Por Jamil Chade
O ex-procurador suíço Stefan Lenz, que liderava as investigações contra a Petrobras e a Odebrecht na Suíça, sugeriu em carta de julho de 2016 para o procurador Orlando Martello, da Lava Jato, que a estatal brasileira o contratasse para ampliar a possibilidade de a empresa recuperar dinheiro desviado.
Lenz acenou com a proposta quando ainda ocupava o cargo no Ministério Público da Suíça e indicou que existiam investigações desconhecidas dos brasileiros que poderiam ser úteis.
A carta faz parte dos documentos obtidos pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a partir da liberação do STF (Supremo Tribunal Federal) —um trecho da mensagem foi incluída em uma comunicação da defesa do presidente ao STF, nesta semana. O documento teria sido salvo por Deltan Dallagnol, procurador que atuou como chefe da Operação Lava Jato.
“Eu nunca fui contratado pela Petrobras e nunca ajudei”, disse Lenz à coluna. “Não houve prática ilegal na troca de provas e informações entre mim e a equipe de Lava Jato.”
O processo não andou com o Brasil. Mas Lenz conseguiu fechar um acordo para colaborar com os procuradores peruanos, que também investigavam sua classe política e pagamentos por parte da Odebrecht.
O documento faz parte do primeiro lote de 1 terabyte de material apreendido na Operação Spoofing (investigação contra hackers que invadiram celulares dos procuradores da força-tarefa da Lava Jato), repassada recentemente à defesa de Lula pela Justiça.
Segundo os advogados Cristiano Zanin e Valeska Martins, essa informação não representava a totalidade da operação e seria necessário obter todos os sete terabytes de dados.
Para mostrar a importância do acesso à integra, os advogados apontaram na mensagem ao STF trechos do que já conseguiram identificar na primeira remessa de informações —como a carta escrita por Lenz.
Trata-se, na avaliação dos advogados, de mensagens que revelariam como procuradores brasileiros e suíços transmitiam informações sobre as investigações “fora dos canais oficiais e ao arrepio do que prevê o acordo entre os dois países”. Isso incluiria “supostas informações sobre os sistemas de Odebrecht que eram utilizadas nas diligências e até nas denúncias apresentadas”.
Lenz foi considerado dentro do MP suíço como o “cérebro” das investigações sobre o caso brasileiro. Nos dois anos em que liderou o inquérito, seu trabalho resultou em mais de mil contas bloqueadas com um valor total de US$ 1 bilhão, além de reunir dados sobre Eduardo Cunha, Nestor Cerveró, Henrique Alves, dirigentes de empresas, operadores e doleiros.
Em outubro de 2016, ele rompeu com a cúpula do MP da Suíça e abriu uma crise dentro da procuradoria do país europeu. Numa carta, ele criticou abertamente a maneira pela qual o MP lidou com os procuradores, sem garantir nem reconhecimento, salários adequados ou recursos para realizar o trabalho.
Transição já tinha sido comunicada de forma confidencial para Lava Jato
A carta mostra que o procurador já falava abertamente sobre a possibilidade de sair do MP suíço antes mesmo de a ruptura ocorrer. Para ele, a alternativa seria voltar a ser um advogado —disse que se dedicaria a estar do mesmo lado dos procuradores e defendendo as vítimas: “Por exemplo, a Petrobras e/ou as autoridades brasileiras”.
“Como você sabe, existem muitas investigações ocorrendo e existem muitas e importantes evidências na Suíça com uma relação direta aos casos de vocês [Lava Jato] e a Petrobras, em específico”, diz.
“Alguns vocês conhecem. Uma parcela ainda grande vocês não sabem”, diz na carta. Lenz afirma que tentou instalar uma equipe conjunta de investigação, o que daria aos brasileiros acesso direto à informação. “Mas parece que, por motivos políticos, isso não será possível.”
