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A Instituição de Política de Acesso aos Dados Abertos e o Direito Constitucional da inviolabilidade da Intimidade

A Instituição de Política de Acesso aos Dados Abertos e o Direito Constitucional da inviolabilidade da Intimidade

Na data de 11 de maio do corrente ano, foi editado, pela Sra. Dilma Rousseff, na qualidade de Presidente da República, o Decreto Presidencial n.º 8.777 que institui a Política de Dados abertos do Poder Executivo Federal.

Segundo o disposto no aludido Decreto, a Política de Dados Abertos do Poder Executivo Federal possui, dentre seus objetivos, promover, em até cento e oitenta dias da data de sua publicação, a divulgação de dados contidos em bases de dados de órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, sob a forma de dados abertos, passando tais dados a serem de livre utilização pelo Governo Federal e pela sociedade.

Ademais, estabelece o Decreto que os Planos de Dados Abertos dos órgãos e das entidades da administração pública federal deverão priorizar a abertura dos dados de interesse público listados em seu Anexo I, estando incluído neste anexo, dentre o rol daqueles dados considerados de interesse público, a base de dados do SIRC – Sistema Nacional de Informações de Registro Civil, que por sua vez contem informações acerca dos nascimentos, casamentos, divórcios e óbitos das pessoas naturais.

Em linhas gerais, o texto do Decreto nº 8.777/2016 estabelece o gravoso acesso irrestrito aos dados pessoais relativos à personalidade e ao estado civil da pessoa natural, permissivo totalmente reprovável, pois viola o sigilo dos dados dos cidadãos para os quais os Registradores Civis são compelidos a fornecerem ao Poder Público, padecendo o Decreto, portanto, de clarividente inconstitucionalidade pela afronta ao artigo 5o, XII da Constituição do Brasil.

Nesse sentido, o direito à privacidade desdobra-se no direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, nos termos do inciso X do art. 5º da Constituição da República, bem como abrange a inviolabilidade do sigilo de dados, nos termos do inciso XII do mesmo artigo, garantias as quais foram totalmente vilipendiadas pelo ato normativo que institui a Política de Dados Abertos do Poder Executivo Federal.

A inconstitucionalidade do Decreto não se limita a afrontar o art. 5º da Constituição da República. Nos termos do disposto pelo art. 236 da Constituição Federal, regulamentado pelas Leis Federais n.º 6.015/73 e n.º 8.935/94, a obtenção de informações pessoais dos cidadãos, no que tange à sua nacionalidade e estado civil, é atribuição dos Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais, sendo tal serviço reservado constitucionalmente aos delegatários do Poder Público.

Os Oficiais delegados do Serviço Público são obrigados a lavrar certidão do que lhes for requerido e fornecer às partes as informações solicitadas, respeitando o direito à intimidade de cada cidadão e não podendo enviar dados de cada pessoa a órgãos ou entidades privadas, salvo para fins meramente estatísticos.

O Registrador Civil das Pessoas Naturais tem o dever legal de guarda e sigilo das informações obtidas no exercício de suas atribuições, sigilo este que é aniquilado pelo Decreto n.º 8.777/16. Tal dever está previsto em nossa legislação, no art. 30, inc. VI, da Lei n.º 8.935/94, sendo que a mesma lei, em seu art. 31, IV, prevê, inclusive, como infração disciplinar a violação deste sigilo.

Por sua vez, a Lei nº 12.527/11, que regula o acesso a informações, é expressa em dispor que constituem condutas ilícitas, que, inclusive, ensejam responsabilidade do agente público, divulgar ou permitir a divulgação ou acessar ou permitir acesso indevido à informação sigilosa ou informação pessoal.

Ora, o Decreto nº 8.777 de 2016 ao permitir a divulgação e a publicidade dos dados pessoais relativos à personalidade e ao estado civil da pessoa natural, contidos no SIRC, autoriza uma conduta terminantemente vedada pela Lei de Acesso à Informação, verdadeiramente afrontando a intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas.

O SIRC, que foi criado pelo Decreto n.º 8.270/2014, teve como objetivo apoiar e otimizar o planejamento e a gestão de políticas públicas que demandarem o conhecimento e a utilização dos dados relativos aos nascimentos, casamentos e óbito, vendando, terminantemente, aos órgãos e entidades públicas a divulgação, disponibilização e transferência dos dados pessoais das pessoas naturais a terceiros, vedação esta que implica em ilegal desvio de finalidade promovido pelo Decreto nº 8.777/2016.

A possibilidade de conferência e utilização indiscriminada dos dados pessoais dos cidadãos é uma questão demasiadamente preocupante e que incide diretamente sobre o direito fundamental à privacidade e seu corolário, o sigilo de dados, na medida em que tais informações serão acessadas por terceiros, que inclusive poderão, se assim quiserem, custear o serviço prestado, podendo dar as mais diversas destinações aos dados adquiridos.

A instituição de Política de Acesso aos Dados Abertos não pode, em momento algum, sobrepujar o texto constitucional e ignorar as leis ordinárias existentes, devendo, portanto, ser delimitada para que os dados a serem compartilhados não violem o direito constitucional à inviolabilidade da intimidade, bem como as determinações legais vigentes.

Artigo publicado originalmente no Jornal Carta Forense.

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