(Para meu amigo Marcos Peixoto, um juiz humanista)
Jean Amery, este notável escritor, sobrevivente de Auschwitz, ao relatar a deportação do poeta Alfred Israel Mombert (O alcoólatra celestial), de sua cidade de Karlsruhe, em 1941, para um campo de concentração, por ser apenas judeu, vale-se de uma parábola que bem pode expressar, ainda que em lances de pincel, o que hoje vemos suceder. Dizia ele que a vida se perde, de repente, como em uma enxurrada: tudo é levado, e o que sobra serão apenas lixo e destroços.
A parábola é bastante significativa porque encerra uma relação entre linguagem e realidade. Quando a vida no Brasil deixa de ser o próprio significado da existência, quando perdemos o sentimento de mínima solidariedade, somos todos lixo. Somos simples instrumental do exercício do poder, estamos sendo levados na enxurrada para aquilo que Sartre dizia sobre o fim, como a mais verdadeira expressão do começo, do começo do desastre, do desencontro, da intolerância, da crueldade, do desamor, do ódio, da indiferença, da incompreensão, dos preconceitos, das discriminações, da revoada sobre os campos gelados e frios da degradação humana.
Escrevo com tristeza, porque, como brasileiro, sinto-me no meio dessa enxurrada, a tragar-me as esperanças e a alegria, a retirar-me do pensamento idealista para levar-me para muito distante do que um dia havia pensado sobre uma democracia em que cada um pudesse aprender a amar seu próximo.
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