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‘Foi uma grande injustiça’, diz Celso Vilardi, advogado de defesa de Seripieri Filho

‘Foi uma grande injustiça’, diz Celso Vilardi, advogado de defesa de Seripieri Filho

Por Fausto Macedo e Rayssa Motta

Criminalista comenta sobre a Operação Paralelo 23, que envolveu fundador da Qualicorp

A prisão na semana passada do empresário José Seripieri Filho (conhecido como Junior) foi carregada de excessos e injustiças, na visão de seu advogado Celso Vilardi. O criminalista aponta que, até agora, não teve acesso ao conteúdo da delação feita por Elon Gomes, empresário que participou de alguns empreendimentos em sociedade com Seripieri.

A prisão preventiva ocorreu no bojo da Operação Paralelo 23, da Polícia Federal e Ministério Público de São Paulo. No caso, as investigações tiveram como base a delação de Gomes, que relatou repasses de R$ 5 milhões para a campanha de José Serra (PSDB-SP) ao Senado em 2014. Seripieri seria o responsável pelos pagamentos por meio de ‘estrutura financeira e societária’ que ocultou as transferências das autoridades e órgãos de controle através da simulação de negócios jurídicos e de contratos de compra e prestação de serviços.

Um dos mais respeitados advogados do país, Vilardi atuou nos processos mais importantes da Operação Lava Jato, tendo defendido executivos de empreiteiras e de outras grandes empresas, desde 2014, em Curitiba, Rio de Janeiro e Brasília. Apesar de demonstrar respeito pela Lava Jato, Vilardi alerta que os excessos podem comprometer o legado da operação.

Nessa quarta-feira, 29, as investigações foram suspensas pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, que entendeu pela usurpação da competência constitucional do STF para julgar um senador, já que a investigação ocorreu na primeira instância.

Leia a seguir a entrevista:

Estadão: O senhor atua na Lava Jato desde o começo. Qual é a sua avaliação sobre a operação até agora?
Celso Vilardi: A Lava Jato desbaratou um dos maiores escândalos de corrupção do mundo, deixou um legado positivo no que toca aos acordos de leniência e as alternativas à prisão. Não estou perfilado ao lado daqueles que só verificam absurdos na operação. Mas, inequivocamente houve muitos excessos. E há que se tomar cuidado com estes excessos porque eles podem comprometer o legado da operação.

Estadão: Vários advogados apontam excessos no início da operação, em 2014. O senhor concorda

Vilardi: Sim, houve, principalmente no que toca às prisões e às questões relativas à competência. Tais excessos foram tolerados principalmente pelo TRF-4 e, no primeiro momento também pelo STJ. O Supremo agiu, mas quando os casos chegaram à corte já era tarde, porque prisões descabidas se prolongaram no tempo e as correções relativas à competência também foram tardias.

Estadão: Houve excesso na Operação Paralelo 23 que prendeu o seu cliente José Seripieri Filho

Vilardi: Muitos foram os excessos nesse caso. A começar pela invasão da sua casa. Os Policiais Federais portaram-se dignamente, mas uma força tática especial arrombou portas e quebrou vidros, enquanto Junior gritava que a entrada estava autorizada. Deu-se um exagero desproporcional. A força utilizada na operação poderia aplicar-se a um criminoso perigoso, mas jamais a uma pessoa acusada de caixa 2 eleitoral; um excesso, que deverá ser apurado.

Estadão: E do ponto de vista jurídico?

Vilardi: Do ponto de vista jurídico a situação é gravíssima. Deu-se uma grande injustiça. Em primeiro lugar, deu-se uma investigação que incluiu o atual mandato do Senador Serra, o que não é permitido, razão pela qual as investigações foram suspensas pelo presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli.

Além disso, o juiz não permitiu que a defesa tivesse acesso à delação, alçada à condição de prova secreta. Um absurdo inominável, que o Supremo deverá corrigir. Não bastasse, pela petição do advogado dos colaboradores que está acostada aos autos e por outras cópias já conhecidas, está absolutamente comprovado que Junior não fez contribuição de campanha ao candidato José Serra.

Estadão: Qual, então, é a acusação feita a Junior?

Vilardi: Ao que parece, verificando também cópias de um processo contra o ex-governador Fernando Pimentel, Elon Gomes, sócio de Junior em empreendimentos imobiliários em 2014, diz que Junior recebeu pedidos de contribuição de campanhas e respondeu que não iria fazer porque a Qualicorp havia decidido não fazer doações a não ser para os candidatos a presidente e também porque estava enfrentando um processo de divórcio e não queria fazer de sua pessoa física.

