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A opção pela decadência

Uma das primeiras medidas do primeiro governo Lula foi a criação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. O “Conselhão” era integrado pela nossa mais fina e representativa burguesia e representava uma nova tentativa de transformação econômica e social do país, incorporando sua classe trabalhadora. Esta aliança política entre classes contraditórias pretendia dar continuidade à pacífica revolução burguesa iniciada, setenta anos antes, pela Era Vargas. A busca por um capitalismo de massas reaparecia no século XXI.

Diferentemente de alguns países europeus e dos Estados Unidos, onde a constituição da hegemonia pela nascente burguesia industrial ocorreu via revoluções ou guerra civil – com a participação da população, seja, no menos, para servir o exército, seja, no mais, para constituir um efetivo estado nacional – em terras brasileiras o processo foi distinto. Não tivemos revoluções, guerra civil, nem destruímos alguma classe sem lhe dar a opção de acordo entre vencedores e vencidos. Ao contrário, mesmo no conflito de 1932, quando os paulistas rebelam-se contra Vargas, o acordo político entre elites vencedora e vencida é costurado de forma a manter alijada a população que tinha sido chamada à luta. Esse alijamento contínuo do povo brasileiro é a razão principal da inexistência de um capitalismo de massas no país, que fosse capaz que levar a classe trabalhadora a se ver como ator político e, por isso, legítima detentora de direitos.

Um capitalismo que exclui a maior parte de sua população forja uma burguesia medíocre, que parece não ter noção da grandiosidade do país: uma das maiores áreas agricultáveis do planeta, a maior reserva de água doce do mundo, imensas áreas de minérios e metais, reservas inigualáveis de petróleo e, o mais importante, um povo criativo e empreendedor. Ao invés de sermos um dos mais importantes países do mundo, somos exatamente o campeão da desigualdade universal, obtida em décadas de repressão, humilhação, e autoritarismo. O que é preciso registrar é que se é extremamente difícil transformar um país pequeno e sem recursos naturais em um país próspero, talvez seja ainda mais difícil manter em decadência um país com tantas riquezas como o Brasil. Mas a burguesia brasileira impõe a decadência ao povo e ao destino do país. Ao longo das décadas nos convenceram da nossa inferioridade – a tal síndrome do vira-latas tão mencionada pelo ex-Presidente Lula – e optou por não incorporar sua população mediante um capitalismo de massas, mesmo que fosse necessário romper com a legalidade vigente através de golpes de estado. Foi assim com Vargas, em 1954, com Goulart, em 1964 ou com Dilma, em 2016.

Com exceção de 1954, quando o suicídio de Vargas impediu a implantação do estado de exceção, a opção pelo autoritarismo ou pelo fascismo sempre foi a alternativa escolhida pela burguesia vitoriosa, o que a torna sui generis. Afinal, o fascismo europeu nos anos 20 do século passado, que teve sua origem na Itália e posteriormente floresce na Alemanha, encontra sua justificativa na profunda crise econômica europeia e no medo do comunismo implantado pela Revolução Russa de 1917. A crise econômica advinda da 1ª Guerra Mundial, a frustração por não ter participado, como os países centrais europeus, do botim dos vitoriosos e o medo da Revolução Russa de 1917 levam a Itália a optar por Mussolini em 1922. De forma semelhante, mas no contexto de uma outra crise econômica (1929), Hitler chega ao poder em 1933. Em ambas as situações a crise econômica levara quase 20% da população desses países ao desemprego, à fome e ao duro convívio com a hiperinflação. O capitalismo, portanto, estava em crise profunda e a Revolução Russa de 1917 acenava com uma alternativa.

Tudo isso é muito diferente do contexto político, econômico e social do nosso país nas duas primeiras décadas do século XXI, oitenta anos depois daqueles eventos europeus. Nos governos petistas, a econômica brasileira não só crescia como incorporava perto de 30 milhões de pessoas ao consumo básico; uma das maiores reservas mundiais de petróleo acabava de ser descoberta; o desemprego oscilava entre 4% e 5% da população ativa, o que se considera como pleno emprego; a renda crescia acima de uma inflação controlada – o monstro que desintegrou a moeda europeia no passado – e o país caminhava para ser a 5ª economia do mundo.

No entanto, a burguesia brasileira durante o governo Dilma, aproveitando-se da crise econômica universal de 2007-2008 que acabara de chegar ao Brasil, opta mais uma vez pelo autoritarismo e apoia o golpe parlamentar de 2016. É um caso inédito no mundo: uma burguesia que impõe um autoritarismo que beira o fascismo, quando o país está em pleno desenvolvimento econômico, sem nenhuma ameaça externa e prefere caminhar para a decadência social, política e econômica. Esta é a principal diferença entre o fascismo tradicional europeu do século passado e o autoritarismo imposto pós-2016. Enquanto na Europa do século passado o fascismo foi utilizado pela burguesia como manipulação contra a crise econômica real, a burguesia brasileira utiliza o autoritarismo para jogar o país no atraso. A opção pela decadência tem sua origem no racismo. Transformar um país em um capitalismo de massas necessariamente implica em compartilhar direitos e poder com a maioria do povo brasileiro, que é negra. Uma frase resume o comportamento da nossa burguesia: ela não perde a oportunidade de perder uma oportunidade. Lamentavelmente.

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