A saúde da mulher negra não é uma área de conhecimento ou um campo relevante nas Ciências da Saúde. É inexpressiva a produção de conhecimento cientifico nessa área e o tema não participa do currículo dos diferentes cursos de graduação e pós-graduação em saúde, com raríssimas exceções. Trata-se de assunto vago que, na maior parte dos casos, é ignorado pela maioria de pesquisadoras e pesquisadores,
estudantes e profissionais de saúde no Brasil. Este trabalho pretende apresentar algumas informações acerca dos processos de formulação desse campo conceitual a partir das demandas dos movimentos sociais organizados e das formulações de especialistas. Tais informações serão apresentadas com o objetivo de subsidiar pesquisas e contribuir para a formulação e gestão de políticas públicas adequadas
às necessidades expressas nos indicadores sociais e de saúde das mulheres negras brasileiras. Palavras-chave: Saúde da Mulher Negra; Racismo; Racismo Institucional; Políticas Públicas.
Introdução
A revisão da literatura especializada publicada no Brasil expõe a baixa presença que a saúde da mulher negra tem nos periódicos nacionais dedicados às Ciências da Saúde. De fato, uma breve revisão entre os periódicos disponíveis na biblioteca virtual SciELO
permite verificar essa escassez: a busca simples com descritores “saúde mulher negra” oferece 24 artigos nacionais publicados a partir de 2008. Ao restringir a busca para artigos da área de saúde pública, a disponibilidade reduz-se a apenas seis textos completos publicados. Não é possível auferir aqui, com exatidão, a extensão dessa lacuna ou distinguir sua origem. Ou seja, não há como saber as razões do baixo índice de publicações sobre o tema: se por desinteresse, falta de estímulos ou existência de restrições explícitas nas instituições de pesquisa; se devido a barreiras interpostas pelos conselhos editoriais dos diferentes periódicos; ou, ainda, se devido a combinações entre
os variados elementos. Tais ausências ou insuficiências podem indicar a não consolidação da saúde da população negra e da saúde da mulher negra como campos temáticos e de pesquisa, relacionada ao baixo grau de penetração nas instituições de pesquisa dos
debates sobre o racismo, seus impactos na saúde e suas formas de enfrentamento.
As reivindicações da população negra e de movimentos sociais − especialmente o Movimento de Mulheres Negras e do Movimento Negro − por mais e melhor acesso ao sistema de saúde participaram da esfera pública ao longo dos vários períodos da história das mobilizações negras, principalmente no período pós-abolição, e se intensificaram na segunda metade do século XX, com forte expressão nos movimentos populares de saúde, chegando a participar dos processos que geraram a Reforma Sanitária e a criação do Sistema Único de Saúde. No entanto, é possível verificar que essa presença, apesar de ter contribuído para a concepção de um sistema universal de saúde com integralidade, equidade e participação social, não foi suficiente para inserir, no novo Sistema, mecanismos explícitos de superação das barreiras enfrentadas pela população negra no acesso à saúde, particularmente aquelas interpostas pelo racismo.
A vinculação entre racismo e vulnerabilidades em saúde chegou à agenda da gestão pública com mais força após a realização da Marcha Nacional Zumbi dos Palmares em 1995. Essa marcha, que levou a Brasília milhares de ativistas de todas as regiões do país, provocou a criação do Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorização da População Negra (GTI), reunindo ativistas, pesquisadores e representantes do governo para a formulação de propostas de ação governamental. No âmbito da saúde, o qual contava com a participação de representação do respectivo Ministério, o GTI realizou uma Mesa Redonda sobre Saúde da População Negra (1996), resultando na proposição de um conjunto de medidas. Entre elas, estavam: a inserção do quesito raça/cor na Declaração de Nascidos
Vivos e de Óbitos; a criação do Programa de Anemia Falciforme (PAF) e a detecção precoce da doença via triagem neonatal a partir do Programa Nacional a ser criado; a restruturação da atenção à hipertensão arterial e ao diabetes mellitus; o fortalecimento e extensão do então Programa de Saúde da Família até as comunidades quilombolas; além de o Ministério da Saúde publicar, em 1998, o documento “A Saúde da População Negra, realizações e perspectivas” e, em 2001, o “Manual de doenças mais importantes, por razões étnicas, na população brasileira afrodescendente”. Este voltava-se para doenças de origem genética comprovada, como doença falciforme, deficiência de glicose-6-fosfato-desidrogenase, hipertensão arterial, diabetes mellitus e as síndromes hipertensivas na gravidez, deixando de fora aquelas cuja origem genética não foi estabelecida, como no caso dos miomas uterinos e da síndrome leucopênica, e aquelas sob determinação social evidente, como desnutrição, verminoses, gastroenterites, tuberculose e outras infecções, alcoolismo e outras que, segundo os autores:
são mais incidentes na população negra, e não por
razões étnicas. O acesso a serviços de saúde é mais
difícil e o uso de meios diagnósticos e terapêuticos
é mais precário produzindo, em geral, evolução e
prognóstico piores para as doenças que afetam
negros no Brasil (Brasil, 2001, p. 9-10).
