sinal de irracionalidade. Qualquer um pode discordar da opinião alheia, mas que a discordância se concretize em argumentos contrários, não em ofensas e ameaças. Eu tive a oportunidade de discordar da decisão do STF que criminalizou a homofobia, em artigo para a Folha de São Paulo, não por acreditar que atacar homossexuais seja mera liberdade de opinião, mas por entender que o Poder Judiciário não pode incluir comportamentos que não estão descritos na lei penal. Criminalizar a homofobia deveria ser tarefa do Poder Legislativo, o único que possui competência constitucional para modificar leis penais.
Apesar de toda argumentação que desenvolvi, explicando as funções de cada poder da República, a proibição de o Poder Judiciário expandir o alcance da norma penal e a insegurança jurídica da decisão, também fui taxado de homofóbico por alguns leitores que criticaram minha posição. Os mesmos críticos ignoraram minha exposição, no mesmo artigo, em que afirmo não ser favorável à homofobia como liberdade de expressão. Felizmente, por não ser famoso como os Felipes em questão, os ataques foram muito mais tímidos.
É temerário o rumo que os debates estão tomando. A democracia é o melhor regime político e de governo, mas também é o que exige maior esforço das pessoas. Aceitar o diferente pode ser trabalhoso para quem entende que suas convicções são as únicas corretas. A discussão saudável baseada no argumento é essencial para a manutenção da democracia. Caso contrário, a liberdade de pensamento e manifestação estará fadada ao fim com a ascensão de tiranos apoiados pelos intolerantes.
Publicado na coluna de Fausto Macedo no Estadão.
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