Por Caroline Bispo (1)
Durante muito tempo eu me privei de escrever. Na verdade, eu não me privei de escrever realmente, eu acreditei no fato que eu não era boa o bastante para isso, que poderia falar do trabalho que fazíamos na Elas Existem em diversos espaços, mas que eu não podia escrever por não saber escrever. Até que no dia 04 de setembro, na aula da professora Fátima Lima (2), ela citou Lélia Gonzalez (3):
E o risco que assumimos aqui é o do ato de falar com todas as implicações. Exatamente porque temos sido falados, infantilizados (infans é aquele que não tem fala própria, é a criança que se fala na terceira pessoa, porque falada pelos adultos) que neste trabalho assumimos nossa própria fala. Ou seja, o lixo vai falar, e numa boa. (4)
Eu já tinha lido esse texto outrora, contudo, naquele momento na sala de aula com diversas mulheres negras usando sua voz para ressaltar o quanto o racismo (e o machismo) as afetaram ao longo de toda a vida, eu consegui entender tantas coisas, tantas situações e, principalmente, entender que esse sentimento de não pertencimento e/ou não ser boa o bastante para estar produzindo algo é resquício do racismo estrutural perpassado ao longo de toda uma vida, e que nos últimos anos eu vinha lutando para pensar em construir ferramentas e instrumentos para que determinadas vozes esquecidas fossem ouvidas. Só não lutei o suficiente para fazer a minha também ser ouvida, ou melhor, para que minhas palavras fossem lidas.
Nunca escrevi sobre as 14 unidades prisionais que conheci pelo Brasil nos últimos 4 anos, ou sobre as dezenas de vezes em que estive dentro de uma unidade prisional e nas diversas unidades socioeducativas Acreditava que a minha forma de escrever não era a “certa” e tampouco que seria capaz de produzir conteúdo com as experiências reais vividas na base sem ser “uma produção acadêmica”. Por isso, usava como desculpa a frase clássica que todas as pessoas que me conhecem já ouviram em algum momento “eu não sei escrever.” Porém, chegou o momento de assumir a minha própria fala, como disse Lélia. Pode não ser um texto acadêmico como muitos esperam, mas é “numa boa”.
Feito essa pequena introdução sobre a minha demora para escrever mais sobre a Elas Existem e nossas experiências, preciso ressaltar que a Elas Existem em tempos de corona não representa a totalidade da Associação e tampouco todas as atividades que realizamos nos últimos 4 anos (5), mas que, assim como todos e todas no atual cenário, precisamos nos reinventar e redesenhar. Por isso, as atividades aqui descritas foram realizadas no período de 16 de março à 10 de maio, contando com a participação de 6 integrantes da Associação (Huila, Sandra, Mariana Pagannote, Mariana Andrade, Priscila, Sharlene e eu) e com as voluntárias (Danielle, Thabatá, Agnes, Núbia e Nahyá).
No dia 13 de março de 2020, foi proferido o primeiro decreto nº 46.970/2020 sobre medidas temporárias de prevenção e enfrentamento ao novo coronavírus, (COVID-19), no âmbito do Estado do Rio de Janeiro.
Com base nesse decreto e entendendo que a população preta e pobre seria a mais afetada e sabendo exatamente onde a maior parte dessa população se encontra, ou seja, a população carcerária seria também uma das mais afetadas.
Então, no dia 17 de março, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, publicou a Recomendação 62/2020 (6), assinado pelo Ministro Dias Toffoli, para ser entregue aos tribunais e magistrados do todo o Brasil. Uma padronização de orientações e medidas a serem tomadas pelo Judiciário no enfrentamento ao covid-19, com o intuito de evitar maior propagação à infecção.
Após a publicação dessa recomendação, a Vara de Execuções Penais (VEP) do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro decidiu, no dia 18 de março, que pelo período de 30 dias, todos os apenados do sistema prisional do Estado beneficiados com o trabalho extra-muros não precisariam retornar para suas unidades, sendo autorizados a permanecer em suas residências. A VEP também concedeu o benefício de prisão albergue domiciliar a todos os apenados em cumprimento de pena em regime aberto, diminuindo o fluxo de pessoas no sistema prisional.