Ele, então, oferece outros caminhos. “Existem outras formas de ter informação do que e quem está sendo investigado na Suíça”, escreve.
Segundo Lenz, na mesma carta, um dos caminhos para as vítimas seria tornar parte da queixa, o que daria acesso aos processos. Para o suíço, existiria ainda a possibilidade de que a Petrobras ou mesmo as autoridades brasileiras entrassem com processos contra as instituições financeiras do país europeu.
Para a reportagem, Lenz afirmou que “não se lembra de ter enviado uma carta a Orlando Martello”.
Contratação pela Petrobras como opção
O então procurador, nesta mesma carta, passa a focar na situação específica da Petrobras. “Ouvi que a Petrobras vai ajudar as autoridades brasileiras no caso de [Eduardo] Cunha. Eles deveriam fazer o mesmo em todos os casos nas investigações suíças que eles foram vítimas de pagamentos criminosos”, disse. Para ele, portanto, fazer parte dos processos na Suíça daria à empresa “uma enorme vantagem”.
Ele diz que isso exigiria uma “assistência de um advogado na Suíça, o que poderia ser fornecido por mim, quando eu –pelos motivos que expliquei– deixar meu trabalho como procurador”.
“Com o profundo conhecimento do assunto e especial nas investigações em curso, eu poderia liderar o lado brasileiro por meios dos procedimentos dos quais já tenho familiaridade.”
Entre os pedidos, Lenz sugere que Martello “tome a temperatura com os advogados da Petrobras” sobre o tema.
Lenz afirma que também mandaria a mesma mensagem para Deltan Dallagnol. Mas pediu que a informação fosse mantida “em absoluta confidencialidade”. Ele ainda deixou claro ao procurador que, se ele não se sentisse “confortável” em tratar do assunto, bastava que “esquecessem” de tudo que havia sido dito naquela mensagem.
Lava Jato: provas utilizadas foram transmitidas por canais oficiais
A reportagem informou o conteúdo das mensagens à Assessoria de Comunicação do Ministério Público Federal no Paraná. Mas a força-tarefa exigiu o documento obtido pela coluna.
Eis a resposta da Lava Jato:
“1. O repórter, distante das melhores práticas de jornalismo, não encaminhou as supostas mensagens em que se baseia a reportagem, o que prejudica o direito de resposta e a qualidade das informações a que o leitor tem acesso.
2. Registra-se que tais mensagens, obtidas de forma criminosa, foram descontextualizadas ou podem ter sido alteradas ao longo dos anos para produzir falsas acusações, que não correspondem à realidade. Nesse contexto, importante ressaltar que a perícia aplicou técnicas para se certificar de que os arquivos não seriam modificados a partir da realização da própria perícia (futuro) e da apreensão pela Polícia Federal, mas em momento algum atestou a inexistência de adulterações, fraudes ou edições do material pelos criminosos em momento anterior à perícia (passado).
3. De qualquer forma, para contribuir com a correta informação do leitor, esclarece-se que o ex-procurador suíço jamais foi contratado como advogado pela Petrobras ou pelo Ministério Público. A contratação de advogado pela Petrobras é da exclusiva avaliação e decisão da referida empresa, não tendo o MPF, absolutamente, qualquer ingerência neste assunto.
4. Como o jornalista não encaminhou as mensagens, fazem-se esclarecimentos mais amplos a respeito do assunto, informando que durante a Operação Lava-Jato houve troca de informações diretas nos moldes das normas e recomendações nacionais e internacionais. Seguiu-se o que é preconizado pelos manuais de boas práticas internacionais da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, pelo GAFI (Grupo de Ação Financeira Internacional), do Banco Mundial, do G20 e da AGU (Advocacia-Geral da União).
5. Seguindo ainda essas mesmas recomendações, todas as provas utilizadas nas investigações e processos brasileiros foram transmitidas pelos canais oficiais e franqueadas às respectivas defesas.”
Artigo publicado originalmente no UOL.
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