Por Camila Alvarenga
Para a responsável pela campanha, o partido está fazendo um giro ao território e a solidariedade contra a fome faz parte da retomada de contato com o povo
No programa 20MINUTOS ENTREVISTA desta segunda-feira (17/05), o jornalista Breno Altman entrevistou com Camila Moreno, integrante da executiva nacional do Partido dos Trabalhadores e responsável pela campanha de solidariedade da legenda às vítimas da fome.
Segundo Moreno, o projeto de ajuda começou a ser discutido há alguns meses. A ideia era transformar os diretórios em espaços de coletas de alimentos “e colocar o instrumento gigantesco que é o PT a serviço da solidariedade”.
Atualmente, mais de 500 diretórios municipais e regionais servem como espaços de coleta e organização de redes de distribuição de alimentos uma vez ao mês. De acordo com Moreno, o projeto funcionará de maneira ininterrupta e permanente “enquanto houver fome no Brasil, enquanto não tivermos políticas estruturadas de combate à fome”.
“Sabemos que ações de solidariedade não resolvem o problema. Defendemos a criação de políticas sociais efetivas, mas não podíamos assistir à situação que o povo está vivendo sem fazer nada”, defendeu.
Apesar do objetivo principal da campanha ser o combate à fome, Moreno apontou para seu forte componente de formação e politização da população.
“A solidariedade fortalece a luta política, fortalece a luta por auxílio emergencial, pela defesa do SUS e potencializa o debate junto ao povo e a nossa base social. Contribuiu com o nosso giro estratégico ao território. Estávamos com dificuldade de mobilização na pandemia e agora temos contato direto com a nossa base social”, argumentou.
A responsável pela campanha explicou que a politização é feita durante a entrega, quando se dialoga com a população diretamente. “Mas não há nenhuma distribuição de panfletos do PT, queríamos ter o cuidado de não parecer que estávamos sendo oportunistas porque nossa ação é o enfrentamento da fome, as pessoas estão passando fome”, reforçou.
Por isso, os debates são pensados e organizados localmente: “Lembro da doação no Kilombo Manzo [em Belo Horizonte] que falamos sobre as políticas de combate ao racismo, falamos sobre a lei que garante o ensino quilombola nas escolas, sobre o reconhecimento das políticas do PT. Então cada lugar tem seu debate, seu processo de diálogo”, exemplificou Moreno.
Para ela, é muito positiva essa reaproximação com a população e o fortalecimento do trabalho de base para além do período eleitoral, pois “tem a ver com a nossa existência, somos um partido do povo trabalhador para o povo trabalhador”.
Nesse sentido, a solidariedade ajuda inclusive a disputar o setor da população que ainda nutre o sentimento antipetista, como ponderou Moreno: “Vemos as fotos e os vídeos mostrados na mídia que servem para apontar o que está acontecendo e o que a gente se preocupa. Precisamos apostar nessa comunicação para enfrentar tudo o que o governo Bolsonaro representa e disputar o nosso povo”.
Outras mobilizações
Vendo a situação na Colômbia, ou mesmo as manifestações que ocorreram nos Estados Unidos durante o governo Trump que contribuíram para sua derrota nas urnas, vários setores da esquerda estão reivindicando a retomada das ruas. Para Moreno, “cada conjuntura é uma”.
“O enfrentamento a esse governo negacionista trouxe a defesa do discurso do distanciamento social. Na Colômbia, o governo não é negacionista. As mobilizações que temos feito de estar nas periferias e das carreatas têm uma dimensão importante, mas está se debatendo a necessidade de ir além”, refletiu, concordando com a necessidade de começar a ir às ruas, “com todos os cuidados, para fazer um enfrentamento mais forte”.
Isso não significa, contudo, que ela avalia como equivocada as decisões anteriores da esquerda de promover o isolamento e o distanciamento social: “a gente tinha que defender o direito à vida, não podíamos orientar as pessoas a sair às ruas e pegar covid”.
Atualmente, porém, Moreno afirmou que já é quase consenso no PT a necessidade do enfrentamento presencial.
‘Elegibilidade de Lula renovou o sentimento de esperança’
“A elegibilidade de Lula acelerou a luta política no país. Na Frente Fora Bolsonaro, fazíamos ações com carros de som indo falar com as pessoas e recebíamos muitas reações contrárias ao nosso trabalho, era até duro de encarar às vezes. Hoje, talvez pela realidade que estamos vivendo de desemprego, fome e miséria, existe já um sentimento de esperança renovada, de que o Lula voltou, de que outros tempos estão vindo”, confessou Moreno.
Ela não falou em campanhas eleitorais, mas defendeu a necessidade de uma frente de esquerda para derrotar Bolsonaro em 2022 e mesmo antes, quando manifestações forem finalmente convocadas.
“As lutas contra Bolsonaro podem ser amplas, mas a nossa luta precisa ter a dimensão de que ele é sustentado pelo capital financeiro, está colocado a serviço da elite. Precisamos conversar com a população para que vejam que ele representa a elite. Não adianta estar com esses setores que financiaram o Bolsonaro na luta”, ressaltou.
Por isso, ela vê como mais vantajosa uma aliança de esquerdas, que não exigem que o PT sacrifique seu programa, “de acabar com o teto de gastos, reconstruir a Petrobrás, fazer as reformas estruturais necessárias, de enfrentamento aos interesses da elite e questionando o mercado financeiro”. O que não significa, contudo, que Moreno descarte alianças pontuais.
“E acho que o Lula compreendeu isso muito bem. Quando ele prioriza falar em entrevistas sobre o que de fato representa o mercado financeiro, a importância da Petrobrás, o teto de gastos, dizendo que ele saiu da prisão com muito menos ilusões com a elite e que não fará concessões ao mercado”, reforçou.
Entrevista publicada originalmente na Opera Mundi.
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