Ainda de acordo com a mesma decisão, todos os apenados em cumprimento de livramento condicional, prisão albergue domiciliar, sursis, limitação de final de semana e prestação de serviços comunitários estariam desobrigados, pelo período de 30 dias, a comparecer às unidades do Patronato Magarino Torres.
Com a determinação de isolamento social e com a suspensão dos atendimentos presenciais da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, bem como a suspensão das visitas nas unidades prisionais, entendemos que milhares de pessoas se encontrariam perdidas para compreender as decisões que seriam publicadas com base no cenário pandêmico, como as decisões em seus processos, sobre quais equipamentos públicos estariam em funcionamento e de que forma seria possível acessá-los. Percebeu se que era necessário e urgente montar uma frente de trabalho chamada “Elas Existem em Tempos de Corona”.
Entendendo principalmente que a Elas Existem faz parte de 7 espaços de incidência política na luta pela população privada de liberdade, sendo 5 no Estado do Rio de Janeiro e outros duas redes nacionais, quais sejam: 1) Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, 2) Frente Estadual pelo Desencarceramento do Rio de Janeiro, 3) Fórum Permanente de Saúde no Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro, 4) Grupo de Trabalho Mulheres e Meninas em Privação de Liberdade – ALERJ , 5) Conselho de Comunidade RJ, 6) Plataforma Brasileira de Política de Drogas e 7) Agenda Nacional pelo Desencarceramento, acreditamos que nossa responsabilidade social com aquelas mulheres que estavam no sistema, com as mulheres que possuíam entes queridos no sistema prisional e com todas as outras pessoas que de alguma maneira foram afetadas pelo sistema, era muito grande.
Por isso decidimos nos dividir por áreas de atuações: a) Comunicação; b) Incidência Política; c) Serviço social; d) Monitoramento do efetivo carcerário e socioeducativo e e) Saúde.
Após definir as frentes que iríamos trabalhar, foi o momento de determinar uma metodologia de trabalho que se seguiria pelo mês de abril:
1) Plantão Elas Existem e Eu sou Eu (7) no Covid 19: A criação de um canal de orientação composto por uma equipe multiprofissional para atendimento online através do aplicativo Whatsapp, no telefone da Associação Elas Existem (21 99811-3897), de segunda-feira à sexta-feira, de 10 às 16h.
2) Doação de 23 cestas básicas e kits de higiene e limpeza, com o dinheiro que tínhamos em caixa, aproveitando o momento da entrega das cestas como uma oportunidade importante para realizar uma ação de prevenção e conscientização acerca dos cuidados do COVID-19 por uma enfermeira (Mariana Andrade), sendo relevante destacar que o contato com essas famílias seria feito através da assistente social (Núbia Brandão) com famílias em vulnerabilidade social indicadas por movimentos sociais e parceiros na luta antiprisional.
3) Doação de itens básicos de higiene para a unidade socioeducativa PACGC (8) e materiais de limpeza para a unidade prisional Evaristo de Moraes (9).
4) Entrega de máscaras de pano, de tecido duplo, divididas entre a unidade socioeducativa para as adolescentes e as famílias que receberiam as doações.
5) Produção de uma comunicação de fácil compreensão com relação as decisões judiciais e sociais modificadas devido ao cenário do Covid-19 nas redes sociais Facebook, Twitter, Instagram e Blog da Associação Elas Existem.
Áreas de atuações pré-definidas. Equipes prontas. Metodologia montada. O momento era de efetivamente iniciar nossas atividades, o que aconteceu na prática no dia 01 de abril.
