É notório que o direito à educação nunca foi realidade para todas as crianças e adolescentes no Brasil. Contudo, a pandemia de COVID-19 tem agravado ainda mais um cenário já bastante comprometido, causando impactos irreversíveis à educação no Brasil, onde a maioria das escolas não conta com o suporte necessário para o oferecimento do ensino remoto ou a distância. No que diz respeito às meninas negras, a pesquisa “A educação de meninas negras em tempos de pandemia: o aprofundamento das desigualdades”, realizada por Geledés Instituto da Mulher Negra no município de São Paulo, revela que elas são as mais atingidas pelas desigualdades educacionais.
Os impactos da pandemia na trajetória educacional das estudantes negras evidenciam que o encontro das opressões de gênero e raça determinam lugares e possibilidades distintas na vida em sociedade, limitam sua trajetória escolar e impactam negativamente suas perspectivas de futuro. Ao falarmos de crianças e adolescentes negros, estamos abordando sujeitos que enfrentam privações ainda mais densas no acesso à alimentação adequada, à moradia segura, à permanência na escola, dentre outras violações de direitos que assolam suas vidas.
Destacar a situação das meninas negras não é ignorar as violações que atingem as demais parcelas vulneráveis da sociedade brasileira, mas sim reconhecer que são elas as maiores vítimas do trabalho infantil doméstico, da exploração sexual infantil, da gravidez na adolescência, do casamento infantil, todas estas violações que se agravaram durante a pandemia.
Este cenário indica que quando todas as crianças estiverem preparadas para voltar à escola pós pandemia, as meninas negras não estarão lá, ou estarão em números ainda menores. Por isso, as entidades que subscrevem a presente “Carta-compromisso pelo direito à educação das meninas negras” reconhecem a necessidade de olhar para a situação deste grupo específico a partir das suas especificidades e subjetividades, para que nenhuma menina negra fique ainda mais para trás nesta sociedade, já tão desigual onde as crianças e adolescentes negras são as últimas da fila depois de ninguém.
A pesquisa também revelou um efeito dominó causado pela pandemia: a ausência de um tipo de serviço na vida das pessoas ocasiona diversas outros tipos de violações, demonstrando que os direitos fundamentais são indivisíveis e interdependentes até mesmo na ausência – não é apenas na garantia dos direitos que eles se somam, mas a ausência de um dos direitos subtrai inclusive aquilo que estiver funcionando. Neste sentido, a criança sem acesso à escola está menos visível e mais vulnerável às situações de violência, têm menos refeições por dia a depender das condições de sua família e seus direitos de aprendizagem estão sendo violados.
As meninas negras, como grupo mais vulnerável, ao tomar medidas específicas para proteger seus direitos, em especial à educação, todas as outras crianças também serão protegidas, contudo, o contrário não garante a proteção de seus direitos. Desta forma, são urgentes as seguintes ações para a garantia e efetivação do direito à educação das meninas negras, e consequentemente de todas as crianças:
1. Políticas de redistribuição de renda que garantam condições financeiras e segurança para que as famílias em contexto de vulnerabilidade possam cumprir o período de isolamento social;
2. Acompanhamento e orientação das famílias para a realização das atividades escolares e garantia de outros direitos durante o período de isolamento social;
3. Disponibilizar equipamentos e o acesso universal à Internet gratuito para estudantes da educação básica e profissionais da educação durante o período de ensino remoto;
4. Busca ativa de estudantes que evadiram durante o período do ensino remoto, com recorte de raça, gênero e deficiência, com a realização de pesquisa sobre as condições para o cumprimento das atividades escolares e elaboração de políticas públicas para a permanência desses grupos nas escolas;
5. Criação de políticas e programas de ações afirmativas na educação voltados aos estudantes negros e às meninas negras, com metas de equalização para a redução das desigualdades educacionais;
6. Formação de profissionais da educação em raça e gênero;
7. Implementação de propostas pedagógicas que contemplem raça e gênero;
8. Monitoramento das condições de vida das crianças e adolescentes nos territórios mais vulneráveis, e acompanhamento da aprendizagem.
A reivindicação por medidas específicas está referendada no conjunto de normativas nacionais, além de convenções internacionais das quais o Brasil é signatário, que garantem e reafirmam o princípio da igualdade, da equidade, do enfrentamento das desigualdades, e a promoção e valorização da diversidade.
A educação somente se consagrará como um direito humano quando não for uma instância constitutiva das hierarquias e de reprodução das desigualdades. E, para tanto, se faz necessário o efetivo compromisso político da sociedade civil e dos diversos órgãos e instâncias governamentais com as especificidades da parcela mais vulnerável: as meninas negras.
Para subscrever a Carta-compromisso – clique aqui
Assinaram a Carta-Compromisso
4daddy |
ABONG – Associação Brasileira de ONGs |
Ação Educativa |
ACEASPP – Associacao Cultural E Educacional Dos Amigos Do Sitio Do Pica Pau Amarelo |
AMATER – Cooperativa de Trabalho Assessoria Tecnica, Extensão Rural e Meio Ambiente |
ANIS- Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero |
Articuladas – Mulheres no Enfrentamento à Violência Institucional |
ASCONQ – Associação de Consciência Negra Quilombo |
Associação Apadrinhe um Sorriso |
Associação Cidade Escola Aprendiz |
CCLF – Centro de Cultura Luiz Freire |
CENPEC – Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária |
Centro Cultural Humaita – Centro de Estudo e Pesquisa da Arte e Cultura Afrobrasileira |
Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social |
CLADEM Brasil |
Coletivo Afro RGS |
Coletivo Agbara |
Coletivo Minas da Baixada |
Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial de Lagoa Dourada |
Conselho Municipsl de Promoção da Igualdade Racial de Uberaba |
Criola |
Editora Malê |
Evangélicas Pela Igualdade de Gênero |
FEDER-SP – Fórum de Educação e Diversidade Étnico-racial do estado de São Paulo |
FemiJuris |
Fórum Grita Baixada |
GLUKE – Soluções em bem-estar e autoconhecimento |
GPAfro |
IDDH – Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos |
Indômitas Coletiva Feminista |
Instituto Avisa Lá Formação Continuada de Educadores |
Instituto Cidades Sustentáveis |
Instituto de Mulheres Negras Luiza Mahin |
Instituto Mulheres de Favela em Re Ação |
Instituto Pipa a Voar |
INTECAB-SP Instituto Nacional da Tradição e Cultura Afro Brasileira |
IPB Tabuazeiro – Igreja Presbiteriana |
Kàwé/ Núcleo de Estudos Afro-Baianos Regionais |
MNU – Movimento Negro Unificado |
Movimento Negro Unas Heliópolis |
NEAB UFES – Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros |
NEAB-IEAF/UFPE – Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros |
Núcleo de Afro-baiano Regionais – Kàwé |
Observatório do Marajó |
ONG Mão Amiga |
PENESBI – Programa de Educação sobre Negros e Indígenas na Sociedade Brasileira – Faculdade de Educação – UFF |
Plan International Brasil |
Pretxs no Topo |
PUD-Psicanalistas Unidos pela Democracia |
Rede Conhecimento Social |
Rede de Mulheres Negras de Pernambuco |
Rede Goiana de Mulheres Negras/Goiás |
Rede Sapatà – Rede Nacional de Promoção e Controle Social da Saúde Cultura e Direitos das LesBIcas Negras |
REMA – Rede de Matriz Africana |
SBS/OPJ |
Secretaria de Combate ao Racismo de Juiz de Fora |
Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro |
Subverta |
Sustenidos Organização Social de Cultura |
Publicado originalmente no Geledes.
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