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Há uma merda no meio do caminho

Há uma merda no meio do caminho

Por Paulo César de Carvalho

“Assim, as bases cristalizam-se como resíduos, mas o espírito se esfuma (…). Há quantos dias Bonifácio não evacua? (…). Pobre Bonifácio! Teus santos pensamentos constipam-se, uma vez que não podes exprimi-los pela boca ou pela pena. Ó tu, vítima da profundidade das ideias, ó tu, pia constipação”. (MARX, Karl. “Escorpião e Félix”. In: “Escritos ficcionais”. São Paulo: 2018, pp. 41 e 47).

Em 1⁰ de janeiro de 2019, na cerimônia de posse do 38⁰ presidente da República dos Bananas, o golpista Michel Temer transmitiu a faixa verde-amarela ao neofascista vitorioso na farsa eleitoral de 2018, que a ajustou – com a sórdida soberba dos déspotas – sobre a bolsa colostômica. A propósito, não por mera coincidência, o indigesto adereço abdominal fora incorporado à indumentária oficial do “inominável” após o suposto atentado que teria lesionado exatamente seu intestino intelectual.

Em outros termos, não à toa a tal bolsa de Bolsonaro, expondo as fezes a fim de evitar infecções no local, sintomaticamente pusera à mostra o impróprio produto interno bruto cerebral presidencial. Para não parecer que escatológica é a paráfrase do provérbio, como se contra excrementos de fato houvesse argumentos, esta “coleta” de 9 de agosto de 2019 vai direto – curto e grosso – e reto aos “olfatos”. Na coletiva à saída do Palácio do Planalto, Bolsoasno foi confrontado com o veredito condenatório do agrotóxico agronegócio – sob a insuspeita severa sentença da revista científica “Nature” -, julgado como agente criminoso que desmata e mata incontinente, responsável – irresponsável impune – por um quarto do nefasto efeito estufa do inferno planetário.

Em resposta à pergunta sobre a eventual possibilidade de conciliar os – insaciáveis inconciliáveis – interesses econômicos com a sustentabilidade ecológica, a bolsa boçal abriu a boca colostômica, jogando cocô no microfone: “É lógico que sim [é possível crescer com preservação]. É só você deixar de comer menos um pouquinho. Quando se fala em poluição ambiental, é só você fazer cocô dia sim, dia não, que melhora bastante a nossa vida também, tá certo?”

O jornalista poderia ter replicado que, sendo essa proposta parte do projeto necropolítico governamental, Sua Excrescência realmente tem se esforçado muito não só para que o povo coma “menos um pouquinho”, mas sobretudo para que não coma nem um pouquinho. Não é “fake news” que o Brasil voltou ao Mapa da Fome: se é verdade que os números não mentem, entre 2018 e 2020, houve um expressivo aumento de 27,6% da fome no país. Numa população de 215 milhões de habitantes, 73 milhões comem mal, metade das crianças sofre insegurança alimentar, mais de 30% dos nordestinos passa fome e cerca de 14,5% das famílias vivem em situação de extrema pobreza.

Usando um termo chulo tão caro ao burro chucro, neste quadro caótico, é evidente que o “Produto Interno Bruto” só poderia estar mesmo uma “merda” (em sentido literal e entre aspas duplas): em 2020, vale destacar, registrou uma queda de 4,1% em relação ao ano anterior. Quanto ao gravíssimo problema do avassalador avanço do desmatamento em terras griladas, segundo dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, o (as)salto astronômico foi de 50% no triênio trágico do tanático desgoverno. Para se ter uma ideia do tamanho do buraco amazônico, entre 2014 e 2018, a média da merda foi de 112,8 mil hectares, pulando – em apenas 12 meses – para 215,6 mil, até abrir o clarão de 226,5 mil hectares em 2020.

