Artista completa cinco décadas de carreira com turnê pelo país, inúmeras homenagens e um samba-enredo da Mangueira
Esta coluna é especial para homenagear uma mulher que marca a história da música.
A grande Alcione Dias Nazareth, a amada Marrom, completa cinco décadas de carreira em clima de festa, fazendo turnê pelo país e recebendo inúmeras homenagens, como o samba-enredo da Estação Primeira de Mangueira, minha escola de coração, que levará as cores verde, rosa e marrom no desfile de 2024 da festa mais famosa do mundo.
Assinado pelos carnavalescos Guilherme Estevão e Annik Salmon, o enredo “A Negra Voz do Amanhã” promete muitas emoções. O concurso para escolha do samba será neste final de semana na quadra da escola, e as torcidas estão preparadas. Seja qual for o escolhido, a verdade é que a Estação Primeira vai à Sapucaí para festejá-la do jeito que merece, tanto em relação à sua grandeza na cultura nacional como pelo trabalho na comunidade.
Vale dizer que Marrom já foi tema de enredo de escolas de samba, como o inesquecível “A Voz Marrom que Não Deixa o Samba Morrer”, da Mocidade Alegre, vice-campeã do Carnaval paulista de 2018. Mas o samba-enredo pela Mangueira tem um sabor especial, pois Alcione é fundadora da escola de samba mirim da escola, conhecida como Mangueira do Amanhã, da qual é presidente de honra e há muitos anos sai junto com a agremiação pela Marquês de Sapucaí.
O sucesso no Rio de Janeiro honra a maranhense —e carioca de coração—, que encontrou na cidade maravilhosa um lugar perfeito para sua carreira decolar. Foi no Rio que a Marrom protagonizou feitos memoráveis para a música, como a fundação do Clube do Samba, junto de uma elite musical composta por João Nogueira, Clara Nunes, Martinho da Vila, Dona Ivone Lara e outros cânones responsáveis por clássicos desse país.
Foi onde também se apresentou para uma multidão no Rock in Rio de 2015 e de 2017 e onde montou o Bar Alcione, A Casa da Marrom, na Barra da Tijuca, um lugar especial onde por vezes a própria faz uma “canja”, encantando o público que, com ela, enfrentou dores e prazeres do amor.
Alcione é uma mulher negra que, ao longo de tantos anos, inspirou todas nós e emocionou um país inteiro. Recebeu 26 discos de ouro e outros tantos de platina. Seus sucessos como “Não Deixa o Samba Morrer” —hit de seu álbum de estreia—, “Gostoso Veneno” e “Meu Ébano” seguem embalando gerações no seu suingue único e sua voz marcante que transcendeu fronteiras.
Lembro que ano passado estava na França para a turnê de lançamento de livros e peguei um táxi em Paris para ir jantar com amigos. A taxista era uma mulher do Mali e abriu um sorriso quando percebeu que eu era brasileira. Ela estava ouvindo “A Loba”, quando entrei no carro.
“Sou de me entregar/ de corpo e alma na paixão/ mas não tente nunca/ enganar meu coração/ amor pra mim/ só vale assim/ sem precisar pedir perdão/ adoro sua mão atrevida/ seu toque, seu simples olhar/ já me deixa despida/ mas saiba que eu não sou boba/ debaixo da pele de gata/ eu escondo uma loba.” Um clássico!
Aquela taxista sabia das coisas. Alcione é uma das artistas brasileiras mais premiadas internacionalmente, colecionando láureas nos Estados Unidos, na Europa, na África, sendo considerada pela ONU como a voz da América Latina. Foi a “madrinha” de muitos talentos e conviveu nos palcos com figuras imensas da nossa cultura, como o inesquecível Emílio Santiago.
Sem dúvida nenhuma, o protagonismo dessa mulher negra nordestina influenciou direta e indiretamente a cultura brasileira, valorizando nosso lugar no mundo. Alcione foi responsável por possibilitar outras formas de existências ao ser uma figura pública em um país que demorou demais para valorizar a importância das mulheres negras. Era muito bom ligar a televisão num momento em que mulheres loiras dominavam o cenário e vê-la falando de sua turnê na Rússia para Hebe Camargo de forma irreverente e orgulhosa.
Trilha sonora de muitos amores, sambas e festas de família, ela foi a rainha das comemorações nos quintais de minha casa. Alcione foi e é uma cantora popular que arrebatou os nossos corações e nos possibilitou nos enxergar belas e talentosas no espelho.
Que alegria podermos homenageá-la em vida e, ainda, contar com seu talento apaixonando as novas gerações.
Nesses 50 anos de carreira, só gostaria de dizer muito obrigada, Alcione.
Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo.
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