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Setor aéreo precisa de empresas fortes, não de monopólio

Setor aéreo precisa de empresas fortes, não de monopólio

Por Heleno Taveira Torres e Luiz Gonzaga Belluzzo

Tentativa de fusão de companhias não resolve crise financeira da Gol nem favorece o mercado da aviação civil no país, escrevem Heleno Taveira Torres e Luiz Gonzaga Belluzzo

O governo tem em mãos um dos mais importantes projetos para o setor aéreo brasileiro, o Voa Brasil, para oferecer mais de 5 milhões de passagens aéreas a baixo custo. Entretanto, o lançamento do programa foi mais uma vez adiado e espera nova data para seu lançamento. 

O problema é que a crise de algumas das empresas brasileiras não pode mais esperar e esse programa seria fundamental para ampliar a capacidade de ocupação e expansão das rotas, como estímulo saudável à concorrência e competitividade no setor. 

A busca de solução para essa situação é urgente, mas não deve vir mediante subsídios públicos ou por fusões das grandes empresas. Isso porque empresas de grande escala e atuações relevantes, como são as 3 principais do nosso mercado aéreo, podem recorrer à fusão ou aquisição sob o argumento falacioso de que só assim poderá melhorar a competitividade do segmento. Em verdade, isso só resultará em duopólio e eliminação da concorrência.

Subsídios não resolverão o problema. Não é o cidadão que deve arcar com a recuperação das perdas financeiras dos acionistas da companhia. Resta saber como proteger o consumidor brasileiro contra uma possível concentração no setor.

Os rumores da venda da Gol para alguma das empresas brasileiras é uma péssima notícia para o mercado da aviação civil. É um caso que merece acompanhamento atento pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e pelas demais autoridades para evitar concentração e cartelização do mercado, ou lastimável duopólio, em um mercado já altamente concentrado. O resultado seria um impacto direto nos preços das passagens, cuja conta será paga pelos usuários, pelo turismo e pela economia. Ao fim e ao cabo, só quem perde é o consumidor.

Com o agravamento da crise financeira enfrentada pela GOL, que passa por um novo capítulo, depois do pedido de proteção contra credores (o chamado “Chapter 11”), perante o Tribunal de Falências do Distrito Sul de Nova York (EUA), abre-se um debate sobre a necessária (e saudável) concorrência no setor aéreo brasileiro. 

Instituto similar ao da recuperação judicial, o Chapter 11 permite à empresa, com tutela judicial e maior flexibilidade, buscar a renegociação de suas dívidas, obtenção de novos financiamentos e reorganização de sua operação e suas finanças. Tudo isso, com a continuidade de suas operações. 

O desejo é que a Gol Linhas Aéreas, que sempre foi uma excelente empresa aérea, recupere sua plena capacidade financeira e volte a ser uma empresa competitiva, sem precisar recorrer à concentração de mercado ou a reduções das suas atividades. Para tanto, ela precisará de tempo e de condições para negociar suas dívidas com os credores.

Em 2020, a Latam fez uso do Chapter 11, cujo processo se encerrou em 2022, período de gravíssima dificuldade para o setor, com a retomada da saúde financeira da companhia e crescente ganho de escala. Tornou-se não só a maior da aviação interna, como também expandiu seus voos internacionais, o que demonstra que uma gestão qualificada e criativa será sempre o mais indicado dos bons remédios para “salvar” quaisquer empresas.

O setor aéreo brasileiro é robusto e de demanda crescente. Em 2023, foram transportados mais de 112 milhões de passageiros, de modo que o setor atingiu 95% da movimentação registrada em 2019. Em relação a 2022, houve aumento de 15,3% no total de passageiros movimentados. 

Desde a saída do mercado da Avianca que, segundo dados da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), controlava 13,4% do mercado doméstico de transporte aéreo de passageiros em 2018, o mercado se concentrou nas 3 mencionadas companhias aéreas: Latam, Gol e Azul

Em levantamento da Anac, em dezembro de 2023, a Latam controlava 38,7% do mercado doméstico, ao passo que a GOL e Azul controlavam, respectivamente, 33,3% e 27,5%. Do total, resta apenas 0,5% fora do controle das 3 companhias.