Moral desta imoral história antiecológico-escatológica: o cocô não tem culpa (com o “peidão” do trocadilho) do buraco – reduplicado – ter virado este enorme rombo florestal. Ademais, se quem não tem terra, não tem emprego, não tem dinheiro e tem fome, se não come mal, não come; e se quem come menos faz menos cocô, e quem não come não faz cocô, porque para fazer cocô antes é preciso comer; logo, não tem mesmo – nem poderia ter jamais – qualquer cabimento culpar o cocô de quem come pouco, ou o “não cocô” de quem não come, pelo desastroso desequilíbrio ecológico. Na contramão do bom senso, contudo, a imunda boca bolsocolostômica sarcástica acusa o cocô do povo pela derrubada das árvores, culpando o “peidão” – trocadilho gasoso irrespirável – pelas queimadas: de “flato”, não poderia ser a “emissão de ventosidades pelo ânus” tupiniquim (segundo a definição de “peido” no “Aurélio” – “peidão” é aumentativo) – é obviamente tão ululante – a responsável pela colossal expulsão de 1,49 bilhão de toneladas de gás carbônico na atmosfera. Aliás, quem faz muito cocô – e muito dinheiro, é claro – várias vezes ao dia, é o grande negócio “agropecuniário”; o grotesco grileiro que faz da floresta pasto, pondo cabeça de gado no lugar de copa de árvore; o “neocoroné” que come como boi e caga como boiada – que nem come carne…

Por falar nisso, e sem perder o trocadilho bovino, vem à memória aquele indigesto vídeo da reunião ministerial de 22 de abril de 2019, que virou “carne de vaca” na imprensa, viralizando nas redes: foi justamente o ministro do Meio Ambiente, o facínora Ricardo Salles, quem descaradamente defendeu – com um machado numa mão, a motosserra na outra e o desmatamento na cabeça – que o governo aproveitasse oportunisticamente a preocupação da opinião pública com a tragédia pandêmica para “passar a boiada”, abrindo estratégicas brechas jurídicas com trator para institucionalizar a inescrupulosa – ecogenocida – lucrativa devassa florestal.

Indo direto – grosso – e reto ao ponto intestino da pútrida reunião minion-ministerial, o “flato” é que a imprensa computou impronunciáveis 37 termos de baixo calão: 6 saídos da cloaca do alto escalão; 31 excretados pela sórdida boca bolsocolostômica. Como se estivesse mesmo numa churrascaria com a equipe técnica do timeco de várzea federal, xingando bem alto o juiz e os bandeirinhas, o ex-capitão desbocado deu bandeira suja de indecência pública e notória, manchando a honra – da cúmplice golpista, desonrosa de/por/sem princípio – cartolagem institucional. Operação aritmérdica elementar, quem tiver estômago que refaça a conta: além de oito vezes “porra”, quatro vezes “putaria”, duas vezes “puta que o pariu”, duas vezes “filho da puta” e duas vezes “foder”, falou “bosta” sete vezes, disse “merda” cinco vezes e cuspiu “estrume” uma, esmurrando a mesa do boteco Brasil.

A propósito de tanto despropósito intestino, os impropérios coprofágicos saíram da bolsa desbocada exatamente no 519⁰ “ânus” da invasão da terra “em que se plantando tudo dá” – para encher o bolso e o bucho dos nababos, cantando o indecoroso hino, em uníssono suíno, sentados eternamente em vaso esplêndido. Aquele impudico “cocô”, contudo, só seria atirado no microfone três meses e pouco depois de ter jogado treze vezes “merda”, “bosta” e “estrume” no ventilador verde-amarelo. Diante da tremenda diarreia verbal de 22 de abril de 2019, pois, aquele “cocô” de 9 de agosto chega até a parecer mesmo coisa eufemística de criança, que aprendeu que é falta de educação – “é feio” – dizer que vai “cagar”. Não à toa o chargista Aroeira, censurado pelo capitão “bunda-suja” (sua alcunha jocosa dada pelos alto oficialato, depois de ir para a reserva na caserna com baixa patente), retratou-o de fraldão, com o título “Uma c*gada por dia”, corrigido pelo cagão-mor federal: “Uma? São várias, talquei? Ó! Lá vem outra!”.