Note-se que, naquele momento, já se demonstrava certo grau de compreensão dos vários aspectos envolvidos na saúde da população negra, ainda que as medidas propostas tenham sido insuficientes para abordar com profundidade suas consequências. Tais informações fizeram parte dos informes levados pelo governo do Brasil à III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia
e Intolerâncias Correlatas, realizada na África do Sul em 2001 e convocada pela Organização das Nações Unidas (ONU).
A realização dessa Conferência (na qual a saúde da população negra recebeu formulações interessantes, especialmente durante seu componente regional, ou seja, na Conferência das Américas realizada em Santiago, Chile) e sua Declaração e Plano de Ação criaram as condições para que se desse mais um passo em direção à construção de propostas para a atenção à saúde da população negra
no Brasil. O principal exemplo foi a elaboração do documento “Subsídios para o debate sobre a Política Nacional de Saúde da População Negra: uma questão de equidade”, resultado do trabalho conjunto de especialistas reunidos pelas Nações Unidas no Brasil em dezembro de 2001. Esse documento propôs uma definição do campo abarcado pela saúde da população negra, que incluiria “as doenças, agravos
e condições mais freqüentes na população negra”, classificando-os como:
(i) Geneticamente determinadas – anemia falciforme e deficiência de glicose 6-fosfato desidrogenase; ou dependentes de elevada frequência de genes responsáveis pela doença ou a ela associadas – hipertensão arterial e diabete melito. […] (ii) Adquiridas, derivadas de condições socioeconômicas desfavoráveis – desnutrição, mortes violentas, mortalidade infantil elevada, abortos sépticos,
anemia ferropriva, DST/AIDS, doenças do trabalho, transtornos mentais resultantes da exposição ao racismo e ainda transtornos derivados do abuso de substâncias psicoativas, como o alcoolismo e a toxicomania. […] (iii) De evolução agravada ou de tratamento dificultado – hipertensão arterial, diabete melito, coronariopatias, insuficiência renal crônica, câncer e mioma. […] (iv) Condições fisiológicas alteradas por condições socioeconômicas – crescimento, gravidez, parto e envelhecimento (Sistema das Nações Unidas, 2001, p. 5-6, grifos no original).
A partir daí, propunha-se uma Política Nacional baseada nos seguintes componentes:
Produção do conhecimento científico – organização do saber disponível e produção de conhecimentos novos, de modo a responder
a dúvidas persistentes e dar consequência à tomada de decisões no campo da saúde da população negra.
• Capacitação dos profissionais de saúde – promoção de mudanças de comportamento de todos os profissionais da área de saúde,
através da formação e treinamento adequados para lidar com a diversidade da sociedade brasileira e com as peculiaridades do
processo saúde/doença da população negra.
• Informação da população – disseminação de informação e conhecimento sobre potencialidades e suscetibilidades em termos de saúde, de modo a capacitar os afrodescendentes a conhecer seus riscos de adoecer e morrer, e facilitar a adoção de hábitos de vida saudável e a prevenção de doenças.
• Atenção à saúde – inclusão de práticas de
promoção e educação em saúde da população
negra nas rotinas assistenciais e facilitação
do acesso em todos os níveis do sistema de
saúde (Sistema das Nações Unidas, 2001, p. 8)
Um aspecto fundamental desse documento está em apontar o racismo e a discriminação como determinantes associados ao adoecimento e à morte precoce de mulheres e homens negros. Oferece, assim, ferramentas avançadas para a mobilização social e para as iniciativas necessárias a fim de dar maior amplitude às ações para incorporação da temática no SUS.
A partir daí, novos passos foram dados, que culminaram com: a criação do Comitê Técnico de Saúde da População Negra em 2003 (formalizado em 2004 através da Portaria nº 2.632/2004), instância consultiva vinculada à Secretaria Executiva do Ministério da Saúde com papel de assessorá-lo; a organização do I e II Seminários Nacionais de Saúde da População Negra (2004 e 2006); a inserção da temática nas proposições das Conferências Nacionais de Saúde (especialmente a partir da 11º Conferência realizada em 2000 e as subsequentes); e a criação de uma vaga para o Movimento Negro no Conselho Nacional de Saúde (CNS), em 2005, após 68 anos de existência desse conselho. A participação da representação negra no CNS permitiu as articulações e ações necessárias para instituição
da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), aprovada pelo CNS em novembro de 2006. A PNSIPN reitera a relação entre racismo e vulnerabilidade em saúde, tendo como objetivos:
I – garantir e ampliar o acesso da população
negra residente em áreas urbanas, em particular nas regiões periféricas dos grandes
centros, às ações e aos serviços de saúde.
II – garantir e ampliar o acesso da população
negra do campo e da floresta, em particular
as populações quilombolas, às ações e aos
serviços de saúde.
III – incluir o tema Combate às Discriminações
de Gênero e Orientação Sexual, com destaque para as interseções com a saúde da
população negra, nos processos de formação
e educação permanente dos trabalhadores
da saúde e no exercício do controle social.
IV – identificar, combater e prevenir situações
de abuso, exploração e violência, incluindo
assédio moral, no ambiente de trabalho.
