728 x 90

Filho de Portinari celebra exposição e legado do pai: “A arte salva”

Filho de Portinari celebra exposição e legado do pai: “A arte salva”

Por Isabela Frasinelli

Em entrevista ao iG, João Candido Portinari fala sobre relação com o pai e a obra dele, retratada na exposição “Portinari para todos”

Segundo ano da faculdade de Jornalismo e uma aula de História da Arte que exigia a visita ao Museu de Arte de São Paulo. Foi nessa circunstância em que me deparei pela primeira vez com uma pintura de Candido Portinari . Conhecer o MASP já é algo intenso, mas observar a tela de “Os Retirantes” (1944) me trouxe uma emoção inexplicável, daquelas que quase te levam às lágrimas.

Ao compartilhar este relato com João Candido Portinari , o único filho do pintor expressou o desejo de que o público sinta essa sensação transformadora da arte ao conhecer a exposição “Portinari para todos”, que está no MIS Experience, em São Paulo, até 10 de julho. Em entrevista exclusiva ao Portal iG , o professor e diretor-geral do Projeto Portinari contou detalhes sobre a exibição imersiva que celebra a obra de um dos grandes ícones da arte do século 20.

“Isso pra mim é a realização de um sonho, que eu venho acalentando há mais de 40 anos […] É muito mais do que uma exposição de pintura”, destaca João. Com curadoria assinada por Marcello Dantas, a exposição usa da tecnologia e da interatividade para explorar toda a grandeza dos trabalhos do artista, que passam das poesias às pinturas tão conhecidas.

O professor explica que 5.400 obras em arquivos digitais de altíssima resolução e 30 mil documentos foram analisados pelo curador e utilizados para contextualizar a obra, vida e época de Portinari. “É uma coisa inédita, pela primeira vez na história, você poder colocar no colo das pessoas e das crianças o Portinari total”, conta.

“Eu acho que o público vai poder ver um Portinari que nunca foi visto nessa totalidade”, aponta. Ele ainda resume a obra do pai como um “grande retrato do Brasil” que foi deixado para nós como uma mensagem “ética e humanística, no sentido de que ela provoca a reflexão sobre a realidade do Brasil, do mundo e principalmente sobre valore de não violência e de justiça social”.

Projeto Portinari

O caminho para chegar em uma exposição como “Portinari para todos” foi longo e passou por muitos desafios encarados pelo Projeto Portinari. A iniciativa conhecida por resgatar a obra de Candido e colocá-la em acesso público foi fundada por João em 1979, em um contexto da Ditadura Militar em que “o Brasil inteiro se levantou”, como ele explica.

“Era ‘Diretas Já’, era volta dos exilados… Era todo um resgate da nossa história, que havia sido sequestrada pelos militares e que voltava em todas as áreas […] Essa ânsia de você resgatar aquilo que durante 20 anos tinha ficado sufocado. Então o Projeto Portinari nasce no bojo desse grande movimento brasileiro”, conta.

Com 40 anos na época, João relata que foi neste cenário que se deu conta da necessidade de conduzir este trabalho. Até então, ele se dedicava unicamente à matemática em sua carreira como professor. “[Na exposição] tem uma carta póstuma que eu escrevi a ele e tem um retrato de mim ao lado. Aquela carta póstuma responde porque eu fiz o Projeto Portinari”, diz.

Os primeiros 25 anos do projeto foram destinados a finalizar o catálogo “raisonné” da obra completa de Portinari. O termo em francês é utilizado para classificar o tipo de publicação em que são catalogadas todas as obras de um artista, para que elas possam ser cruzadas e identificadas entre si.

“Quando acabaram esses 25 anos, muito técnicos, de formiguinha, de levantar e catalogar obras do mundo inteiro, os documentos, e cruzar tudo entre si e saiu o catálogo raisonné, as pessoas chegavam para mim e diziam: ‘João, agora você pode por o pijama e vai pra casa, acabou’. E eu dizia: ‘Não, agora que vai começar. Agora a gente tá com os conteúdos organizados para uma missão'”, comenta.

A partir deste momento, a missão principal do projeto se tornou ensinar as crianças e os jovens, algo que também é um objetivo da exposição atual. “Eu tenho a experiência de que as crianças têm a aptidão de receber esses valores através das imagens. Elas têm uma percepção da imagem, que às vezes até um adulto não tem mais. Elas percebem coisas”, afirma.

“[A missão é de] justamente passar os valores para as crianças e os jovens. Em um mundo que está se acabando, convulsionado pela violência, pelas coisas sem sentido, sem significado, sem afeto, sem amor. Isso aqui é uma usina de amor”, continua.

“É uma coisa tão simples, no fundo. É você oferecer conteúdos que provoquem o sentimento de amor e de respeito à vida, às pessoas. Essa é a esperança que eu tenho. Todo nosso educativo foi concebido com esse objetivo. Não é nada gratuito, cada coisa que a gente faz, cada coisa lúdica, cada exercício, cada releitura de uma obra foi pensada sempre no sentido edificante, moral, ético, humano, do amor, da solidariedade, da fraternidade e do bem”, completa.