Aliás, pensando no tal escatológico banquete patriotário nababesco da República dos Bananas, o jornal francês “Charlie Hebdo” flagrou a “fragrante” sobremesa sobre a toalha verde-amarela-azul-branca, servida despudoradamente sem “ordem e progresso”. O autêntico “dessert” do cardápio executivo neofascista, traduzido em francês como “Glace à Brésilienne” na faixa branca em lábaro celeste estrelado, foi/é o indigesto “sorvete brasileiro” bolsocolostômico de exportação. Para quem não viu a charge, enfim, o artista Nicolas Tabary mostrou o abjeto Jair defecando na bandeira o globo-bolo alimentar celeste sobre uma “casquinha”, como uma bola de sorvete de cocô. À esquerda do quadro, no balão branco, alertou a voz do coro do decoro “democrático-burguês” vermelho-azul-branco, condenando o público e notório atentado presidencial brutal ao pudor diplomático: “Ce n’est pas bien, Monsieur Bolsonaro, de faire caca sur tout le monde” (Não é bom, Sr. Bolsonaro, fazer cocô em todo mundo). No balão à direita (em fundo escuro, é claro), a “resbosta” indecente de Sua Excrescência: “Si! C’est bien!!! Car je fais caca un jour sur deux, pour préserver l’environnement et la planéte” (Sim! É bom!!! Porque faço cocô todos os dias, para preservar o meio ambiente e o planeta).

A culpa, contudo, não é do cocô, como contou cantando Hélio Ziskind na “História do Cocô” (da trilha da “Turma do Cocoricó”):

“Já tô acostumado/ Já tô acostumado a ser pisado/ Maltratado/ Ser jogado no esgoto/ Ser usado como xingamento/ Palavrão, coisa ruim/ (…) Ah coitado!/ Que coitado o quê?/ Ele é um cocô!/ Ô seu cocô, não fique chateado/ É mesmo/ O que há de errado?/ Vou contar a minha história/ Uma triste/ Triste história/ Me chamam de fedido/ Fedido!/ Nojento/ Nojento!/ Caca/ Caca!/ De tudo que é ruim/ Ninguém gosta de mim/ Mas eu não tô nem aí/ Eu sô cocô/ E eu nasci assim/ Já tô acostumado/ Cocô/ Cocô/ Olha o cocô!/ Já tô acostumado!/ Cocococô!/ Eu existo/ Porque vocês são bichos/ Que gostam de comer/ Milho é muito bom!/ Hum, chocolate!/ Hum, grama!/ E tanta comida serve pra quê?/ Pra gente ficar mais forte/ Mais bonito/ Mais crescido ó!/ Mais todo bicho que gosta de comer/ Depois do que ele come/ Lá dentro da barriga ele faz o quê?/ Cocô!/ Faz o cocô!/ Cocô!/ Ele faz o cocô/ Yeah/ Yeah/ Uuhh/ Ele faz o cocô/ Uôuô!/ Opa!/ Me dá uma licencinha?/ Cocô/ Cocô/ Hihihi/ Cocô/ Tá/ Mais agora posso limpar você daí?”

Se o problema fosse o cocô, seria mais fácil limpar. Mas o cocô foi sendo alimentado, foi crescendo, ficando mais forte, até virar esta merda bolsocolostômica com faixa presidencial. O “flato” infausto, enfim, é sempre a mesma cíclica história escatológica: sempre que a bolsa é pressionada, vaza bosta para todo lado. Como neste 21 de junho, em que Sua Excrescência chegou sem máscara em Guaratinguetá, agredindo misoginamente uma jornalista, mandando-a broncamente calar a boca e vociferando enfezado que “essa Globo é uma merda de imprensa”. Não dá mais para aguentar esse fedor horrendo “inominável”: já passou da hora de limpar essa cagada colossal no meio do caminho democrático! Xô, cocô! Fora, seu bosta! Se manda, seu merda! Chega de cagada!!!

Artigo publicado originalmente no Esquerda Online.

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