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É tempo de recriar ideias e ações

Por Rosana Fernandes

Diante de uma situação inédita que a humanidade está vivenciando, a Escola Nacional Florestan Fernandes suspendeu os cursos do primeiro semestre, após 15 anos de um lugar de experiência de formação da classe trabalhadora. O que a gente imaginou é que tudo seria calmaria, assim como a água parada na lagoa, a vida passando devagar, as folhas caindo no chão, as plantas crescendo sem podas, as flores florindo sem olhares. Mas não, tem muitas ideias brotando inspiradas por muitos legados!

Dos mestres e das mestras que estão nas paredes como testemunhas de um tempo que já se foi – mas que nos inspiram – mirando o tempo que agora é.

No olhar de Florestan e o sorriso estampado no rosto, apresenta-se em foto o que foi presente da história, em seu pensamento fervilham ideias de como organizar o povo para as mudanças cruciais em defesa da vida e da dignidade, de ter garantido os direitos, de ser protagonista de uma revolução sonhada por tantos, mas que ainda não chegou.

Na linguagem poética de Patativa do nordeste brasileiro, poeta questionador, um justiceiro, os seus versos são como sementes na terra para fecundar a justiça.

Na voz desafiadora de Pagu, militante política que nos deixou o legado de cometer crimes, “esse crime sagrado de ser divergente, nós o cometeremos sempre”.

Doutor Sócrates Brasileiro também está em campo sem “furar” fila, aguardando a sua vez (não deu tempo!), mas uma lição nos deixou “ganhar ou perder, mas sempre com democracia”. Ela mesma, a democracia que estamos tão necessitados!

Rosa, a vermelha, nos educa para a liberdade, pois “quem não se movimenta não sente as correntes que o prendem”. É a liberdade que buscamos, rompendo as correntes que oprimem todas as raças, todos os gêneros e todas as gerações.

E vem ela toda florida, elegante e bem pintada com pincéis de tintas fortes representando a sua altivez. Frida deixa a lição da amante pela vida, plenitude e rebeldia, nas asas do feminino, “pés, para que te quero, se tenho asas para voar?”.

Estão presentes o Chê e o comandante Fidel, educadores do povo, da prova da resistência e da revolução permanente. De uma ilha pequena, com seu povo grandioso, não doa aquilo que sobra, mas o que lhes fará falta, pois solidariedade é valor, compromisso com as gentes.

E a comida que se tem, pouca ou com fartura, se reparte igualmente para saciar quem precisa, os mais pobres os primeiros, sobreviventes do mundo. Josué de Castro já disse “o que falta é vontade política para mobilizar recursos a favor dos que têm fome”. Tão atual, sem meras coincidências.

E o amor? Todos expressam o amor à humanidade. Marighela fez a síntese “o amor é o que não se detém ante nenhum obstáculo, e pode mesmo existir até quando não se é livre”.

Falar de amor Sem Terra, de um cabano lutador, o nosso querido Ulisses que a pouco nos deixou, acreditando que a luta se faz com fuzil e com flor. Viva o companheiro nas noites de cantorias no espaço cultural pra valer a rebeldia.

Tem até o Saci dando idéia para os outros, dizem por aí que na verdade ele que está no comando, não é possível tanta coisa acontecendo, virando tudo de cabeça pra baixo em rodopios aligeirados e fumaça no caminho. Mas não é coisa de se assustar, o Saci é nosso amigo, está apenas testando a nossa capacidade de reinventar.

Caminhar pelas árvores e observar e ver crescer o ipê branco doado pelo grupo prerrogativas plantado em homenagem ao advogado Sigmaringa Seixas.

E no centro do cenário estão elas tremulando, do Brasil “a ordem é ninguém passar fome, progresso é o povo feliz”; a vermelha reafirma “vem teçamos a nossa liberdade…” e na articulação internacional “de pie cantar, que vamos a triunfar…”, bandeiras de unidade, de lutas e resistência dos povos do mundo.

É tempo de cuidados, cada um na sua casa, cuidando de si e de todos, no exercício de aprender com o outro.

Tempo de reflexões, da “Páscoa” que vai chegar, tudo será recriado, incluindo à nós mesmos, a nossa própria humanização, vivenciando valores de um novo ser humano, da sociedade transformada. E o tempo que sempre clamamos pela sua falta, agora “sobra” para fazermos aquilo que não conseguimos em outros momentos: olhar profundamente para as nossas filhas, fazer aquela comida e comê-la devagar, ler o livro empoeirado, limpar os armários, faxinar o coração, dar água para as plantas na varanda, cortar a grama, fazer cafuné, tomar chá e sentir a brisa das primeiras noites frias do inverso que está porvir. Sim, estamos aprendendo com o mestre Antonio Candido a praticar que “tempo não é dinheiro, tempo é o tecido da vida”.

Guararema/SP, Páscoa 2020.

Rosana Fernandes é coordenadora-geral da Escola Nacional Florestan Fernandes – ENFF, mestre em desenvolvimento Territorial da América Latina e Caribe pela UNESP e doutoranda em Educação pela UNICAMP.

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