Por Carina Martins | Colaboração para Ecoa, em São Paulo
Na noite do primeiro dia de reabertura do comércio no Rio, uma foto mostrando trabalhadores abarrotados dentro do transporte público começou a correr pelas redes sociais do país. Na imagem, não há um pedaço de gente sequer em isolamento, ainda que as pessoas estivessem fazendo sua parte, obedientes numa adesão à máscara que, dadas as circunstâncias, mais parece sarcasmo. Com a legenda “o avião do trabalhador”, o registro foi publicado no Instagram, e rapidamente viralizou dentro dessa e de outras redes por seu potente registro da realidade.
Essa imagem foi feita por um dos trabalhadores abarrotados que retrata. O carioca Yan Marcelo, 25 anos, é fotógrafo há sete, formou-se professor de história há um, mas trabalha na expedição do delivery de uma hamburgueria do shopping Città América, na Barra da Tijuca. Ele mora em Rio das Pedras, favela encravada perto de Jacarepaguá, e voltava do trabalho no BRT sentido Alvorada, por volta das 22h45 da segunda (8), quando notou que a condução estava especialmente lotada.
“Estava com meu equipamento na mochila e achei que seria um registro legal, importante. Mas fiquei meio com medo de sacar a câmera ali dentro, tirar foto do povo”, contou Yan à reportagem às 2 da manhã desta quinta, horário em que chegou em casa do trabalho.
“Coloquei a câmera debaixo do pescoço, tossi pra cobrir o barulho do foco e fiz alguns registros”. Chegando à estação, ele viu com mais calma as fotos que tinha feito. Escolheu uma, aproveitou o wi-fi e publicou. “Achei uma imagem legal, postagem legal. Fiz e guardei o telefone no bolso”. Não pensou mais nisso.
Vinte minutos depois, ele diz, começou a repercussão que só cresceu desde então. Yan não esconde como o resultado o emociona. “Tô custando a acreditar que é verdade, meu Deus do céu. Nunca imaginei isso dentro de tanto tempo que tô lutando pelo meu trampo”. O compromisso de Yan com seu trabalho é tanto que a compra da câmera Sony A6500 com que fez a imagem foi um projeto que levou seis anos sendo construído.
Yan começou na fotografia quando saiu de uma banda de rock da qual era baterista. Já se interessava pelo registro de imagens, e a bateria sem uso ocupando espaço na casa que então dividia com a mãe e a avó virou o jeito de começar. “Vendi e usei o dinheiro para comprar a 1ª câmera, com a ajuda da minha ex-namorada”.
Estudou, aprendeu e desde então, vem se dedicando a construir seu portfólio paralelamente ao emprego fixo e uma outra vocação: “tenho paixão insaciável pelo magistério”, diz o jovem professor de História. “Mas sou preto, tenho tatuagem, é muito punk conseguir arrumar emprego em escola”. Então se virou também para isso, e leciona em um cursinho comunitário em Guadalupe, zona norte do Rio. Mas acredita que nada o levaria “onde a fotografia está me levando”.
“A fotografia é um mecanismo retratar coisas óbvias, mas que, na correria do dia a dia, a gente não para para pensar, para notar. A galera negra na fotografia vem conquistando uma área por retratar mais essas realidades próximas”, acredita. De fato, a foto que levou Yan ao mundo só existe porque quem olhou para a cena também fazia parte dela.
Artigo publicado originalmente no UOL.
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