Por Patrícia Valim
Nome central do movimento sufragista no país, professora baiana fundou o Partido Republicano Feminino (PRF)
Uma delas era Izabel de Mattos Dillon, considerada a primeira eleitora do Brasil. A outra mulher era a professora baiana Leolinda de Figueiredo Daltro, que tinha ido reclamar mais espaço na imprensa para sua luta pela emancipação das mulheres: “Se eu tivesse roubado uma galinha, no dia seguinte todos os jornais diriam. […] Todavia, como eu sou uma simples brasileira, que sonha a emancipação da mulher brasileira e trabalha por isso, ah, meu amigo!, sou posta no esquecimento”.
As palavras escolhidas para o subtítulo da manchete, “uma visita da tenacíssima combatente em prol do feminismo”, destacam Leolinda como uma mulher obstinada, persistente e teimosa. Algo incomum na época, pois uma pessoa tenacíssima era um adjetivo relacionado aos homens que participavam da política e ocupavam a esfera pública.
Justamente por isso, Leolinda foi criticada várias vezes pela maneira com a qual construiu alianças com políticos influentes, subverteu convenções sociais, ocupou espaços públicos, denunciou abusos e abriu caminhos sem volta para as mulheres na política.
Nascida por volta de 1860 na cidade de Laje, na Bahia, Leolinda se casou duas vezes e teve cinco filhos. Depois de ter ido para o Rio de Janeiro com o segundo marido e os filhos, construiu uma carreira notável como professora primária municipal, lecionando gratuitamente no período noturno para trabalhadores, meninas e mulheres. Para ela, a educação era a única via para o fim do sofrimento dos desassistidos e a verdadeira emancipação dos povos.
É inegável o impacto que a docência teve na militância de Leolinda, pois, além de ter incorporado em suas aulas o ensino de alguma profissão que garantisse autonomia econômica às alunas, ela deixou a família para viajar pelo interior do país para instruir os indígenas Xerentes por meio de uma educação laica. Algo escandaloso e arriscado, pois passou a denunciar o descaso das autoridades com as populações indígenas, despertando a fúria de posseiros locais e da própria igreja, como ela mesma relata em sua obra “Da Cathequese dos Índios no Brasil”, publicada em 1920.
Ao voltar para o Rio, Leolinda retomou seu trabalho como professora municipal e passou a hospedar grupos de indígenas em sua casa, passeando com eles pela cidade e levando-os às festas para que fossem incorporados pacificamente à sociedade. Apesar das críticas e chacotas, a militância de Leolinda foi fundamental para a criação de um órgão considerado um avanço para época, o Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais (SPILTN), cuja direção foi assumida por um homem, Cândido Rondon.
Leolinda provavelmente nutriu alguma expectativa para assumir a direção do órgão, mas o fato de não ter sido nomeada pelo motivo de ser mulher fez com que mudasse a estratégia política da luta pela emancipação e cidadania plena das mulheres. E agiu rápido.
No mesmo ano, em 1910, fundou a Junta Feminina Hermes-Venceslau para explicitar seu apoio político à candidatura para presidente do marechal Hermes da Fonseca ao tempo tempo em que lançou o Partido Republicano Feminino (PRF), que contava com mais de 4.000 afiliadas quatro anos depois.
Leonilda sabia que a conquista do voto pelas mulheres era uma luta coletiva e uma questão de tempo. Durante os anos que se seguiram até a conquista do voto pelas mulheres, em 1932, ela foi protagonista da própria vida e da luta sufragista no Brasil, pelo direito de uma mulher votar.
Teve de lidar com acusações diversas, tragédias pessoais, como a morte do segundo marido e de um filho, a epidemia da cólera e um acidente de automóvel que a impediu de participar do 2º Congresso Internacional Feminista quando Rachel Prado (pseudônimo da escritora Virgília Stella da Silva Cruz) foi proibida de homenageá-la.
A escritora feminista Maria Lacerda de Moura considerou o episódio um insulto à amiga e a defendeu em uma carta publicada em duas edições no Diário Carioca, ressaltando o pioneirismo de Leolinda na luta pela emancipação das mulheres, atribuindo a proibição da homenagem ao fato de que naquele momento a professora estava pobre, idosa, viúva e tinha sido “desprezada pelas elegantes que só conhecem as bolhas de sabão sopradas nos salões do mundanismo da ‘boa’ sociedade”.
Leolinda Figueiredo Daltro faleceu em 1935, vítima de um atropelamento. Recebeu várias homenagens públicas, destacando seu papel como diretora da escola Orsina da Fonseca, sua coragem ao se candidatar duas vezes mesmo não se elegendo e seu pioneirismo na luta feminista no livro que ela publicou em 1918, “Início do Feminismo no Brazil”.
Responsável por um legado imenso para a luta da nossa emancipação como cidadãs no Brasil, destaco o maior deles: “Minei, pacientemente, o terreno, sem que os inimigos do voto feminino se apercebessem do meu verdadeiro objetivo”.
TEXTO SOBRE SUFRAGISTA ENCERRA MÁTRIA BRASIL
Lançada em maio deste ano, a série Mátria Brasil se encerra com este texto sobre a sufragista Leolinda Daltro. O projeto apresentou 27 mulheres relevantes e, em geral, pouco conhecidas ao longo da história do país, desde a invasão portuguesa até a primeira metade do século 20.
Os textos foram assinados por historiadoras e historiadores de diversas regiões brasileiras.
A série foi idealizada pela professora do departamento de história da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Patrícia Valim, que também é uma das coordenadoras do projeto.
Publicado originalmente na Folha de S.Paulo.
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