O grupo voltado para a área de socioeducação, formado pela assistente social Núbia Brandão e pela pedagoga Maria Priscila de Jesus, percebeu que a demanda nesta área seria um pouco mais branda comparada as outras frentes, visto que o Ministério Público do Rio de Janeiro no dia 17 de março, demandou ao DEGASE (10) a elaboração de um plano de Prevenção e Mitigação de Danos, sendo aprovado o respectivo protocolo para o enfrentamento a Covid-19 no dia 1 de abril. No dia 18 de março, o MPRJ, através da 2º Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Infância e da Juventude da Capital e da Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Infância e da Juventude da Capital, lançou uma recomendação (11) ao governador do Estado do Rio de Janeiro, ao prefeito do Rio, e aos órgãos estaduais e municipais, para informarem no prazo de 24 horas o protocolo de atendimento dos casos suspeitos ou confirmados de infecção causada pela Covid-19 dos adolescentes atendidos em unidades de acolhimento, e fixar a necessidade urgente do abastecimento de água nas unidades e os itens básicos de higiene e limpeza tanto para os adolescentes quanto para os profissionais, pois além de haver um desabastecimento, o cenário das unidades não condiz com os requisitos para a prevenção do contágio. Ainda, que a Juíza da Vara de Execuções de Medidas Socioeducativas no Estado do Rio de Janeiro, Dra. Lucia Glioche, por meio da decisão no processo da Ação Civil Pública, determinou desde o dia 17 de março, que nenhum adolescente ou jovem adulto poderá ser admitido em uma unidade de semiliberdade do DEGASE para execução de medida socioeducativo pelo prazo inicial de 15 dias. Assim, os adolescentes que já se encontram em medidas restritivas de liberdades deverão ser afastados das unidades, e terão as atividades suspensas temporariamente.
Nesse sentido, na unidade que nos propusemos a auxiliar e acompanhar percebemos que as medidas realmente tiveram uma expressa eficácia, tendo a unidade iniciado o mês de abril com 29 adolescentes privadas de liberdade e finalizando o mês com 13 adolescentes.
Ao falarmos de números, é importante destacar que em dezembro de 2019, o DEPEN anunciou, através do Infopen 2019, que o número total de pessoas presas no Brasil era de 748.009, e o Rio de Janeiro possuía um total de 50.822 pessoas privadas de liberdade. Desse número total de pessoas presas, foi possível analisar através do mesmo relatório que 19.171 estavam no regime fechado, 11.418 no regime semiaberto, 19.752 no regime provisório e 108 cumprindo medida de segurança.
Ao fazermos o recorte de gênero no mesmo relatório, o número total de mulheres privadas de liberdade no sistema prisional brasileiro nesse período era de 36.929. E fazendo o recorte para o Rio de Janeiro, o total eram de 2.359 mulheres no sistema prisional fluminense.
Iniciamos nosso monitoramento no dia 31 de março, e como os últimos dados oficiais publicados em dezembro informava que o número de mulheres encarceradas no Estado do Rio de Janeiro era de 2.359, iniciamos nossa análise já com uma informação muito importante: a redução de mulheres presas no Estado no período de dezembro à março, totalizando o efetivo de 1.872 mulheres cis privadas de liberdade (12).
Importante fazer duas ressalvas com relação os números apresentados, neles não estão contabilizadas as mulheres em cumprimento de medida de segurança no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Henrique Roxo, nem as mulheres em tratamento no Sanatório Penal.
31 de março:
– 1.872 Mulheres nas unidades prisionais (dentre essas, 8 lactantes presas na Unidade Materno Infantil e 19 grávidas custodiadas na Penitenciária Talavera Bruce, totalizando 27 mulheres nessas condições)
14 de abril
– 1.730 Mulheres nas unidades prisionais (dentre essas 16 mulheres presas grávidas e lactantes (13) – Todas na Unidade Materno Infantil)
28 de abril
– 1.722 Mulheres nas unidades prisionais (14)
Através desse monitoramento, observamos que apesar de algumas unidades prisionais possuírem uma rotatividade maior, ficando com sua capacidade elevada em alguns momentos, isso não é um indicador com relação ao aumento de mulheres encarceradas nesse período. Tal afirmação consubstancia-se nas seguintes informações:
– Penitenciária Talavera Bruce – SEAPTB, possui capacidade para 375 pessoas, em 31/03/2020 possuía 488 pessoas, tendo 113 pessoas acima de sua capacidade. Em 14/04/2020, ocorreu um aumento para 611 pessoas e em 28/04/2020 houve uma redução para 598 pessoas. É importante perceber que esse aumento dentro da unidade prisional não significa necessariamente um aumento
– Unidade Materno Infantil – UMI, possui capacidade para 20 mulheres, em 31/03/2020, possuía 6 mulheres, ocorrendo um aumento para 11 em 14/04/2020 e uma diminuição para 8 em 28/04/2020.
