Por Maria Teresa Cruz
Para criminalista Priscila Pâmela, do IDDD, itens que contrariaram Moro, como o juiz de garantia, são os poucos pontos positivos do pacote.
O pacote anticrime que previa alterações na legislação penal foi sancionado por Jair Bolsonaro na noite desta quarta-feira (24/12). O presidente vetou 25 dispositivos que tinham sido debatidos e propostos durante as votações no Congresso Nacional. Mas manteve a sugestão do “juiz de garantia”, dispositivo criticado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. No texto, está definido que essa figura será “responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais”.
Na avaliação de Priscila Pâmela Santos, advogada associada ao IDDD (Instituto de Defesa do Direito à Defesa) e presidente da Comissão de Política Criminal e Penitenciária da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil – São Paulo), a figura do “juiz de garantia” é um dos poucos pontos positivos na lei. O dispositivo separa o magistrado que cuida do processo daquele que dará a sentença, garantindo isenção e evitando julgamentos viciados. “A Lava-Jato é um exemplo escancarado de como a interferência de um juiz pode prejudicar o processo. E é por isso que Moro critica isso”, afirma.
Apoiadores do governo Bolsonaro se indignaram com a discordância entre o presidente e um de seus mais estrelados ministros e colocaram nos Trending Topics (assuntos mais comentados) do Twitter nesta quarta-feira (25/12) a hashtag #BolsonaroTraidor.
Para Priscila Pâmela, o juiz de garantia torna a legislação processual penal compatível às previsões constitucionais. “Na investigação é o juiz que opina sobre qualquer produção de provas, então quando esse juiz vai sentenciar, ele já tem uma convicção formada e, em grande parte, contaminada pelo que ele apurou nessa fase processual. É uma garantia de que um vai acompanhar toda a fase probatória, de análise, e entregar pronto para que, numa próxima fase, um juiz possa analisar de forma isenta e imparcial”, explica.
Excludente e punitivista
De uma forma geral, para a advogada criminalista, o pacote ainda desrespeita a Constituição em vários itens, como a violação de princípios de inocência, de direito à defesa e privacidade, e ainda tem excessiva carga punitivista.
Um dos pontos de crítica é o aumento de pena máxima de 30 para 40 anos, que vai na contramão das discussões mais atuais e mundiais sobre desencarceramento, além de equiparar o crime de furto com explosivo ao crime hediondo. “É desproporcional, não encontra razoabilidade e escolhe o caminho de uma pauta encarceradora, considerando que não estamos conseguindo lidar nem mesmo com a atual população carcerária, que supera os 812 mil, mesmo a capacidade sendo a metade disso, e que sem qualquer investimento sai do sistema sem perspectiva de trabalho, estudo, futuro”, avalia.
Outro elemento é a proibição das saídas temporárias para presos que tenham cometido crime hediondo com resultado morte. “A gente prevê a individualização da pena como princípio constitucional e prevemos, pela lei, que a pena tem que ser progressivamente diminuída. Por isso existem os regimes e as progressões. Você começa com o regime fechado e tem que progredir para o aberto e, enfim, a saída e liberdade irrestrita. Para que tudo isso aconteça, você tem que estar se reinserindo na sociedade, voltando ao convívio familiar. Ou seja, é uma incongruência com o sistema que adotamos. E aqui vale um parênteses, porque muitas das pessoas encarceradas nunca foram inseridas, socializadas de fato e isso tem que ser falado”, critica.
A excludente de ilicitude, vista como “licença para matar” por especialistas, caiu ainda na discussão no Congresso e sobrou apenas uma menção à legítima defesa no texto. “Considera-se em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes”.
No entanto, Bolsonaro vetou a previsão de qualificar todo homicídio praticado com arma de uso restrito, que atingiria justamente policiais. Segundo o jornal O Globo, o governo afirmou que a medida, sem qualquer ressalva, geraria insegurança jurídica aos agentes de segurança pública que poderiam ser “severamente processados ou condenados criminalmente por usarem suas armas”.
“Fere o princípio de igualdade e é uma incompatibilidade, mesmo porque o roubo praticado com arma de uso restrito teve um aumento de pena, dobrou. A classe que pratica roubo é a classe menos favorecida. Existe uma questão de injustiça social. E eu te pergunto: por que essa pessoa tem que ter a pena em dobro e o agente de segurança que cometeu crime tem um outro nível de responsabilidade, tem que ter privilegio?”, questiona a advogada criminalista, que também reforça as críticas ao indulto natalino que atendeu uma promessa de campanha.
A integrante do IDDD Priscila Pâmela dos Santos manifestou preocupação com a criação do banco de perfil genético de criminosos. O Congresso havia diminuído o escopo para crimes hediondos, mas Bolsonaro vetou e manteve a proposta inicial de que esse banco de DNA sirva para todo e qualquer crime doloso (quando há intenção) com violência e contra a vida.
“Ele condiciona inclusive os benefícios de execução e progressão ao fornecimento de material genético. Isso afronta o principio da não incriminação, ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo. E o pior: você comete falta grave caso se negue a fornecer esse material”, analisa.
Segundo Priscila Pâmela dos Santos, o item sobre escuta ambiental prevê que a captação possa ser feita apenas mediante autorização judicial, mas não especifica o local e isso torna a lei muita aberta. “Praticar escutas na casa de alguém investigado viola princípios como violação de domicílio, o princípio de intimidade, e certamente será questionado pelo Supremo Tribunal Federal”.
Pontos positivos
Além do “juiz de garantia”, Priscila Pâmela cita a audiência de custódia como lei e o veto à videoconferência, e a reavaliação de prisão preventiva a cada 90 dias, como pontos bastante alinhados às garantias fundamentais.
Bolsonaro aceitou a regulamentação das audiências de custódia, mas Priscila destaca a necessidade de que elas sejam presenciais e não por videoconferência, item previsto na lei. “A audiência tem que ser feita na presença de um juiz de Direito, porque o juiz tem que ter a oportunidade de olhar para a pessoa que está sendo conduzida, avaliar a condição, falar com a pessoa, constatar a necessidade de sua prisão e a legalidade dela. E achei fundamental virar lei a audiência de custódia, considerando que antes era uma recomendação do CNJ [Conselho Nacional de Justiça] para apresentação da pessoa presa ao juiz em até 24 horas”, elogia.
Sobre a prisão preventiva, Priscila considera importante a reavaliação automática a cada 90 dias porque evita que alguém acabe sendo “esquecido” no sistema. “Fica dependendo do advogado entrar com HC, dos prazos, questionar… Muitas vezes, depois de 3 meses, o motivo que ensejou a prisão preventiva já passou, foi superado e essa pessoa poderia ser colocada em liberdade”, disse.
Por fim, a advogada criminalista considerou positivo o veto à proposta que previa triplicar os crimes contra a honra expostos nas redes sociais. “Já existem leis que contemplam isso”, resume.
Reportagem publicada originalmente no Ponte.
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