Por Djamila Ribeiro
Definitivamente não é fácil a vida de meninas neste país
Indignada, terminei de ler uma reportagem da Folha do último domingo (5): com decretações via rede social, assassinato de meninas dispara no Ceará. Ela fala da escalada no número de assassinatos de meninas adolescentes no estado como resultado da disputa pela posse delas por organizações criminosas atuantes na região.
Segundo aponta o texto, que traz a história do assassinato brutal de duas jovens, não se pode ter amigo em território dominado por outra organização nem se negar a “fazer um corre”. Conta, inclusive, que pintar o cabelo de vermelho, cor relacionada a uma das organizações, já seria motivo para uma decretação de morte. Consultado pela reportagem, Luiz Fábio Paiva, professor do Laboratório de Estudos da Violência na Universidade Federal do Ceará, bem observou que “um menino não morreria pela mesma situação. Há um controle moral dessa menina”.
É uma realidade brutal. Da infância à velhice, a “guerra às drogas”, que na verdade se trata de “guerra à população negra”, vem produzindo consequências devastadoras na vida de meninas e mulheres em áreas vulneráveis. Segundo o Infopen Mulheres, entre 2006 e 2014 houve um aumento de 567,4% da população carcerária feminina, das quais 50% têm entre 18 e 29 anos e 67% são negras, realimentando um ciclo de exclusão e miséria que atinge direta e indiretamente milhões de pessoas.
A ordem patriarcal ainda põe o país na quarta posição no índice de casamento infantil, com 2,9 milhões de uniões precoces, segundo dados da Unicef.
A larga desvantagem material aliada à estrutura machista e à falta de políticas públicas faz com que seja naturalizado e imposto o casamento de meninas com homens mais velhos, em um ciclo de perpetuação da desigualdade de gênero e de raça pela gravidez precoce, o abandono escolar e os demais prejuízos na vida social dessas jovens.
É um colapso na sociedade brasileira. A criação de um destino horrível para essas meninas também é consequência de omissão e ilegalidade do Estado. Em um cenário nada favorável no âmbito federal, não há muito o que se esperar. É incrível. Parece que pautas que discorram sobre a vida e desafios das meninas brasileiras não existem fora das lutas e espaços feministas.
É uma arquitetura de genocídio e exclusão contra meninas, jovens e mulheres vulneráveis nesse país. Um escárnio, uma vergonha, um escândalo.
Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo.
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