– Instituto Penal Ismael Pereira Sirieiro – SEAPIS, a unidade possui capacidade para 400 pessoas, em 31/03/2020 era ocupado por 265 pessoas, ocorrendo um aumento para 286 em 14/04/2020, e em 28/04/2020 eram 285 pessoas.
– Instituto Penal Santo Expedito – ISE, a unidade possui capacidade para 704 pessoas, em 31/03/2020 estava ocupada por 697, próximo de sua lotação máxima, já em 14/04/2020 ocorre uma diminuição para 537 pessoas e em 28/04/2020 sua ocupação era de 539 pessoas.
– Presídio Nilza da Silva Santos – SEAPNS, a unidade possui capacidade para 233 pessoas, em 31/03/2020 possuía 206 pessoas, reduzindo para 182 pessoas em 14/04/2020 e aumentando para 189 pessoas em 28/04/2020.
O grupo formado pelas advogadas Agnes Regina e Thabata Carvalho, juntamente com a bacharel em direito Sandra Cruz, trabalhou com o objetivo de informar, orientar e produzir conteúdo de forma clara e didática acerca das decisões do poder judiciário, com foco nas mulheres que saíram do sistema prisional e os familiares das pessoas em situação de cárcere, destacando que o Direito está ao alcance de todos.
Diante da declaração pública de Pandemia do coronavírus no Brasil e as Recomendações de Saúde e do Conselho Nacional de Justiça, fez-se necessário ter um outro olhar e uma análise mais recorrente da situação das unidades prisionais, buscando a efetividade e o cumprimento da recomendação nº 62 do CNJ, foi impetrado alguns habeas corpus coletivo pelos Defensores Públicos do Rio de Janeiro, os quais estamos acompanhando para um possível ingresso como Amicus Curie.
São eles:
– Habeas Corpus n° 0016751-62.2020.8.19.0000 (STJ – HC nº 568.752/RJ), os pacientes eram os presos provisórios.
– Habeas corpus n° 0061789-94.2020.8.19.0001, os pacientes eram os presos idosos que estavam na unidade prisional Evaristo de Moraes.
– Habeas Corpus n° 0017037-40.2020.8.19.0000 HC para pacientes presos no sanatório penal do Estado do Rio de Janeiro.
– Habeas corpus n° 0018054-14.2020.8.19.0000, pacientes presos idosos das unidades do Cândido Mendes e do Frederico Marques
– Habeas Corpus n° 568.851/RJ – STJ, cujos pacientes foram as pessoas privadas de liberdade no Estado do Rio de Janeiro devido a paralisação da Vara de Execuções Penais /RJ.
– Habeas corpus n° 0018012-62.2020.8.19.0000, tendo como paciente as pessoas consideradas grupo de risco para a pandemia mundial do covid-19 que cumprem pena privativa de liberdade na unidade prisional Alfredo Trajano.
– Habeas corpus n° 0018414-46.2020.8.19.0000, cujos pacientes foram todas as pessoas idosas privadas de liberdade no presídio Diomedes Vinhosa Muniz e na unidade feminina Nilza da Silva Santos
– Habeas corpus nº 573.064/RJ – STJ, pacientes todas as pessoas privadas de liberdade que cumprem sanções penais em unidades prisionais e hospitalares do sistema carcerário do Estado do Rio de Janeiro
– Habeas Corpus nº 573.207/ RJ – STJ, pacientes: pessoas idosas privadas de liberdade provisoriamente nas unidades prisionais do rio de janeiro
Entre todas as atividades aqui já apontadas, foram também destinadas 23 cestas básicas com kits de higiene, alimentação e limpeza para atender as pessoas que de alguma maneira foram atingidas pelo sistema prisional. Cumpre esclarecer que a Associação Elas Existem nunca pensou em ser um grupo voltado para trabalhar com questões de cunho assistencialista, apesar de ter feito diversas campanhas ao longo desses anos com o objetivo de levar itens para as mulheres dentro do sistema. Contudo, no atual cenário se tornou indispensável repensar estratégias para que não ocorram reincidências, situações de rua, vulnerabilidade social e abuso de álcool e/ou outras drogas.
Portanto, a Assistente Social em posse dos contatos, realizou um primeiro atendimento, na perspectiva de fazer uma triagem para análise socioeconômica e para identificação de outras demandas. Esse primeiro atendimento foi iniciado com um pequeno texto de apresentação, e em seguida, breves perguntas para captar o perfil dos atendidos.
