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Os anos passam, por Juarez Tavares

Os anos passam, por Juarez Tavares

O Grupo Prerrogativas deseja um parabéns todo especial ao jurista Juarez Tavares. Nos sentimos honrados pela sua ilustre presença no nosso grupo. Compartilhamos, a seguir, belíssimo texto escrito pelo professor Tavares.

Neste dia em que completo mais um ano de vida vêm-me à memória fatos diversos, distribuídos em pensamentos, lembranças, expectativas, preocupações diante do presente e do futuro, desvios de esperança e desejos. Sinto que nada na vida percorre um caminho linear, nada evolui como uma tabela matemática; tudo se faz e desfaz, se repete de certa forma ou de outra, se fortalece, falece e se revigora em uma constante infinita. Certo dia, em uma daquelas especiais Jornadas de Direito e Psicanálise, que Jacinto Coutinho organizava na Universidade Federal do Paraná, conversávamos exatamente sobre o desenrolar do tempo, como a vida se confundiu com o tempo, como esse tempo passou a gerir e dominar todos os fatos, de modo a nos despertar a impressão de que estamos aqui, mas que já passamos por aqui. Essa transmutação constante do passado no presente, como se o presente já tivesse acabado, faz-nos refletir um pouco se nós mesmos temos uma relação cósmica, se essa relação ainda se mantém, se ainda estamos vinculados ao mundo.

Muitas vezes, pensamos que perdemos o mundo, que nos transformamos em simples máquinas reprodutoras de gente e de bens, encurralados nas trilhas da alta tecnologia, da busca incessante e mórbida pelo novo de cada minuto. Sempre nos perguntamos, então, se será possível reconstruir essa relação cósmica perdida, a relação entre nós e o mundo, entre nós e a natureza. Tenho a impressão de que nossos corpos e nossas mentes não podem se reduzir a meros instrumentos produtores e reprodutores. Exatamente por isso, desde os tempos da universidade, sempre tive minhas desavenças com o capitalismo, na sua inabalável carreira de nos transformar em mercadoria, jogados no contexto da competição.

 

Creio que o mundo não deve ser tratado como mercadoria, nem nós devemos perseguir a conquista dos minutos imediatos para a satisfação de nossa ânsia consumista pelo mais novo e nem esgarçarmos as forças em uma competição incontrolável. Percebi, aos poucos, nessa caminhada pelos anos, que nossa formação não depende exclusivamente da alta tecnologia; senti e ainda sinto que em todos os nossos atos incorporamos velhos costumes, emoções, incertezas, tristezas e alegrias; que recordamos histórias em nossos grupos, aqueles grupos que nos estimulam para a atividade; que também internalizamos muitas tradições de povos originários, ainda que nos situemos como urbanos, demasiadamente urbanos, mas experimentamos no corpo, todos os dias, a água que nos vem dos córregos. Senti e sinto, porém, que estamos sempre reavaliando o passado para situá-lo no presente.

Sempre me fiz uma pergunta: o que me espera no futuro? Agora me dou conta de que o futuro nos envolve sempre no presente. Tenho muitas dúvidas se temos um inconsciente. Jacinto Coutinho e Rubens Casara, nas lições psicanalíticas, dizem que temos. Se tivermos um inconsciente, nosso passado nos atropela inexoravelmente a cada instante, conduzindo nossas ações por vias nunca livremente escolhidas. Apesar dessa afirmação, mantenho minhas dúvidas. Penso que temos memória de coisas que vivenciamos, que nos afetaram, e que essa memória – mesmo que, às vezes, muito apagada – ressurge a todo momento, em uma espécie de atualização. A filosofia idealista fala dessa atualização, do reencontro do passado com o presente. Se temos essa memória, penso que, em sua atualização que a torna consciente, podemos eliminar de seus traços aquilo que nos afetou negativamente; podemos trabalhar todos os nossos desvios e deslizes para reencontrar nossa relação com o mundo.

Não concebo o mundo como mercadoria, tomo-o como um organismo vivo que afirma sua existência na construção de uma duradoura harmonia. Se nossa relação com o mundo nos recoloca no cosmos, temos que concluir que essa relação só se torna duradoura se eliminarmos de nossa vida todos os preconceitos, todas as discriminações, todas as desigualdades. A recolocação no cosmos é também um momento de reconciliação. Por isso, neste dia, quero pensar que ainda poderemos viver sem ódio e sem medo da liberdade, a fim de alcançar o amor, aquele amor que perdemos, que estamos a cada dia perdendo, mas que ainda sobrevive e revive em cada um de nós, como essência de nossa vida. Amigas e amigos, muito obrigado por haverem estado comigo durante esses anos. 

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