A notícia da quebra do sigilo bancário e fiscal do escritório de Antonio Claudio Mariz de Oliveira, um dos mais respeitados e admirados advogados brasileiros, pode passar aos olhos do cidadão comum como mais uma daquelas a encher as páginas de portais e jornais. Porém, de ordinária, essa medida ordenada pelo juiz federal Vallisney de Oliveira, nada tem. Trata-se, na verdade, de mais uma gravíssima ofensa às prerrogativas da Advocacia e, por conseguinte, uma séria ameaça ao Estado Democrático de Direito.
Não sem razão, entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil, o Instituto dos Advogados de São Paulo, Instituto de Defesa do Direito de Defesa e o Instituto de Garantias Penais já se manifestaram de forma contundente em favor não apenas da pessoa de Mariz de Oliveira e da Advocacia, mas também da democracia — o bem comum e maior de todos nós. Afinal, quando se violam as garantias profissionais de um advogado, violam-se as garantias de ampla defesa de toda cidadã e todo cidadão que, a qualquer hora e por uma infinidade de razões, podem precisar exercer a sua defesa para se proteger.
Este episódio é mais uma prova inconteste de que estamos vivendo a era do abuso de poder acima da Constituição Federal. Basta que se façam algumas perguntas para se chegar à conclusão de que se tratou de uma determinação desnecessária e arbitrária. Qual o fundamento para esta quebra de sigilo, se as declarações de renda do escritório estão entregues e não podem ser alteradas unilateralmente? Por que o juiz não intimou o escritório a apresentar defesa sobre algo específico que lhe imputam? Enfim, qual a verdadeira intenção desta violência por parte do Poder Judiciário contra a advocacia?
É urgente que neste momento possamos fazer uma reflexão sobre o que esse fato representa e sobre o papel de cada agente do sistema de Justiça. Ao contrário do que muitas vezes transparece, pelo excesso de arbítrio a que vimos assistindo, o juiz está sob o jugo da Constituição e das leis, e não o contrário. Por esta razão, e pelo juramento que empenhou de respeitá-las, tem a obrigação de prestigiar a ampla defesa, o contraditório, a presunção de inocência e todos os demais princípios estabelecidos nas normas jurídicas, sob pena de sofrer as consequências por desvios praticados.
Quando um juiz descumpre o dever de respeitar as previsões legais, não chamando ao processo ou à investigação uma parte para que possa se defender de acusação específica feita contra ela, violando os seus direitos e garantias, ele está quebrando todo o pacto social de um povo, consumado na Constituição. Será que o mesmo juiz que determinou a quebra do sigilo do escritório de Mariz de Oliveira admitiria que um servidor da Receita Federal quebrasse o seu sigilo fiscal, sem antes lhe intimar para oferecer explicações?
Como se mostra evidente, essa quebra de sigilo foi abusiva e deve ser punida com rigor. Confundir o exercício da advocacia com a figura de seus clientes é o maior equívoco que o sistema de Justiça e a opinião pública podem cometer, visto que o advogado defende o direito que a cidadã ou o cidadão têm de se defender perante o descomunal e nem sempre justo, poder estatal. No entanto, sem a segurança de que o sigilo profissional e tudo que diz respeito à relação advogado-cliente serão devidamente resguardados, tal como garantido pela Constituição, a atividade do advogado resta absolutamente impedida de ser exercida em sua plenitude.
Inviabilizar a advocacia atacando as suas prerrogativas é, sem dúvida nenhuma, a forma mais eficaz de impedir o direito de defesa, princípio fundamental do Estado Democrático Direito. Democracia é muito mais que apenas alternância no poder. A redemocratização em nosso país não foi conquistada para admitir abusos de autoridade; pelo contrário, ela foi reconquistada arduamente para acabar com os abusos. Ou combatemos e freamos esses excessos inaceitáveis, ou voltaremos aos dias em que a força de alguns poucos humanos valiam mais que a constituição e as leis do povo.
Artigo publicado originalmente no Consultor Jurídico.
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