V – aprimorar a qualidade dos sistemas de informação em saúde, por meio da inclusão do quesito cor em todos os instrumentos de coleta
de dados adotados pelos serviços públicos,
os conveniados ou contratados com o SUS.
VI – melhorar a qualidade dos sistemas de
informação do SUS no que tange à coleta,
processamento e wwanálise dos dados desagregados por raça, cor e etnia.
VII – identificar as necessidades de saúde da
população negra do campo e da floresta e das áreas urbanas e utilizá-las como critério
de planejamento e definição de prioridades.
VIII – definir e pactuar, junto às três esferas de governo, indicadores e metas para a promoção
da equidade étnico-racial na saúde.
IX – monitorar e avaliar os indicadores e as metas pactuados para a promoção da saúde da
população negra visando reduzir as iniquidades macrorregionais, regionais, estaduais
e municipais.
X – incluir as demandas específicas da população
negra nos processos de regulação do sistema
de saúde suplementar.
XI – monitorar e avaliar as mudanças na cultura
institucional, visando à garantia dos princípios antirracistas e não-discriminatório; e
XII – fomentar a realização de estudos e pesquisas
sobre racismo e saúde da população negra
(Brasil, 2009).
Destaque-se que a PNSIPN, através de seu objetivo específico III, busca inserir a interseccionalidade de gênero e raça como aspecto importante da saúde da população negra, permitindo apontar para um campo de ação específico na área de saúde da mulher, entre outros.
Apesar de ter cumprido todo o processo de formalização requerido pelo SUS – aprovação pelo CNS (2006); publicação no diário oficial (2008); elaboração de Plano operativo; pactuação na Comissão Intergestores Tripartite com atribuição de responsabilidades para cada um dos entes federativos (2009) – a PNSIPN não angariou adesão suficiente à gestão do SUS. Como resposta, as mobilizações inseriram seus objetivos no corpo da Lei nº 12.288/2010 (Brasil, 2010) aprovada pelo Congresso Nacional em 2011. A partir de então, a atenção à saúde da população negra em seus diferentes aspectos passou a ser regulamentada via lei federal, como estratégia de provocar respostas necessárias. No entanto, além do rechaço mais ou menos explícito por parte de muitos, verificou-se, também, uma profunda ignorância acerca dos diferentes elementos envolvidos nos processos de realização de ações e estratégias necessárias, que explicam o porquê da
PNSIPN não ter sido adequadamente implementada após esses anos.
A seguir, serão apresentadas algumas informações sobre os diferentes elementos envolvidos na saúde da população negra e na saúde da mulher negra como forma de subsidiar novas formulações, pesquisas e ações, e, principalmente, no desejo de contribuir para a efetiva implementação da PNSIPN no SUS.
Racismo e saúde da população negra
Como visto acima, grande parte das formulações conceituais de diretrizes e estratégias e da atuação em saúde da população negra teve origem fora do sistema de saúde, a partir da atuação dos sujeitos negros organizados, de suas análises, conhecimentos e valores. Nesse processo de formulação, as mulheres negras tiveram especial destaque, não apenas por sua experiência histórica e cultural nas ações de
cuidado, mas também por serem as mulheres negras a parte expressiva de trabalhadoras de saúde das diferentes profissões. As instituições de pesquisa, os órgãos de fomento e as instâncias de gestão do Sistema Único de Saúde permaneceram ausentes na
maior parte desse processo e ainda necessitam de atuação mais consistente e capaz de responder adequadamente às demandas largamente expressas.
Cabe reconhecer que, como campo de pesquisa, formulação e ação, a saúde da população negra se justifica: pela participação expressiva da população negra no conjunto da população brasileira; por sua presença majoritária entre usuários do Sistema Único de Saúde; por apresentarem os piores indicadores sociais e de saúde, verificáveis a partir da desagregação de dados segundo raça/cor; pela necessidade de consolidação do compromisso do sistema com a universalidade, integralidade e equidade, apesar deste último ter sido longamente negligenciado, especialmente do ponto de vista da justiça social; pela existência de obrigação amparada em instrumentos legais1.
Como visto, o principal elemento constituinte desse campo é o reconhecimento do racismo com um dos fatores centrais na produção das iniquidades em saúde experimentadas por mulheres e homens negros, de todas as regiões do país, níveis educacionais e de renda, em todas as fases de sua vida. Esse reconhecimento, conquistado no plano político, ainda não foi suficiente para ocupar o vazio deixado pela quebra da hegemonia das teorias eugênicas nas pesquisas do campo das ciências da saúde2.
Em 2005, a Comissão de Determinantes Sociais em Saúde (CDS) da Organização Mundial de Saúde apresentou o conceito de determinantes sociais de saúde como um processo complexo no qual participam fatores estruturais e fatores intermediários da produção de iniquidades em saúde (ver Figura 1). Nele, o racismo e o sexismo estão incluídos como fatores estruturais produtores da hierarquização
social associada a vulnerabilidades em saúde. Esse conceito, ainda, apontava que, para se enfrentar adequadamente as iniquidades em saúde, seriam necessárias medidas que incluiriam a criação de programas dirigidos a populações vulneráveis e o desenvolvimento de ações para reduzir disparidades entre grupos, além de medidas de saúde, amplas para toda a população. Essa visão pressupõe a
geração de informações desagregadas, bem como a tomada de decisão em oposição ao status quo produtor ou mantenedor das desvantagens.