Basta pensar que, caso a fusão da Gol com uma de suas concorrentes se concretize, a empresa resultante terá participação acima de 60% em mais da metade dos maiores aeroportos do país. Não é pouco. Isso levará a severos aumentos de preços e reduções de acesso a viagens, em contrariedade com tudo o que o governo planeja neste momento. 

Em países da Europa, vê-se uma elevada concentração de mercado na aviação civil. Mas não é algo comparável ao Brasil, pela pequena extensão territorial de países como França, Itália ou Portugal, que resulta em um baixo volume de voos internos, e pelo uso de outros meios de transporte, sobretudo o ferroviário. 

Nos Estados Unidos, cuja extensão territorial se assemelha melhor à brasileira, o mercado doméstico de voos comerciais é diluído. Segundo o Departamento de Transporte do país, em 2023, o mercado era dividido entre diversas companhias diferentes. A que tem maior participação de mercado é a Delta Airlines, com 17,8%, seguida da American Airlines, com 17,2%, da Southwest Airlines, com 17,2%, e da United Airlines com 16,0%. Os 31,8% restantes repartem-se em mais de 10 companhias diferentes.

Não seria a primeira vez que uma operação de concentração no setor aéreo brasileiro interferiria negativamente no preço das passagens. A compra da Webjet, em 2012, pela Gol atingiu diretamente os consumidores. Um estudo (PDF – 1MB) realizado em 2023 pelo Departamento de Estudos Econômicos do Cade analisou a variação de preços nas rotas em que havia risco de entrada pela Webjet antes e depois da operação. Constatou-se que, com a fusão e consequente saída da Webjet do mercado, houve um aumento de preços de 7,68% a 16,42%.

Logo, nem fusão, nem subsídios governamentais. Nenhuma dessas alternativas resolverá a crise financeira da Gol ou de qualquer outra empresa do setor. Por isso, compete ao Cade acompanhar com lupa uma eventual tentativa de fusão da Gol por suas concorrentes, dada a potencial contrariedade ao interesse público e à economia nacional.  

A livre concorrência, determinada no artigo 170, inciso 4 da Constituição, é um princípio fundamental. Por isso, abusos do poder econômico tendentes à dominação do mercado, à eliminação da concorrência ou que resultem no aumento arbitrário de lucros, de fato, merecem atuação do Cade, por contrariar os valores que regem a ordem econômica.

As transformações nas estratégias das empresas explicam a sanha das fusões e aquisições. O rentismo exercita seus propósitos ao se beneficiar de um ativo existente –criado com os esforços e incertezas do investimento em nova capacidade– agora destinado a propiciar uma renda monopolista. 

A onda de fusões e aquisições obedece à lógica patrimonialista e rentista do moderno capital financeiro, em seu furor de aquisições de ativos existentes. Nada tem a ver com a qualidade dos serviços prestados, mesmo porque os exemplos são péssimos. Em geral, no mundo, declinou a qualidade dos serviços prestados pelas empresas adquiridas na fúria concentradora, declínio acompanhado pelo aumento de tarifas e pela deterioração dos trabalhos de manutenção.

Trata-se, fundamentalmente, de um movimento típico do capitalismo monopolista e comandado pelo poder do dinheiro que circula livremente mundo afora. Quem não consegue engolir o concorrente corre o risco de ser deglutido por ele.

A experiência internacional mostra que, depois de um período breve de “concorrência”, as empresas tendem a fundir-se, provocando uma enorme concentração do capital e produzindo situações de monopólio, com graves implicações para a fixação de tarifas e para a qualidade do serviço.

Por todos esses motivos, para aumentar a competitividade no setor aéreo será preciso:

  • promover um ambiente favorável à revisão e reorganização das finanças da empresa afetada, com o equilíbrio de seu balanço, e, potencialmente, transação das dívidas atuais da companhia. Favorecer, em síntese, a recuperação da saúde financeira da empresa; e
  • de forma indissociável, estimular que a concorrência entre as empresas promova mais demanda, como meio para garantir a continuidade de todas no mercado brasileiro, com eficiência e qualidade. 

Daí, a importância de programas de estímulo, como o Voa Brasil, que precisa entrar em funcionamento o mais rápido possível.

Artigo publicado originalmente no Poder 360.

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