Por Aluizio Falcão Filho
Há em alguns idiomas, palavras que não têm significado equivalente em outra língua. “Saudade”, em português, por exemplo, não tem um substantivo equivalente em inglês. Em alemão, há um outro termo curioso, que não possui uma tradução fácil em outros idiomas: schadenfreude. Literalmente, isso quer dizer “a alegria do dano”. Trata-se de um sentimento de prazer que uma pessoa tem ao testemunhar a desgraça de um inimigo ou desafeto. Essa palavra foi resgatada em minha memória quando vi, ontem, a reação das redes sociais à notícia de que Sergio Moro foi contratado por uma consultoria que tem a Odebrecht entre seus clientes. Em pouco tempo, a o universo digital foi sacudido por um certo frenesi e a hashtag com o nome da empreiteira ganhou um lugar de destaque entre os assuntos mais discutidos do Twitter.
Inúmeros posts de opositores a Moro surgiram para celebrar o que seria um tropeção do ex-ministro. Alguns exemplos de comentários:
– “Quanta coisa o Moro sabe sobre a Odebrecht que nós não sabemos? Mas tem gênio que acha que criticar isso é ‘criminalizar a advocacia’”.
– “Depois de ‘combater’ a lavagem de dinheiro, o ex-juiz vira especialista em lavagem de imagem”.
– “Mais uma vez, Moro fica sob a luz difusa do abajur lilás com discursos de integridade e anticorrupção”.
Essa última frase, aliás, é de Ciro Gomes. Mas pode-se ver que Moro ficou sob o bombardeio semelhante de esquerda e de direita – ao unir as duas vertentes, um deleite absoluto em criticar aquele que impôs, nos tempos da Lava-Jato, pesadas multas à Odebrecht e colocou o CEO da empresa no xilindró durante muito tempo.
A empresa de consultoria à qual Moro se associa fez questão de esclarecer que o ex-juiz não atuará em contratos nos quais a empresa baiana estiver envolvida, em nome da transparência e das regras de compliance. O estrago, mesmo assim, foi feito e pode criar outros embaraços no futuro.
Sergio Moro é um nome de alcance nacional e frequentemente cogitado para concorrer à presidência em 2022. Mesmo que isso não ocorra, ele é uma personalidade pública e precisa zelar por sua imagem. Pertencer aos quadros de uma empresa que têm a Odebrecht em seu plantel de clientes levanta questões éticas junto ao público que poderiam ter sido plenamente evitadas. Moro não julgou corretamente a situação e, por mais que seja blindada sua situação junto ao novo empregador, a imagem que fica não é boa.
Moro saiu da equipe de Jair Bolsonaro mas agiu da mesma forma que muitos integrantes do governo fazem: tomou uma decisão sem pensar como este ato poderia fustigar a sua imagem. Dentro deste contexto, será que o ex-ministro tinha um número tão pequeno de propostas à mão? Esta teria sido a melhor de todas? O dinheiro falou mais alto? Essa última hipótese, de certa forma, contradiz a figura pública que Moro cultivou ao longo dos últimos anos. E, quando se tem exposição em grande escala, como ele, é preciso medir cada movimento que se faz.
Não parece ter sido o caso. Mas, agora, o que se deve fazer?
Moro vai trabalhar em contratos que têm pouco ou mínimo interesse para o grande público – muitos deles, com certeza, protegidos por cláusulas de sigilo. Como o ex-ministro vai compatibilizar essa atividade, que necessita de discrição, com uma vida política, que necessita exatamente do oposto, máxima exposição?
Imagine-se um cliente de Moro, numa situação delicada, que exige confidência, recebendo uma visita do agora advogado e diretor de uma consultoria. É só Moro aparecer na portaria que metade do prédio saberá que este cliente está querendo encontrar, como diz o comunicado oficial, “soluções para disputas complexas, investigações e questões de compliance”.
Ora, uma investigação requer anonimato e discrição. Um ícone como Moro será facilmente reconhecido em qualquer situação – e esse perfil alto pode ser um entrave para as novas funções. Achar que Moro pode se disfarçar para não chamar atenção é algo tão estapafúrdio como uma história antiga de Paul McCartney. Ele já era famoso e rico, mas ainda morava em Liverpool na casa de seu pai, James. Nesses primeiros dias de beatlemania, já havia grupos de pessoas paradas em frente à residência da família, à caça de autógrafos ou de uma fotografia com o Beatle. Paul, assim, colocava uma peruca grisalha e um bigode postiço, vestindo um sobretudo. A ideia era se passar por um velho amigo do pai. Então, abria a porta e gritava para o lado de dentro da casa: “Foi muito bom vê-lo, Jimmy, vamos repetir esse encontro”.
Desnecessário dizer que os fãs não engoliam o disfarce e arrancavam a peruca, o bigode e o sobretudo em questão de segundos, segurando Paul McCartney foi vários minutos. A chance de algo semelhante ocorrer a Moro é de cem por cento.
Diante disso, fica a pergunta: quanto tempo vai levar para o ex-juiz e ex-ministro se transformar também em um ex-consultor?
Artigo publicado originalmente no Money Report.
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