O amor na família

Mas quando o filho de Portinari sentiu essa mensagem de amor pelo trabalho de seu pai? João afirma que essa é uma “pergunta muito complexa”: “Quando eu era criança, eu tinha uma relação de uma ternura imensa com o meu pai. Quando eu vejo os documentos do Projeto Portinari, as fotos, eu estou sempre no colo dele, no ombro dele, nas costas dele, na cabeça dele. Aqui mesmo tem algumas fotografias assim.”

“Ele [Candido Portinari] era um operário da pintura. Ele respirava pintura de manhã à noite. Então não tinha muito tempo para dar para um filho, por exemplo. E nem minha mãe, porque minha mãe precisava cuidar dele, principalmente. Fazer com que a única preocupação dele fosse pintar. Ela foi o braço forte na vida dele”, expõe.

“Esse sentimento de amor surgiu quando eu era muito criança. Eu me lembro de minha mãe, que não tinha uma saúde muito boa. Tinha um problema nos pulmões e enxaquecas terríveis. Eu me lembro de criança, por exemplo, se eu tivesse olhando ela e ela deixasse cair uma coisa no chão, eu saia correndo para pegar, porque eu não queria que ela se abaixasse. Uma ‘bobagem’ isso, mas mostra um pouquinho a preocupação que eu tinha com aqueles dois”, relembra.

João ainda destaca que sua relação com o pai e as obras dele mudou “radicalmente” ao longo dos anos: “Durante muitos anos no Projeto Portinari, em palestras e reuniões, eu nunca me referi a ele como meu pai. Eu sempre falava Portinari. Porque eu não queria que as pessoas pensassem que era uma coisa de família, uma coisa que eu estava fazendo como filho”.

“Eu queria acreditar que eu estava fazendo sim como filho, também. Mas, principalmente, como cidadão brasileiro que se viu com a possibilidade de fazer um trabalho desses e procurou fazer da melhor forma que pôde. Eu achava que, inclusive, era um pouco um desrespeito à minha equipe eu ficar falando ‘meu pai’. Nós estávamos todos trabalhando juntos, então eu falava sempre Portinari.”

Ele conclui: “Agora, eu já me sinto tão à vontade que eu falo ‘meu pai’. Não sempre, mas não me incomoda falar ‘meu pai’. Eu acho que as pessoas sabem perfeitamente o respeito que eu tenho pelo trabalho do Projeto Portinari, pela minha equipe, até pelo meu próprio trabalho. Então a gente já deixou um legado, nós deixamos um legado, que projeta ele para o futuro, com esse grande resgate”.

Importância da exposição

Ao visitar pela primeira vez a exposição finalizada, João afirma que ficou deslumbrado. “Eu não sei nem expressar em palavras […] Aquela emoção que você teve diante dos ‘Retirantes’, eu acho que as pessoas também estão tendo aqui. Eu acho que essas imagens vão acompanhar as pessoas por muito tempo”.

“Eu acho que essas coisas vão permanecer e, mais ainda, eu acho que elas têm um efeito transformador na vida da pessoa e na sua concepção não só da arte, da cultura, mas na sua concepção de mundo, das suas relações consigo mesmo, com o próximo, com o planeta, com a divindade, tem esse efeito transformador”, reflete.

Questionado sobre a importância de “Portinari para todos” no contexto atual do Brasil, o filho do artista diz que a exposição é um “grito de esperança”. “Nós todos sofremos muito nesses dois anos […] Foram dois anos de um imenso sofrimento. Eu acho que muita gente percebeu que, em momentos como esse, a arte salva. Não é só a pintura, como a música, o cinema, o teatro… Eu acho que, se não fosse isso, durante esse tempo de pandemia, eu não sei o que teria acontecido conosco.”

“Eu acho que nesse momento, em 2022, com a esperança de que a pandemia vá embora, eu acho que uma exposição como essa é um grande grito de esperança. Uma esperança política também, de que as coisas mudem, de que a gente acabe com essa tragédia na qual o Brasil mergulhou […] A exposição é portadora de esperança, pelo próprio conteúdo que está aqui”, afirma.

Futuro

E a grandiosidade da obra de Portinari não termina no fim das instalações do MIS Experience. João Candido ainda compartilha que está por trás de projetos de grande porte envolvendo os trabalhos do pai, mais especificamente a obra “Guerra e Paz” (1952-1956), que “infelizmente, está mais atual do que nunca”, segundo ele.

“Nós conseguimos que a ONU nos emprestasse novamente os painéis físicos de ‘Guerra e Paz’, os originais. Nós estamos nesse momento em tratativas para levá-los à Itália. Vai ser a primeira vez na história em que eles vão ser apresentados na terra dos ancestrais de Portinari. Meus avós eram italianos”, conta.

“Outro sonho é levar o ‘Guerra e Paz’, logo depois da Itália, para a China, para Pequim. Eu sempre tive uma curiosidade enorme em saber como os olhos orientais olhariam para a obra de Portinari, que é uma obra absolutamente ocidental. Isso é uma coisa que está me fascinando, porque existem muitos valores de Portinari que são valores do povo chinês, como o culto ao trabalho e à família”, complementa.

Entrevista publicada originalmente no IG.

Compartilhe
Grupo Prerrô
ADMINISTRATOR
Perfil

Deixe um comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos obrigatórios estão marcados com *

Mais do Prerrô

Compartilhe