Em Magé, na Baixada Fluminense, o chefe da milícia local era informante do batalhão. Por trás das dicas sobre paradeiros de traficantes, havia o interesse do miliciano em avançar sobre os domínios dos rivais. Em Itaboraí, na Região Metropolitana, paramilitares e PMs faziam operações conjuntas para matar traficantes. Já em Jacarepaguá, Zona Oeste da capital, a milícia, para garantir que não seria incomodada, avisava a PMs do quartel local, com antecedência, dia e hora em que iriam invadir favelas dominadas pelo tráfico.
Investigações da Polícia Civil e do Ministério Público escancaram como a milícia exerce uma influência silenciosa nas escolhas da segurança pública do Estado do Rio. Como mostram os inquéritos obtidos pelo EXTRA, a interferência vai desde um direcionamento para que as ações operacionais dos batalhões sigam os interesses dos paramilitares até o fechamento de acordos com agentes para garantir que não interfiram em invasões.
Ligações telefônicas gravadas com autorização da Justiça revelam que André Cosme da Costa Franco, o André Careca, além de chefiar a milícia que dominava os bairros de Suruí e Praia de Mauá, em Magé, passava informações a policiais do batalhão da cidade, o 34º BPM, sobre a atuação de traficantes na região. Com base nos dados, os agentes faziam operações que culminavam em prisões e apreensões de drogas e armas — e enfraqueciam os rivais de Careca no controle na região.
Na manhã de 30 de junho de 2019, Careca passou as coordenadas de uma boca de fumo a um PM identificado apenas como “Soares” e ainda combinou que iria ajudá-lo, mandando um comparsa comprar drogas, para facilitar o flagrante: “É só ver a hora em que está começando que eu mando o moleque comprar”, diz o miliciano. “A hora em que você falar que está montado, eu vou”, responde o PM.
Já em 6 de setembro de 2019, após Careca passar nomes, características físicas e localização exata de traficantes, o PM o convida para participar da operação: “Vamos no carro à paisana”, diz. Antes de desligarem, o miliciano ainda pergunta se o PM quer um carro emprestado para usar na ação.
Após investigações, André Careca e outros oito integrantes da milícia de Magé foram presos, no último dia 9, numa operação da Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF) e do MP. Além do chefe, foi alvo da ação o soldado do 34º BPM André Ribeiro Lopes do Nascimento, filho do vereador do município André Antônio Lopes. Segundo o inquérito, o policial militar vendia à milícia armas apreendidas em operações.
Artigo publicado originalmente no Jornal Extra.
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