Por Erick Araujo da Silva, Christine Magri Garabosky e Gustavo Oliveira Queiroz
*contribuição do Centro Acadêmico XI de Agosto ao debate sobre o retorno de Janaína Paschoal às salas de aula
Não é a consciência dos professores da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo que determina o espírito das Arcadas, mas, ao contrário, é a função que o Largo de São Francisco tem em nossa sociedade que determina a consciência de cada um deles sobre a instituição. Com esse ponto de partida, a tarefa de medir o que cabe e o que não cabe nas Arcadas; quem cabe e quem não cabe em nossa instituição; bem como o mais importante: quem ficou para dentro e quem ficou para fora dos seus limites, nos quase 200 anos de história da instituição, será facilitada.
O Centro Acadêmico XI de Agosto, neste artigo, busca responder essas perguntas dentro do contexto da discussão gerada pela nossa crítica ao retorno de Centro Acadêmico XI de Agosto às atividades de docência após o término do seu mandato político. O professor Floriano de Azevedo Marques Neto, em resposta a nossa nota de posicionamento contrário ao retorno de Janaína Paschoal à USP, defende que as nossas críticas à deputada atingem “as liberdades constitucionais” e desrespeitam a “história de pluralidade” da instituição de ensino jurídico.
Antes de prosseguirmos cabe um breve prefácio: Floriano de Azevedo, como diretor da Faculdade de Direito da USP, honrou o espírito de ex-diretor do XI de Agosto e contribuiu, em apoio a uma nova geração de estudantes negros e pobres, na construção de um capítulo mais decoroso na história da instituição. Projetou, ao seu modo, iniciativas de permanência estudantil que adaptaram a Faculdade a um novo contexto e, dentro dos seus limites ideológicos, defendeu a USP frente aos ataques advindos de um contexto político marcado pela força da extrema-direita. No entanto, o ex-diretor, a qual temos muito apreço, agora erra ao se colocar em defesa de quem, caso tivesse ocupado a sua posição, teria feito tudo de forma diferente.
Neste debate sobre o retorno de Janaína Paschoal à USP, a primeira tarefa é demolir o mito da “tradição plural das Arcadas”. A São Francisco, bem como toda a USP, tem mais a ver com o que ela de fato é e menos sobre como seus docentes a tentam definir. A Faculdade de Direito da USP, portanto, não é marcada pela pluralidade, mas sim pela exclusão, a começar pelo perfil histórico do seu corpo discente e docente, que foi por séculos e continua composto por uma classe social com conta-bancária e cor-de-pele definidas.
É representativo disso o impedimento de Luiz Gama, líder abolicionista no período imperial, em frequentar as salas de aula do Largo de São Francisco. Historicamente, não foram os professores de direita os impedidos de lecionar na instituição. Pelo contrário, são os professores de esquerda, sobretudo os intelectualmente mais radicais, os impedidos de vestir as tradicionais becas destinadas aos docentes da instituição.
Sejam aqueles diretamente perseguidos pela direita, como o professor Alberto Moniz da Rocha Barros, agredido por estudantes franciscanos membros do Comando de Caça aos Comunistas (CCC), bem como o professor Emérito, Dalmo de Abreu Dallari, perseguido dentro e fora da São Francisco pelos professores apoiadores da Ditadura. Ou mesmo aqueles que, pelo seu caráter radical, sofrem censura prévia nos concursos destinados à seleção de docentes, como nos ilustra o exemplo de Caio Prado Júnior.
Apontar o texto do XI de Agosto como um instrumento de censura é negar que, na realidade concreta, são os docentes como Janaína Paschoal que, ao longo de toda a história, de fato aplicaram práticas de perseguição frente aos professores progressistas. Tampouco vale a formulação de uma suposta equivalência entre os dois lados políticos polarizados, a partir da qual ambas as facções são iguais e devem ser imprescindivelmente protegidas. Fazer isso é ignorar as interfaces políticas e econômicas que moldam o direito e errar acreditando na inversão desse fenômeno.
É evidente que Janaína Paschoal, juridicamente, possui o direito de retomar as atividades docentes. Todavia, isso não a torna imune do questionamento legítimo por parte dos estudantes sobre os seus atos políticos. A responsabilização sobre aquilo que os professores dizem e fazem deve ocorrer, seja nas instâncias internas da universidade ou no debate político. Janaína, na USP ou na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo), deve ser questionada. A Faculdade não está a serviço da sua carreira, ela é quem deve estar a serviço da universidade.
A própria gestão do professor Floriano na Diretoria da FDUSP nos dá um bom exemplo: após o ex-docente Eduardo Lobo Botelho Gualazzi distribuir um texto em sala de aula no qual reiterava a defesa da ditadura militar, tecia ofensas de classe e contra casais de pessoas do mesmo sexo, a adeptos de religiões afro-brasileiras e aos movimentos de esquerda, a então Diretoria procedeu com o imediato afastamento do docente das salas de aula. Na época, foi o professor Floriano quem o substituiu em sala e ministrou a disciplina em seu lugar. É exatamente isso que o XI de Agosto deseja: a substituição de fascistas por democratas.
Não podemos confundir defesa democrática com o corporativismo docente. Na Faculdade de Direito da USP, infelizmente, isso recorrentemente acontece. Do ponto de vista de muitos daqueles que defendem a liberdade de expressão irrestrita, há espaço para professores como Amâncio de Carvalho, presidente honorário da Sociedade Eugênica de São Paulo e responsável por experimentos racistas na Faculdade, em homenagens no prédio da Faculdade de Direito.
O nosso ponto de vista é divergente: é preciso ser intolerante com os intolerantes. O falso vitimismo da extrema-direita deve ser desmascarado e os seus representantes julgados politicamente e juridicamente. Tanto os seus líderes absolutistas quanto aqueles representantes esclarecidos, como é o caso de Janaína Paschoal.
O único local no qual os professores Gama e Silva, Gualazzi, Alfredo Buzaid, Moacir Amaral Santos e Janaína Paschoal cabem é aquele reservado no panteão dos detratores da democracia no país. Nas Arcadas não devem caber todos os seus professores.
Artigo publicado originalmente no Consultor Jurídico.
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