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Descriminalização do consumo de drogas no STF

Por Cristiano Maronna e Juana Kweitel

Em um mês o STF (Supremo Tribunal Federal) retomará o julgamento de um recurso da Defensoria Pública de São Paulo que pede a inconstitucionalidade da criminalização da posse de drogas para consumo pessoal no Brasil.

Trata-se de uma sessão histórica não apenas porque pode forçar o Estado a rever seu viés proibicionista para uma questão que pertence ao campo da saúde, mas também porque impacta diretamente na política de guerra às drogas —vetor importante para a violência urbana, a criminalização de populações negras e periféricas e o encarceramento em massa.

No centro do julgamento está o artigo 28 da lei 11.343/2006, que define penas para quem “adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal”.

Por se tratar de conduta autolesiva, em que o autor e a vítima do delito se confundem na mesma pessoa, a intervenção penal não se justifica. Com base nesse entendimento, 3 dos 11 ministros do Supremo que já expuseram os seus votos no julgamento de 2015 concluíram que o artigo é inconstitucional.

Portugal, Espanha, Uruguai, Holanda e Canadá, além de diversos estados dos Estados Unidos, já tornaram suas legislações sobre consumo de drogas mais flexíveis. Em 2018, a ONU aprovou um texto que propõe uma abordagem para controle de drogas baseada em políticas que foquem nas pessoas, na saúde e nos direitos humanos e exortou os países a mudarem suas leis para promover alternativas à punição.

No Brasil, a política de drogas passa por um grave retrocesso. A política de redução de danos foi oficialmente banida. Comunidades terapêuticas estão sendo financiadas com dinheiro público, apesar das denúncias de maus-tratos e da baixa eficácia no tratamento para dependência, enquanto os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas do SUS mínguam sem recursos.

A Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas foi esvaziada em favor do Ministério da Cidadania, que agora concentra as atribuições relativas à prevenção e ao tratamento. Antecipando uma possível derrota no STF, o ministro Osmar Terra articula a aprovação de projeto de lei para ampliar a punição ao tráfico e enterrar as diretrizes da reforma psiquiátrica e da redução de danos.

ministro parte do pressuposto de que o Brasil vive uma epidemia de dependência química, mas as evidências científicas o desmentem, como mostra recente pesquisa da Fiocruz sobre consumo de drogas, que o governo tentou censurar. Segundo o estudo, o principal problema brasileiro em relação às drogas é o consumo de bebidas alcoólicas.

A pesquisa da Fiocruz mostra que meninos iniciam o consumo de álcool com 15 anos e as meninas, com 17. Ainda assim, a propaganda de cerveja é permitida e promoções que incentivam o consumo de bebidas são socialmente toleradas. Seria impensável propor a proibição do álcool, mas é plenamente possível aperfeiçoar os mecanismos de controle e regulação desse mercado para reduzir danos. O mesmo raciocínio vale para as drogas: melhor controlar e regular que proibir e reprimir.

No dia 5 de junho, o Supremo tem uma grande responsabilidade. Ou a corte assume o seu papel de guardiã das liberdades individuais com a coragem que o momento requer ou estaremos condenados a aprofundar os resultados indesejados de nossa política de drogas, como a corrupção, a violência, o superencarceramento e o fortalecimento das facções criminosas. Não podemos perder a oportunidade de dar um passo em direção a uma política de drogas justa, eficaz e humana.

Texto publicado originalmente na Folha de S. Paulo.

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