Nota-se que esse modelo surge ao menos dez anos após as formulações decorrentes da ação do GTI e das medidas de saúde da população negra por ele propostas. Caso tivesse havido decisão consistente nessa direção, os dois aportes poderiam ter ampliado o rol de medidas propostas e favorecido a atuação do SUS em relação à população negra.
No entanto, as decisões de política e gestão de saúde têm sido tomadas como se os dados não indicassem a ampla disparidade e o tratamento desigual que a sociedade e o Sistema Único de Saúde produzem ou sustentam, com enormes prejuízos para negros e indígenas, principalmente, diferentemente dos brancos. Os dados epidemiológicos desagregados segundo raça/cor são consistentes o suficiente para indicar o profundo impacto que o racismo e as iniquidades raciais têm na condição de saúde, na carga de doenças e nas taxas de mortalidade de negras e negros de diferentes faixas etárias, níveis de renda e locais de residência. Eles indicam, também, a insuficiência ou ineficiência das respostas oferecidas para eliminar o gap e contribuir para e redução das vulnerabilidades e para melhores condições de vida da população negra.
Para enfrentar tais limitações, é preciso compreender um pouco mais o racismo, reconhecido em sua dimensão ideológica que conforma as relações de poder na sociedade, participando, portanto, das políticas públicas, uma vez que estas estão entre os mecanismos
de redistribuição de poder e riqueza existentes. Uma aproximação interessante foi posta por Sueli Carneiro (2005), que propôs a utilização do conceito de dispositivo desenvolvido por Foucault, uma vez que,
oferece recursos teóricos capazes de apreender
a heterogeneidade de práticas que o racismo e
a discriminação racial engendram na sociedade
brasileira, a natureza dessas práticas, a maneira
como elas se articulam e se realimentam ou se
realinham para cumprir um determinado objetivo
estratégico (Carneiro, 2005, p. 39).
O dispositivo instaura um ordenamento amparado na racionalidade, que permite hierarquizar e estruturar o poder de determinação das formas de relações sociais como privilégio de um grupo particular de seres humanos. Permite, ainda, a validação da raça como atributo sociológico e político. É um dispositivo de poder, pois, segundo Foucault (apud Carneiro, 2005, p. 36), trata-se de:
um conjunto decididamente heterogêneo que
engloba discursos, instituições, organizações
arquitetônicas, decisões regulamentares, leis,
medidas administrativas, enunciados científicos,
proposições filosóficas, morais, filantrópicas.
Em suma, o dito e o não-dito são os elementos
do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode
estabelecer entre estes elementos (apud Carneiro,
2005, p. 36).
A partir daí, a autora delineia um dispositivo de racialidade, ferramenta conceitual para explicitar as formas como o racismo penetra os diferentes campos da vida social e produz seus resultados, o que nos permite compreender como o racismo estrutura profundamente o escopo de democracia no Brasil, reduzindo a abrangência da cidadania por estar na base da criação e manutenção de preconceitos, ou
seja, ideias e imagens estereotipadas e inferiorizantes acerca da diferença do outro e do outro diferente, justificando o tratamento desigual (discriminação).
Em sua expressão na vida de indivíduos e grupos, o racismo assume três dimensões principais, segundo o modelo proposto por Jones (2002), resumido na Figura 2.
A partir daí, o racismo pode ser visto também como um sistema, dada sua ampla e complexa atuação, seu modo de organização e desenvolvimento através de estruturas, políticas, práticas e normas capazes de definir oportunidades e valores para pessoas e populações a partir de sua aparência (Jones, 2002), atuando em diferentes níveis.
As três dimensões do racismo apontadas acima atuam de modo concomitante, produzindo efeitos sobre os indivíduos e grupos (não apenas de suas vítimas), gerando sentimentos, pensamentos, condutas pessoais e interpessoais, atuando também sobre processos e políticas institucionais. Apesar da intensidade e profundidade de seus efeitos deletérios, o racismo produz a naturalização das
iniquidades produzidas, o que ajuda a explicar a forma como muitos o descrevem, como sutil ou invisível.
Segundo Jones (2002), o racismo internalizado traduz a “aceitação” dos padrões racistas pelos indivíduos, incorporando visões e estigmas. O racismo interpessoal se expressa em preconceito e discriminação, condutas intencionais ou não entre pessoas.
Já o racismo institucional (RI), que possivelmente é a dimensão mais negligenciada do racismo, desloca-se da dimensão individual e instaura a dimensão estrutural, correspondendo a formas organizativas, políticas, práticas e normas que resultam em tratamentos e resultados desiguais. É também denominado racismo sistêmico e garante a exclusão seletiva dos grupos racialmente subordinados, atuando como alavanca importante da exclusão diferenciada de diferentes sujeitos nesses grupos. O conceito foi cunhado pelos ativistas do grupo Panteras Negras, Stokely Carmichael e Charles Hamilton, em 1967, como capaz de produzir: “A falha coletiva de uma
organização em prover um serviço apropriado e profissional às pessoas por causa de sua cor, cultura ou origem étnica” (Carmichael; Hamilton, 1967, p. 4);
Desse ponto de vista, ele atua de forma a induzir, manter e condicionar a organização e a ação do Estado, suas instituições e políticas públicas – atuando também nas instituições privadas – produzindo e reproduzindo a hierarquia racial.
