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A Legislação trabalhista em tempos de crise

De tempos em tempos o emprego formal e o Direito do Trabalho entram em cena. Sendo apontados por alguns setores da sociedade como os responsáveis pelo aumento do desemprego e pelo chamado “custo Brasil”.

A Constituição de 1988 veio de assegurar os direitos sociais básicos dos trabalhadores urbanos e rurais, direitos esses inseridos, premonitória e cautelarmente, em cláusula pétrea da Carta Política. Os direitos sociais previstos na Constituição Cidadã, representam, portanto, o patamar mínimo garantido aos trabalhadores, intuindo-se do caput do artigo 7º da Lei Maior, que desde 1988 ficou vedado o retrocesso social. Conforme, aliás, já pacificou a doutrina e a jurisprudência, inclusive do Excelso Pretório.

Nada obstante, mesmo após a Constituição de 1988, foram diversas as tentativas de flexibilizar a legislação trabalhista, sempre esbarrando, contudo, na rigidez do artigo 7º da CF.

Mas foi em 2017 que teve início a maior ofensiva aos direitos sociais, jamais vista desde a promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho. Dentre outras, a liberação da terceirização em toda e qualquer atividade e setor, e a aprovação da Lei 13.467/17, em tempo recorde e sem prévio e detido debate com a sociedade, a chamada “reforma trabalhista”, que apesar de em seu bojo prever o respeito ao artigo 7º da CF, como nem poderia ser diferente, criou instrumentos para obstar o acesso dos trabalhadores ao Poder Judiciário trabalhista. Ocorre que os empregos formais não foram criados magicamente, como prometiam os entusiastas da “reforma”. Até mesmo a contratação dos precários trabalhadores intermitentes foi pífia, embora o CAGED, que contabiliza o número de empregados e desempregados, tenha sido inflado com tais “empregados”, do chamado “contrato zero”.

O ano de 2019 começa com um novo governo, dito ultraliberal, sendo a extinção do Ministério do Trabalho uma das primeiras medidas adotadas pelo Poder Executivo.

Falou-se também, e como nunca, na extinção da própria Justiça do Trabalho, que desde 2017 vem atuando com orçamento drasticamente reduzido.

Começou 2020 com uma nova onda de medidas de flexibilização da legislação do trabalho. O aprofundamento da “reforma trabalhista” veio a reboque da MPV905, editada novamente sob o pretexto de criar empregos, com a chamada “carteira verde amarela”. Outra medida fracassada, e que em seu bojo trouxe uma série dos chamados “jabotis”; drásticas alterações na legislação trabalhista fulminando conquistas históricas da classe trabalhadora, como a jornada reduzida dos bancários, a facilitação do labor em jornada suplementar e em folgas, a limitação do poder do Ministério Público do Trabalho, a eliminação dos juros e da correção monetária dos créditos trabalhistas, dentre outras medidas de precarização.

Como se não soubessem os autores da MPV905, por exemplo, que a facilitação do aumento das jornadas de trabalho opera em desfavor da empregabilidade.

E embora não tenha sido convertida em Lei, revogada que foi por outra MPV, a de número 955, no último dia do prazo para a sua análise pelo Senado Federal, ouve-se ainda nos corredores do Congresso Nacional ameaças de que alguns dispositivos da malfadada MPV905 venham a ser reeditados ou inseridos em outras medidas provisórias. O que enseja preocupação e merece a atenção daqueles que ainda prezam pelo Estado Social preconizado pela Constituição de 1988.

Mas o ano de 2020 nos reservaria ainda mais. O mundo é abatido por uma nova doença, uma pandemia, algo sem precedente nos últimos cem anos, que a todos impõe o isolamento ou distanciamento social, com direto impacto nas atividades econômicas, em todos os seus segmentos e espectros.

Agora sim presentes, os requisitos da relevância e urgência impunham ao Poder Executivo a criação de instrumentos de proteção da atividade econômica e do emprego. O até então preconizado “Estado Mínimo” foi abandonado, para dar lugar ao “Estado Máximo” e necessariamente interventor. Que venham as medidas provisórias de crise.

Na essência, contudo, as chamadas medidas de enfrentamento de crise transferiram a maior parte do problema para empregados e empregadores.

E como todas as medidas de urgência, as Medidas Provisórias nº 927 e 936, elaboradas como resposta governamental à crise instalada pela pandemia e estado de calamidade pública decretado, tais normas apresentam problemas redacionais, e, sobretudo, jurídicos, sendo eivadas de manifestas inconstitucionalidades.

Ainda não convertidas em lei pelo Parlamento, as MPVs 927 e 936 já foram objeto de inúmeras ações diretas de inconstitucionalidade. E, a despeito de regularem apenas alguns poucos temas, as duas juntas contam com quase 2.000 emendas.

Note-se que tudo o que previram as MPVs 927 e 936 já era passível de negociação coletiva, exceto nos pontos em que o Estado é chamado a contribuir, seja como o pagamento de benefícios, seja com renúncia fiscal.

Mas, outra vez, contrariando o postulado de não-retrocesso social, tais medidas na verdade alijaram os Sindicatos de suas funções primordiais, relegando para a negociação individual questões relevantíssimas, tais como a redução da jornada com a redução dos salários e a suspensão temporária dos contratos de trabalho.

A MPV 927 chega a trazer, em um dos seus dispositivos, a possibilidade de negociações individuais entre empregados e empregadores preponderarem sobre instrumentos normativos, legais e negociais. E a suspender exigências administrativas em relação à segurança e saúde no trabalho !

Já a MPV936, que criou o chamado benefício emergencial de preservação da renda e do emprego, na verdade excluiu da negociação coletiva, para redução de jornada e salários e para a suspensão dos contratos, trabalhadores com salários inferiores a 3 salários mínimos. Não seria justamente essa categoria de empregados mais vulnerável e que mais necessita de assistência sindical ?

E o que dizer da ausência da negociação coletiva para redução e jornada e suspensão dos contratos dos trabalhadores com salários superiores a doze mil reais? Os chamados hipersuficientes estão alijados das garantias constitucionais do artigo 7º ou do princípio constitucional da igualdade ?

Do ponto de vista estritamente jurídico, nos parece inegável que a MPV936 afronta direta e literalmente o artigo 7º, VI, da CF. O que o Ministro Lewandowski procurou corrigir, com a concessão de medida liminar, para dar interpretação conforme e exigir o acionamento do Sindicato para participar da negociação. Medida essa que, lamentavelmente, não foi referendada pelo Plenário do Excelso Pretório.

É anódino o argumento de que a MPV936 pressupõe uma situação de emergência. Pois estaria o artigo 7º, VI, da CF estabelecendo a possibilidade de redução salarial, se não fosse em uma situação de emergência ?

A despeito dos respeitáveis entendimentos em contrário, nos parece evidente a inconstitucionalidade da MPV936, sob esse aspecto.

Assim, e a despeito de instituir um Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, a MPV936 deixa mesmo a cargo de empregadores e empregados os maiores ônus na administração da crise, o que, ao fim e ao cabo, culmina por refletir negativamente na manutenção do emprego, na atividade econômica, na geração de renda e nos números da economia nacional.

E paradoxalmente, os Sindicatos e a Justiça do Trabalho, vítimas de seguidos ataques nos últimos anos, agora se mostram indispensáveis na luta pela preservação da atividade econômica, do emprego e dos direitos sociais, e na pacificação dos litígios entre o capital e o trabalho.

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