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Da cautela necessária no uso das criptomoedas

Da cautela necessária no uso das criptomoedas

As criptomoedas são uma realidade prática que, apesar da ausência de regulamentação, tem chamado a atenção dos órgãos responsáveis pela higidez do sistema financeiro. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) já se manifestou afirmando que as criptomoedas não podem ser qualificadas como ativos financeiros (circular 1/2018), e o Banco Central do Brasil se posicionou contra a regulação das moedas virtuais que, para o órgão, não são consideradas dinheiro. Por sua vez, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) externou preocupação com riscos de lavagem de dinheiro, que podem permear negócios realizados por meio de criptomoedas, por entender que as obrigações de prevenção de ativos, registros de operações e comunicações de operações suspeitas ao COAF valem tanto para mercados tradicionais, como para inovações como as transações com moedas virtuais.

Para o Banco Central do Brasil as criptomoedas são recursos em reais armazenados em dispositivo ou sistema eletrônico que permitem ao usuário final efetuar transação de pagamento. As moedas virtuais podem revolucionar o mercado financeiro, e bem por isso desafiam o sistema econômico atual. Negociações em criptomoeda, enquanto inovação tecnológica, não estão previstas em normas e regulamentos que se propõem a dizer as regras financeiras, e que, portanto, estão se aproximando perigosamente da obsolescência. Prova disto é a dificuldade de adequar a legislação existente em situações reais envolvendo negociações que façam uso das moedas virtuais.

A emissão de criptomoedas sequer é controlada por um banco central, o que a torna, inicialmente, livre das normas legais e de barreiras territoriais. Outra característica marcante é o anonimato do detentor de criptomoedas, que ficam lastreadas apenas em um código a ser informado quando de uma transação, nessa dinâmica a identidade de comprador e vendedor não é revelada.

O receio de que as criptomoedas existam em um contexto de crimes econômicos, sobretudo evasão de divisas e lavagem de dinheiro não se trata de discussão teórica. De fato, recentemente a Polícia Federal identificou esquema de lavagem de dinheiro envolvendo desvios de valores dos cofres públicos (Operação Pão Nosso) que se valeu de operações em criptomoeda, uma sofisticação do delito que confere mais uma camada de dificuldade à receita federal para a constatação de transações e identificação dos personagens.

Nesse sentido, a relação entre crime e criptomoedas é tão significativa que se especula que a popularidade e altas da moeda virtual é decorrência da base de usuários interessados em realizar operações envolvendo atividades ilícitas ou esconder suas identidades em razão da origem criminosa do valor – atividades bem mais preocupantes do que simplesmente evitar a receita federal, ainda que está prática também seja criminosa.

É verdade que vem se entendendo que as criptomoedas não correspondem a dinheiro, circunstância que ressaltada recentemente pelo Banco de Compensações Internacionais (BIS), para quem o as moedas criptografadas são uma euforia passageira, e representam “a bubble, a Ponzi scheme and an environmental disaster” (uma bolha, um esquema de pirâmide e um desastre ambiental”).

Igualmente, o Banco Central do Brasil parece pouco impressionado com as criptomoedas. Prova disso é o comunicado n. 31.379 de 2017, em que o órgão alertou sobre riscos das negociações com moedas virtuais e ressaltou que operações dessa espécie não afastam a obrigatoriedade de se observar normas cambiais para transações internacionais.

No entanto, independentemente se é dinheiro ou não aos olhos da receita federal, na prática a técnica favorece transações e coloca em xeque a incidência da legislação criminal que tutela transações de valores. É o caso, por exemplo, da lei penal sobre evasão de divisas, cuja descrição não serve a tutelar criptomoedas, razão pela qual, em princípio, seu emprego não pode ser considerado como o crime de efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover a saída de dinheiro do país, nem o delito de manter depósito não declarado no exterior.

Por outro lado, transações com criptomoedas podem sim ser compreendidas pelas autoridades públicas como prática de lavagem de dinheiro, desde que haja suspeita de que a negociação da moeda virtual tenha tido objetivo de ocultar valores de algum modo relacionados a infração penal. O debate sobre o tema está e plena ebulição e a espera do julgamento do Recurso Especial 1.996.214 de SP. O ministro Marco Bellizze manteve o direito do banco Itaú em encerrar uma conta  de corretora de criptomoeda. A ministra Nancy Andrighi pediu vista e três ministros esperam para votar. O precedente acabará sendo usado pela área penal quanto a responsabilidade de vigilância dos bancos e executivos diante de suspeitas de lavagem de ativos. A insegurança jurídica na indiscriminada responsabilização e da vulgarização das acusações de lavagem levam aos Bancos a uma atitude de precaução e de compliance.

Longe de pretender desencorajar que a tecnologia avance aperfeiçoando o dia a dia do mercado, salienta-se que é imprescindível compreender os riscos da atividade e não ignorar as obrigações financeiras estabelecidas, a fim de evitar que negociações em criptomoedas sejam compreendidas como operações suspeitas e delas decorram processos criminais. É dizer, ainda que os órgãos estatais não tenham regulamentado as negociações na espécie, e tenham inclusive afirmado que a moeda virtual não é dinheiro, importa aconselhar cautela hoje para não se ver acusado de crimes econômicos envolvendo transações em criptomoeda no amanhã.

Artigo publicado originalmente no Valor Econômico.

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