Atualmente, já é possível compreender que, mais do que uma insuficiência ou inadequação, o RI é um mecanismo performativo ou produtivo, capaz de gerar e legitimar condutas excludentes, tanto no que se refere a formas de governo quanto de accountability.
Para que seja efetivo, o RI deve dispor de plasticidade suficiente para oferecer barreiras amplas – ou precisamente singulares – de modo a permitir a realização de privilégio para uns, em detrimento de outros, em toda sua ampla diversidade.
O conceito de “racismo institucional” guarda relação com o conceito de “vulnerabilidade programática”, desenvolvido por Mann e Tarantola (1992) para analisar aspectos da epidemia de HIV/Aids. Para Ayres (2003, p. 125), o conceito de “vulnerabilidade” abrange
O conjunto de aspectos individuais e coletivos
relacionados ao grau e modo de exposição a
uma dada situação e, de modo indissociável, ao
menor ou maior acesso a recursos adequados
para se proteger tanto do agravo quanto de suas
consequências indesejáveis.
Três diferentes dimensões interligadas atuam na produção de maior ou menor vulnerabilidade de pessoas e populações a determinadas condições. São elas:
• dimensão individual – na qual estão inseridos comportamentos que desprotegem.
• dimensão social – destaca as condições políticas, culturais, econômicas etc., a partir do
que produz e/ou legitima a vulnerabilidade.
.dimensão política ou programática – refere-
-se à ação institucional voltada para a geração da proteção e/ou redução da vulnerabilidade de indivíduos e grupos, na perspectiva
de seus direitos humanos.
Dessa perspectiva, “racismo institucional” equivaleria a ações e políticas institucionais capazes de produzir e/ou manter a vulnerabilidade de indivíduos e grupos sociais vitimados pelo racismo.
Ainda que o papel do racismo na determinação das condições de vida e saúde seja reconhecido, é importante reconhecer, também, a existência de codeterminantes, ou seja, outros fatores que atuam concomitantemente, aprofundando ou reduzindo seu impacto sobre pessoas e grupos. Como ferramenta útil para a compreensão desse fenômeno, Crenshaw (2002) cunhou o conceito de “interseccionalidade”:
A associação de sistemas múltiplos de subordinação tem sido descrita de vários modos: discriminação composta, cargas múltiplas, ou como dupla ou tripla discriminação. A interseccionalidade é uma conceituação do problema que busca capturar as consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos de subordinação. Ela trata especificamente da forma pela qual o racismo,
o patriarcalismo, a opressão de classe e outros sistemas discriminatórios criam desigualdades básicas que estruturam as posições relativas de mulheres, raças, etnias, classes e outras. Além disso, a interseccionalidade trata da forma como ações e políticas específicas geram opressões que fluem ao longo de tais eixos, constituindo aspectos dinâmicos ou ativos do desempoderamento (Crenshaw, 2002, p. 177).
Assim, ao destacar a intersecção, a conexão, a interdependência das diferentes “variáveis” presentes nas relações sociais e políticas, essa ferramenta permite dar um sentido mais complexo a noções de diversidade, diferença e discriminação. A interseccionalidade permite visibilizar as diferenças intragrupo, inclusive entre aqueles vitimados pelo racismo, favorecendo a elaboração de ferramentas
conceituais e metodológicas mais adequadas às diferentes singularidades existentes. Permite, ainda, maior consistência na compreensão dos modos de aproximação e realização dos princípios de universalidade, integralidade e equidade na política pública.
Modos, momentos e oportunidades
A partir da constatação da presença do racismo e seus efeitos deletérios sobre a saúde e a prestação de serviços, Cooper, Hill e Powe (2002) desenhou um modelo voltado para apoiar a reflexão conceitual e a intervenção (ver Figura 3). Esse modelo, uma adaptação e ampliação de modelos anteriores criados por autores do Reino Unido e dos Estados Unidos3, aborda a promoção da equidade racial em
saúde a partir da visibilidade e intervenção sobre os fatores que interferem em seu acesso e utilização dos serviços de saúde. Entre estes estão barreiras pessoais e familiares, capazes de influenciar o grau de aproximação ou afastamento de usuários em
relação ao modelo de saúde em uso; os paradigmas referendados por eles, o que inclui o grau de informação e compreensão das linguagens e perspectivas utilizadas; além da adoção ou não de hábitos saudáveis de vida e do nível educacional e de renda (frequentemente mais baixo para integrantes dos grupos raciais discriminados). Entre as barreiras estruturais, está, também, o montante de financiamento da saúde, que nos permite apontar processos de priorização e redistribuição, bem como, no caso dos serviços privados e planos de saúde, destaca o grau de cobertura e garantias incluídas. É preciso recordar que a qualidade e cobertura dos seguros
saúde estão vinculadas diretamente à capacidade financeira dos usuários, que, por sua vez, vincula-se
a seu nível de renda. Já no sistema público, há forte correlação entre as regiões habitadas por populações de renda mais baixa e precariedade da oferta de recursos pelo Sistema Único de Saúde. Como diferentes estudos apontam, há forte correlação no Brasil entre raça, racismo, discriminação racial (incluindo suas interseccionalidades) e renda, cabendo aos grupos racialmente discriminados ocupar
patamares inferiores e estando sujeitos a ofertas de ações de saúde pública ou privada precárias.