Foram realizados 47 contatos no total, muito acima do número de cestas que possuíamos, fazendo assim com que submetêssemos um projeto para alguns editais afim de conseguir financiamento para novas cestas básicas. Entretanto, mesmo as pessoas que não foram selecionadas para receber as doações foram contabilizadas em relação aos contatos tanto quanto aos dados em relação às respostas obtidas, sendo direcionadas para o Plantão no WhatsApp para orientações e suporte.
Com as respostas adquiridas através dos primeiros atendimentos criamos um banco de dados para registrar todas as informações, sendo elas possíveis para perceber algumas situações questionadoras, cujo objetivo é de sistematizar e documentar todas as informações para acompanhamento dessas pessoas no período do covid 19 e posterior também.
Sobre os dados das pessoas atendidas, gostaríamos de destacar algumas informações:
– 90% das pessoas atendidas eram mulheres;
– 84,8% eram solteiros; 15,2% são casados;
– 27,3% eram brancos; 66,7% eram negros (15); 3% índio; 3% não responderam
– 60% nunca trabalhou de carteira assinada.
– 72,5% não estão trabalhando; 9% não estão trabalhando no momento por conta do isolamento social pois são ambulantes e/ou camelôs; 15,6% estão trabalhando; 11,9% não responderam.
Ao entendermos que nesse atual cenário o mundo virtual acabou se tornando uma importante ferramenta, decidimos investir na comunicação da Associação, com Nahyá Nogueira e Mariana Pagannote – para trabalhar exclusivamente em formas de alcançar o maior número de pessoas com informações pontuais e importantes, além de levar uma linguagem mais simples e mais dinâmica, trazendo informações com uma linguagem menos jurídica de temas que são de extrema relevância e que ainda geram diversas dúvidas.
Um dos grupos de trabalho que mais vem atuando na esfera da comunicação é o grupo de saúde, composto por 3 enfermeiras com áreas de atuação bem diversas (Sharllene Silva – especialista em saúde mental; Mariana Andrade – especialista em saúde do adolescente; Danielle Menezes – especialista em saúde da mulher) e uma médica – Huila Fonseca. Assim, pensando em levar informações e analisar todas recomendações da área de saúde, afim de repassar as informações de forma mais clara possível, ou melhor mais escurecida possível, com textos de fácil compreensão para todos e com uma leitura prazerosa sem perder a importância do conteúdo explicitado.
As integrantes da área de saúde se mantiveram atualizadas da situação do sistema carcerário no Estado através de fontes seguras e também governamentais, como os relatórios semanais de visitas institucionais do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (MEPCT/RJ) (16); além de estarem acompanhando as articulações realizadas em outros espaços de discussão de saúde no sistema prisional do Rio de Janeiro, em especial o Fórum Permanente de Saúde Prisional do Rio de Janeiro e o GT de Saúde dos Privados de Liberdade, do Comitê Municipal de Saúde da População Negra.
Inicialmente nos organizamos para que esse cenário pandêmico tivesse 2 meses de duração, março e abril, contudo, entendemos que a realidade que se acomete é diferenciada e por isso nos organizamos para que essas e outras atividades voltadas para o enfrentamento ao covid-19, sejam realizadas a princípio até o dia 31 de julho.
Acreditamos que é fundamental ter um olhar mais aprofundado sobre o sistema carcerário, mas que se faz muito necessário realizar um recorte de gênero e raça nesse olhar. Ainda que o sistema prisional esteja com uma superlotação nas unidades prisionais masculinas, percebemos que mulheres possuem especificidades que vão para além do coronavírus.
Para finalizar, nós da Associação Elas Existem temos como principal bandeira o enfrentamento ao racismo estrutural e institucional e por isso houve o retorno do grupo de leituras da Associação, que acontecia de forma presencial e quinzenal em sua sede, o grupo “Leiam Mulheres Negras – Elas Existem”. As reuniões do grupo de leitura para além de propagar e divulgar mulheres negras que ainda hoje não possuem o notório reconhecimento, também era um espaço de acolhimento e devido a isso, decidimos por retorná-lo na modalidade virtual e semanal, através da plataforma zoom.