Segundo se depreende (porque não se teve acesso ainda), Elon diz que Junior solicitou a doação, mas que ele a fez. Enfim, Junior não foi responsável pela doação, muito menos pela forma. Essa história já foi contada à Justiça Eleitoral de Minas Gerais e Junior não foi sequer acusado. Aqui, tornou-se o personagem principal. É inaceitável.

Estadão: Mas a PF acusa Junior de lavar dinheiro. É verdade?

Vilardi: Desde a edição da Lei de Lavagem, em 1998, leciono sobre o tema. Jamais vi uma acusação tão equivocada. Em primeiro lugar, lavagem de dinheiro depende da consumação de um crime antecedente. Ora, a afirmação feita pela primeira instância indica que ao se fazer uma doação eleitoral pelo Caixa 2, ou seja, sem declaração às autoridades, está se consumando o crime de doação eleitoral ilegal e, ao mesmo tempo, o crime de lavagem de dinheiro. Um rematado absurdo.

Em segundo lugar, há outro fato que contraria a lógica. Junior foi anunciado com uma espécie de co-autor da doação ilícita, ao mesmo tempo em que foi acusado de ser o responsável pela organização financeira do candidato que estaria a lavar dinheiro. Ora, é óbvio que um doador não tem nada a ver com a estrutura da campanha. É tão básico quanto óbvio. Por isso, é que ninguém, das pessoas ligadas à campanha, já ouvidas no Inquérito, conhece o Junior.

Estadão: Há ainda uma acusação de formação de quadrilha…

Vilardi: Uma quadrilha bastante estranha, onde os personagens sequer se conhecem. Uma quadrilha para dar dinheiro a um candidato? Elon e Junior se uniram, de forma estável, para doar dinheiro a candidatos? Não há como sustentar uma acusação como esta. É um absurdo cogitar que o empresário que doa para uma campanha, ainda que de forma não declarada, possa responder pela estrutura da campanha ou pelo destino do dinheiro. Não há precedentes neste sentido.

Estadão: Por que Dias Toffoli suspendeu as investigações da Lava Jato eleitoral paulista?

Vilardi: Porque não se tinha qualquer suspeita de corrupção, mas ainda assim fez-se uma conjectura para deflagar a operação: vamos ver se a doação foi por liberalidade ou se mirava um ato de ofício, o que não é admitido pela Jurisprudência brasileira. Para tanto, cometeu-se uma ilegalidade; passou-se a investigar o atual mandato do senador Serra e a busca e apreensão procurou verificar em seu gabinete se existiam provas de benefícios a Junior, o que só poderia ser autorizado por um ministro do Supremo, e não por um juiz de primeira instância. Assim, foi desobedecida uma ordem do ministro Gilmar Mendes que permitia a investigação do senador José Serra pela primeira instância, mas por fatos anteriores a 2014.

Estadão: Parte da sociedade entende que o Supremo impede o desenvolvimento das investigações pela primeira instância. O senhor concorda com esta crítica?

Vilardi: Não. O que acontece é que está havendo excessos. A decisão do ministro Dias Toffoli é irretocável. Fala-se que a investigação se deu até 2014, mas há um relatório nos autos investigando as medidas legislativas do Senador de 2014 até 2020. Não pode. Critica-se o Supremo, sem verificar os excessos cometidos. Parte da sociedade gosta da espetacularização trazida por essas operações e critica o Supremo pelo que faz de melhor: retomar a legalidade.

Estadão: Quais as medidas que a defesa pretende tomar a partir de agora?

Vilardi: Aguardaremos o julgamento definitivo da reclamação e esperamos que a Suprema Corte autorize o acesso à prova já juntada aos autos. Seja como for, tomaremos todas as medidas cabíveis para comprovar a inocência de Junior. Respeito a Lava Jato, mas não posso admitir excessos como ocorridos neste caso.

Estadão: Houve grande repercussão a respeito da manifestação do Procurador Geral da República falando em correção de rumos. A Lava Jato está em risco?

Vilardi: Está correto o Procurador Geral da República: é preciso uma correção de rumos. Durante esse debate que envolve a Lava Jato, verifica-se a ocorrência de exageros. Nos últimos dias, voltamos a assistir operações espetaculares e acusações excessivas. O combate à corrupção e os crimes financeiros é fundamental, mas deve se dar nos limites da Lei e com sobriedade. As apurações devem ser incentivadas, sem que contemplem o lavajatismo, como bem observado no Editorial desse jornal no último domingo.

Entrevista publicada originalmente em O Estado de S. Paulo.

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