O modelo destaca, também, a necessidade de intervenção sobre o modo de organização dos serviços de saúde disponíveis, facilitando a disponibilidade de acesso integral, ou seja, aos diferentes níveis de atendimento. O conhecimento da existência e da intensidade de limitações nesse nível pode favorecer a adoção de medidas singulares e adequadas a cada caso para sua superação e aproximação entre
usuários e o serviço de saúde.
O nível da utilização dos serviços aponta para a perspectiva da integralidade, ou seja, questiona as possibilidades de acesso e utilização por parte de usuários de grupos raciais discriminados aos diferentes níveis de atenção, da primária à de alta complexidade, no tempo necessário. Está incluído nesse nível, também, o acesso adequado a medidas preventivas, de diagnóstico e tratamento. No Brasil, um estudo do IPEA sobre acesso a transplantes demonstrou a importância dos diferenciais raciais e de gênero no acesso a transplantes em nosso país, que favorece homens brancos em detrimento dos demais grupos (Marinho; Cardoso; Almeida, 2011).
Outro nível de análise e atuação foi classificado pelos autores como mediadores, que fazem referência ao fator humano e destacam, além da qualidade de sua atuação, suas possibilidades de favorecer ou limitar o acesso de usuários aos diferentes recursos
necessários. Nesse grupo, incluem-se habilidades técnicas e pessoais, considerando, também, a capacidade de aceitação e respeito à diversidade racial e cultural existente, bem como recomenda um olhar sobre a forma como gestores e profissionais de saúde atuam, incluindo a análise de sua capacidade de comunicação; sua competência cultural, ou seja, sua capacidade de reconhecer e dialogar com a diferença cultural que se apresenta; e seu comportamento (se é preconceituoso, se produz ou reforça estereótipos). Nesse grupo estão incluídos, também, a adequação do cuidado oferecido, a eficácia do tratamento e o grau de adesão de usuários. É importante recordar
que o racismo e a longa trajetória de discriminações, combinados à persistência da precariedade e baixa qualidade dos serviços destinados a determinadas camadas da população, interpõem-se entre profissionais e usuários, influenciando visões preconceituosas e estereotipadas por parte de profissionais em relação a integrantes de grupos subordinados e dificultando o estabelecimento de relações de confiança, seja entre profissionais e usuários, ou entre estes e os serviços e todo o sistema de saúde.
Nesse modelo, os resultados da ação, que incluem dados epidemiológicos, a visão de usuários e a constituição ou não de efetiva parceria entre usuários e sistema, também podem funcionar como indicadores das disparidades e tratamento desigual, atuando, ainda, como indicadores da eficiência das ações para a equidade, o que expõe a necessidade da produção de informações desagregadas por raça/
cor e o desenvolvimentos de mecanismos de diálogo e participação que garantam a inserção desses grupos e de sujeitos nos processos de formulação, monitoramento e avaliação das políticas e ações.
O aspecto fundamental que esse modelo oferece é a possibilidade de analisar o racismo e seus efeitos na saúde, além de visibilizar modos, momentos e oportunidades de ação.
Como dito aqui, com o racismo, outros eixos de subordinação atuam para a produção de quadros de destituição e vulnerabilidades. Essa codeterminação possivelmente está associada aos graves indicadores sociais e de saúde das mulheres negras que certamente participam das altas taxas de morbidade e de mortalidade precoce ou por causas evitáveis.
Em cada um dos momentos apontados no modelo, mecanismos seletivos de privilegiamento e barreiras – por exemplo, linguagens, procedimentos, documentos necessários, distâncias, custos, etiquetas, atitudes etc. – poderão ser interpostos sem qualquer mecanismo de controle ou barreira, dificultando ou impedindo a plena realização do direito e o atendimento às necessidades expressas. Assim,
instaura-se em cada um deles, e em todo o percurso, lógicas, processos, procedimentos, condutas, que vão impregnar a cultura institucional – o que, se não os torna invisíveis, faz parte da ordem “natural” das coisas. Por essa razão, são referidos como inexistentes na visão daqueles ainda não adequadamente preparados – ou interessados – para efetuar diagnósticos mais precisos a partir de visões mais amplas do que aquelas oferecidas pelo modelo biomédico. Essa incapacidade é um dos fatores subjacente às dificuldades ou impedimentos ao alcance pleno das possibilidades e resultados das ações, programas e políticas institucionais, perpetuando a exclusão racial. Por outro lado, produz ou perpetua privilégios.
Um aspecto importante assinalado por King (1996), que justifica a adoção de medidas específicas e afirmativas para se eliminar privilégios e exclusões, refere-se ao fato de que “Pessoas e organizações que se beneficiam do racismo institucional são refratárias a mudanças voluntárias do status quo” (King, 1996, p. 33).