No mês de maio, lançamos o II Minicurso “ A falsa abolição: reflexos do racismo estrutural no encarceramento” e a palestra “Reflexo do racismo estrutural na advocacia”, para que de alguma forma as pessoas consigam visualizar que é necessário ouvir diversas vozes, principalmente de mulheres negras que são o pilar da sociedade, pois, como diz Angela Davis: “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela, porque tudo é desestabilizado a partir da base da pirâmide social onde se encontram as mulheres negras, muda-se a base do capitalismo” (17)
Notas
1 Caroline Bispo é co-fundadora e Diretora da Associação Elas Existem Mulheres Encarceradas. É Advogada do Eixo de Segurança Pública da ONG Redes da Maré e Mãe da Maria Eduarda.
2 Fátima Lima é Professora do Programa de Pós-Graduação em Relações Étnico-Raciais/ CEFET/RJ e autora do livro “Corpos, Gêneros, Sexualidades — políticas de Subjetivação”
3 Lélia Gonzalez foi uma intelectual e feminista negra, uma das fundadoras do Movimento Negro Unificado. Denunciou o machismo e racismo no Brasil de forma escurecida e contundente, principalmente através de seus textos e livros.
4 RACISMO E SEXISMO NA CULTURA BRASILEIRA texto apresentado na Reunião do Grupo de Trabalho “Temas e Problemas da População Negra no Brasil”, IV Encontro Anual da Associação Brasileira de Pós-graduação e Pesquisa nas Ciências Sociais, Rio de Janeiro, 31 de outubro de 1980.
5 A Associação Elas Existem Mulheres Encarceradas é uma Associação feminista interseccional, abolicionista penal, antirracista e que atua em prol da visibilidade das mulheres que se encontram no cárcere, das adolescentes em conflito com a Lei e das mulheres que passaram pelo sistema prisional. Tendo iniciado suas atividades no dia 22 de março de 2016 e atualmente contando com a participação de 13 integrantes.
6 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Recomendação 62. Disponível em https://elasexistem.files.wordpress.com/2020/04/recomendacao-62-cnj.pdf
7 Coletivo Eu sou Eu – reflexos de uma vida na prisão. Grupo formado por egressos do sistema prisional cuja missão e objetivo é levar para a sociedade não apenas a temática do encarceramento, mas as vivências do cárcere na sua mais pura realidade.
8 CENSE PACGC é uma unidade destinada a receber as adolescentes cis e trans para cumprimento de medida socioeducativa de internação e internação provisória
9 Apesar da unidade prisional Evaristo de Moraes ser uma unidade masculina, é nela que se encontra a maior parte da população de mulheres trans e travestis.
10 DEGASE – Departamento Geral de Ações Socioeducativas é um órgão vinculado a Secretaria de Estado de Educação, que tem a responsabilidade de promover socioeducação no Estado do Rio de Janeiro
11BRASIL. Ministério Público do Rio de Janeiro. Recomendação Conjunta 001/2020. Disponível em http://www.mprj.mp.br/documents/20184/540394/recomendacao_conjunta_0012020__covid_19__assinado_adobe.pdf
12 É importante ressaltar que todos os dados apresentados serão de mulheres cis, pois não conseguimos obter dados acerca das mulheres trans dentro do sistema.
13 É importante destacar que nesse período especifico não conseguimos obter a informação de quantas mulheres estavam grávidas e quantas eram lactantes, tendo apenas o número total.
14Não foi informado nesse período quantas era grávidas e lactantes, contudo, no fechamento desse relatório recebemos a informação que no dia 5/5/2020, existiam 4 mulheres grávidas e 3 puérperas, totalizando, assim, número de 7 mulheres nessas condições nesse período .
15 De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, pretos e pardos são agregados em uma mesma categoria: Negros.
16 Os relatórios podem ser baixados no site do próprio MEPCT/RJ ou no site da Associação Elas Existem – https://elasexistem.files.wordpress.com/2020/04/4-relatc3b3rio-parcial-do-mepctrj-sobre-o-covid19-no-sistema-prisional-atualizado-26.04.pdf
17 Fala de Angela Davis na conferência “Atravessando o tempo e construindo o futuro da luta contra o racismo”, realizada em julho de 2017 na UFBA.
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