Por Gabriel Sabóia
Durante a elaboração do texto final da acusação da Lava Jato contra Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no caso do “tríplex do Guarujá”, chegou a ser considerada uma forma de desgastar o ex-presidente —que deu início à sua carreira política no movimento sindical— ante uma de suas principais bases de apoio.
Mensagens apreendidas pela Polícia Federal em operação de 2019 que prendeu hackers e agora submetidas a perícia pela defesa de Lula citam uma estratégia cuja intenção era deixá-lo “mal frente aos trabalhadores”. O documento da perícia contratada por Lula foi protocolado hoje no STF (Supremo Tribunal Federal) (leia a íntegra).
Procurado, o MPF (Ministério Público Federal) afirmou que “as supostas mensagens são fruto de atividade criminosa e não tiveram sua autenticidade aferida, sendo passível de edições e adulterações”. Em ofício enviado hoje à PGR (Procuradoria Geral da República) e ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), procuradores da Lava Jato rejeitaram a perícia de Lula. Sem citar nominalmente a defesa do ex-presidente, eles afirmam que a divulgação das mensagens é “um evidente plano de comunicação para influenciar” o julgamento de suspeição do ex-juiz Sergio Moro no STF (Supremo Tribunal Federal) e “anular condenações bastante sólidas”.
Em diálogo de 14 de setembro de 2016, o procurador Antônio Carlos Welter analisa texto da acusação —que resultou na prisão de Lula em abril de 2018— proposto pelos colegas. A grafia das mensagens foi mantida tal como consta na perícia da defesa de Lula protocolada no STF.
“Na última parte, o recebimento não decorre da fraude da Bancoop [Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo]. Melhor tirar essa referência. Ele foi beneficiado pela [empreiteira] OAS mediante um apartamento cuja construção foi assumido por ela. Se colocar Bancoop vamos atrair os fatos do MP-SP [Ministério Público de São Paulo]”, afirma.
A tese dos procuradores era de que o tríplex havia sido recebido como propina por Lula em decorrência de corrupção na Petrobras. Em situação diversa, o caso poderia deixar as mãos do então juiz federal Sergio Moro em Curitiba e ser direcionado à Justiça de São Paulo. A disputa envolveu até o STF e acabou com a vitória da Lava Jato do Paraná.
Ante as ponderações feitas por Welter, outro procurador —que não é identificado nos diálogos— defende: “Gostaria de manter de alguma forma a referência ao escândalo Bancoop para colocá-lo mal frente aos trabalhadores”.
Por meio de nota, o MPF diz que o fato de o autor da afirmação não estar identificado “reforça as dúvidas sobre a autenticidade do material”. “Sequer se sabe se a assertiva teria sido emitida por integrante da equipe”, afirma. O MPF também afirma que a denúncia contra Lula não descreve as fraudes da Bancoop. “A suposta afirmação destoa também do restante das supostas mensagens, não tendo sido acolhida por nenhum integrante da equipe”, acrescenta.
O comunicado conclui que “a teoria conspiratória de que a força-tarefa perseguiu um ou outro político ou réu é uma farsa com objetivo claro de anular processos e condenações”.
Calote da Bancoop atingiu 3.000 famílias
A empreiteira OAS, que segundo a Lava Jato deu o apartamento do Guarujá a Lula em troca de vantagens obtidas junto à Petrobras, assumiu a construção dos imóveis após um calote da Bancoop em seus associados. Quase 3.000 famílias ficaram sem os seus imóveis e amargaram prejuízos que superam R$ 100 milhões.
Associar Lula ao calote da Bancoop criaria, portanto, a narrativa de que o recebimento do tríplex teria ocorrido em meio a uma fraude na qual trabalhadores amargaram prejuízos.
O tríplex chegou a ser visitado por Lula e sua mulher Marisa em 2014, mas o ex-presidente sempre negou que fosse proprietário do imóvel. O apartamento está registrado em nome da OAS e já foi leiloado. A empreiteira, que reformou o tríplex, indicou que o imóvel era preparado para Lula e sua família. A defesa de Lula nega.
Procuradores viam fragilidade na acusação
Trocas de mensagens divulgadas pelo site The Intercept em junho de 2019 mostram que o procurador Deltan Dallagnol e outros membros da Lava Jato no Paraná tinham dúvidas sobre a solidez das provas apresentadas pela acusação do caso do “tríplex do Guarujá”.
Em 9 de setembro de 2016, Dallagnol enviou uma mensagem a um grupo do aplicativo Telegram chamado “Incendiários ROJ”. Dele, faziam parte os procuradores que trabalhavam no caso.
“Falarão que estamos acusando com base em notícia de jornal e indícios frágeis? Então é um item que é bom que esteja bem amarrado. Fora esse item, até agora tenho receio da ligação entre Petrobras e o enriquecimento, e depois que me falaram tô com receio da história do apto? São pontos em que temos que ter as respostas ajustadas e na ponta da língua”, escreveu Dallagnol ao fazer sua última leitura da denúncia contra Lula. Ninguém respondeu à mensagem.
Após ler uma reportagem do jornal O Globo em 2010 que atribui a Lula a posse de um apartamento no mesmo edifício do tríplex, Dallagnol mostrou-se mais convicto em prosseguir com a acusação. Em seguida, pediu que algum dos procuradores falasse com a jornalista que apurou a matéria.
O procurador Januário Paludo foi a outro grupo, o “Filhos do Januário”, informar que havia conseguido falar com a repórter. “Ela realmente confirmou que foi para GUARUJÁ e lá colheu diversas informações sobre os empreendimentos da BANCOOP”, disse.
“A matéria era para ser sobre a BANCOOP e o calote dado nos mutuários. Em Guarujá conversando com funcionários da obra – que ainda estava no esqueleto, é que ela descobriu que o triplex seria do Lula. Ela manteve contato com a Assessoria de comunicação do Palácio do Planalto que confirmou a informação”, escreveu o procurador.
Publicado originalmente no UOL.
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