Através delas, instaura-se oportunidade para a criação de medidas e mecanismos capazes de quebrar a invisibilidade do RI e de romper a cultura institucional, estabelecendo novas proposições e condutas que impeçam a perpetuação das iniquidades.
Ações afirmativas e outras medidas
A eliminação das disparidades raciais na saúde e a produção de respostas adequadas para a promoção de saúde das mulheres negras requerem o desenvolvimento de ações afirmativas em diferentes níveis, o que implica o estabelecimento de medidas singularizadas, baseadas em diagnósticos aprofundados e igualmente singularizados, os quais devem fundamentar o desenho de processos, protocolos, ações e políticas específicos segundo as necessidades e singularidades de cada grupo populacional. Assim, é preciso estabelecer medidas facilitadoras da aproximação e acesso, de modo a superar as barreiras interpostas ao exercício do direito à saúde pelas mulheres negras. É necessário, também, utilizar métodos e linguagens inteligíveis, que respeitem e dialoguem com os diferentes valores, crenças e visões de mundo, os quais devem ser produzidos com a participação dos sujeitos a que se quer beneficiar; além de priorizar ou incluir diferentes grupos de mulheres negras – que vivenciam condições semelhantes de idade, de local de moradia, de geração, de orientação sexual, de condição física e mental etc. –, de vendo ser adequadamente informados em cada uma das fases da tomada de decisões terapêuticas, de processos e de políticas.
Um aspecto importante das ações afirmativas refere-se à criação de estímulos à formação de sujeitos pertencentes aos grupos discriminados nas profissões da área de saúde − o que inclui a carreira médica, mas não apenas ela − e de medidas que permitam sua ascensão funcional aos mais altos cargos de tomada de decisão, além de requisitar a adoção de atitudes que estimulem, reforcem e garantam a permanência desses profissionais nos territórios de origem ou naqueles com maior necessidade, incluindo modelos apropriados e sustentáveis de gestão pública dos serviços e do sistema.
Não se pode negligenciar a importância da constituição de processos de monitoramento e avaliação consistentes, que privilegiem indicadores sensíveis, capazes de serem manejados pelos diferentes sujeitos envolvidos e adequados à mensuração das disparidades raciais na saúde e seus processos de eliminação. Esses processos, que precisam incluir a participação das mulheres negras, devem se apoiar em ampla divulgação de informações acerca dos benefícios e das necessidades de utilização de indicadores de monitoramento e avaliação apoiados na informação sobre raça/cor – um modo de diminuir resistência e estabelecer confiança.
Por outro lado, é preciso intensificar a agenda de pesquisas em saúde da população negra e das mulheres negras com a realização de editais de fomento com financiamento adequado, capazes de estimular, inclusive, inovações conceituais e metodológicas necessárias à melhor aproximação e análise da complexidade envolvida nas iniquidades raciais em saúde, especialmente aquelas que atingem as
mulheres negras.
Uma das contribuições fundamentais para a eliminação das disparidades raciais em saúde e para a promoção da saúde das mulheres negras refere-se à eliminação do RI, que impregna o Sistema Único de Saúde em todos seus níveis e esferas.
Além de reconhecer a determinação legal estabelecida por meio de diferentes instrumentos, é preciso reconhecer que a qualificação de gestores e profissionais, além de usuários e população em geral, é fundamental para a produção de mudanças consistentes na cultura institucional.
Essas mudanças devem ser capazes de alterar as formas de atuação cotidiana tanto quanto os processos de planejamento, monitoramento e avaliação, e de envolver ações em três diferentes níveis ou oportunidades, que são: acesso e utilização; processos institucionais internos; resultados das ações e políticas públicas. As ações relativas a cada um dos níveis estão descritas a seguir.
Acesso e utilização
São ações para ampliação do acesso e utilização das políticas públicas de saúde, incluindo ações de promoção pelas mulheres negras, e devem permitir a aproximação física e cultural entre instituições públicas e as mulheres negras. Tais iniciativas de aproximação implicam não apenas eliminação de entraves, que impedem o agente público de alcançar as mulheres negras e cada uma entre elas, como também em maior disponibilização de infraestrutura acessível a elas. Ou seja, deverão envolver esforços institucionais em deslocar-se – fisicamente e em relação à cultura institucional – em direção a esse grupo excluído ou sub-representado. Alguns exemplos de ações possíveis nesse nível envolvem:
(1) diagnóstico das características da população segundo raça/cor e sexo/identidade de
gênero;
(2) ação integrada a outras políticas setoriais como educação, emprego, previdência e assistência social;
(3) treinamento de equipes para abordagem singularizada e para enfrentamento do racismo;
(4) estabelecimento de metas de cobertura para grupos populacionais excluídos;
(5) inserção da promoção da equidade racial e de gênero como dimensão estratégica e objetivo dos ciclos de planejamentos e orçamento
públicos, especialmente da saúde, nas três esferas de gestão;
(6) ampliação da representação negra, com equidade de gênero (de modo proporcional a sua participação na população geral);
(7) estabelecimento de metas de eliminação do RI e das disparidades raciais e de gênero nas políticas;
(8) ampliação da participação negra, com equidade de gênero, e das informações para a promoção da equidade na comunicação
pública e privada;
(9) ampliação do investimento público dirigido à eliminação do racismo e à iniquidade de gênero;
(10) ampliação das redes do Sistema Único de Saúde, especialmente aquelas sob gestão pública estatal, nas regiões de maior presença de população negra.
Processos institucionais internos
Envolvem aqueles processos voltados para os modos e movimentos organizativos internos, de modo a habilitá-los a responder às necessidades expressas ou coletadas referentes às mulheres negras, implicando, também, disponibilizar ações
e serviços capazes de atender de modo adequado as diferentes mulheres negras, diminuindo e eliminando as diferenças na prestação de serviços e em seus resultados. São exemplos de ações nesse nível:
(1) estabelecimento de normas e protocolos institucionais dirigidos ao enfrentamento do RI;
(2) criação e funcionamento articulado de mecanismos institucionais de enfrentamento
do RI, com montante adequado e fonte
estável de financiamento, transparência,
prestação de contas;
(3) comunicação pública de compromisso com
a diversidade e com o enfrentamento do
racismo;
(4) estabelecimento de ações afirmativas para
ampliação da participação de mulheres
negras e para ampliação da diversidade
cultural, racial e de identidade de gênero
na gestão e nas equipes de trabalho, nos
diferentes níveis de gestão: programas de
qualificação, cotas, treinamento das equipes
para maior aceitabilidade etc.;
(5) ampla divulgação de estratégias, ações
e resultados das ações institucionais de
acordo com o impacto sobre os diferentes
grupos populacionais segundo raça/cor e
sexo, e explicitação da realização de metas
diferenciadas para as mulheres;
(6) estabelecimento de protocolos e pactuações
para atuação intersetorial e interinstitucional;
(7) inserção de mulheres negras nos processos
de planejamento institucional;
(8) inserção de objetivos de eliminação do RI
e das disparidades raciais e de gênero nas
diferentes ações e políticas institucionais;
(9) inserção de indicadores de melhoria da qualidade da prestação de serviços para mulheres
negras nos critérios de avaliação de sucesso
e qualidade das políticas públicas;
(10) divulgação ampla de processos e resultados
das medidas adotadas e seus resultados;
(11) participação de mulheres negras na definição de indicadores de avaliação;
(12) utilização das informações originadas nos
processos de monitoramento e avaliação no
novo ciclo de planejamento;
(13) incorporação de indicadores de enfrentamento do RI e de eliminação das disparidades raciais aos critérios de avaliação de
diferentes políticas de saúde;
(14) ampliação da disponibilidade de treinamentos para a capacidade institucional de
diálogo e acolhimento da diversidade e para
o enfrentamento do RI;
(15) desenvolvimento de processos de avaliação
periódica da competência institucional para
enfrentamento do RI;
(16) posicionamento dos mecanismos de enfrentamento do RI e eliminação das disparidades
raciais e de gênero nos estratos superiores
da hierarquia administrativa;
(17) definição de estratégias de acolhimento às
mulheres negras e à população;
(18) adequação da infraestrutura de serviços
às necessidades das mulheres negras e da
população negra.
Resultados das ações e políticas públicas
Nesse nível, as ações empreendidas devem ser capazes de realçar a mudança institucional, vista como adoção de práticas capazes de aproximar os objetivos institucionais das necessidades das mulheres negras. Assim, as ações envolvem os esforços institucionais de eliminação do RI a partir da atuação sobre os resultados das políticas públicas, sendo:
(1) pactuação de metas sanitárias de redução da morbimortalidade segundo raça/cor, com ênfase na morbimortalidade de mulheres
negras de diferentes idades, orientações sexuais, condição física e mental, território, entre outros, visando abarcar a totalidade dos grupos diferenciados de mulheres negras;
(2) adoção de planificação intersetorial que permita a ampliação da cobertura das políticas de seguridade social segundo raça/cor e grupos específicos – usuários e usuárias de saúde mental população de rua, entre outros – articulando-se, também, com políticas de moradia, transporte e emprego;
(3) ampliação das noções de direito pelas mulheres negras;
(4) ampliação da participação de gestores e profissionais nas ações e políticas de eliminação do RI e das disparidades raciais e de gênero na saúde.
Cabe ressaltar que o monitoramento e a avaliação dos processos necessários à eliminação do RI nos três níveis apontados aqui requerem a constituição de sistemas intra e interinstitucionais com autonomia, capacidade operacional e competência gerencial, adequadas ao desenvolvimento contínuo e sustentável das ações necessárias ao cumprimento de seu mandato. Tais atribuições requerem, também, transparência de diálogo permanente com a sociedade civil, especialmente com as diferentes mulheres negras e suas representações.
Por outro lado, é fundamental que, no lado da sociedade civil, se constituam múltiplos observatórios, articulados entre si, de modo a garantir a replicabilidade e a sustentabilidade das ações ao longo do tempo, permitindo, então, que aprofundem seu alcance de mudança do Estado e suas relações.
É nessa perspectiva conceitual que as atrizes e atores da rede de pesquisador@s, gestor@s e líderes do movimento social vêm construindo o campo “saúde da mulher negra”.
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