Por Flávia Gianini
A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) vive uma guinada sem precedentes: os planos de privatização, iniciados em 2013, estão suspensos. A estatal que dispensou 7 mil funcionários e fechou mais de 300 agências nos útimos quatro anos voltou a dar lucro. Em 2022, ele foi de R$ 2,3 bilhões
Os Correios passaram por anos turbulentos. Quais as cicatrizes?
FABIANO SILVA – As consequências afetaram principalmente os empregados, que vivenciaram momentos difíceis, num clima muito ruim. Fui convidado pelo presidente Lula. Minha missão é fortalecer os Correios em seu papel de integrador nacional e afastar a possibilidade de privatização. Somos considerados umas das instituições mais confiáveis pelos brasileiros e reconhecidos como um dos maiores operadores logísticos do mundo.
Quais os planos para os próximos meses?
Queremos colocar a empresa no caminho da modernidade e da sustentabilidade, utilizando sua capacidade logística para fomentar os negócios nos âmbito nacional e internacional. Além disso, precisamos que as relações no ambiente de trabalho voltem a ser salutares. Com os projetos de expansão e inovação que estão na agenda estratégica da empresa, a estatal se firmará cada vez mais nessa posição de destaque mundial.
Como fazer de uma estatal centenária referência em um mercado tão competitivo como o de logística?
Os Correios do Brasil possuem respeito internacional. Afinal, são 360 anos servindo a um país tão desafiador como o nosso. A empresa contribuiu para o projeto de integração nacional buscado ao longo da história e segue acompanhando as transformações do cenário econômico e social do País. O comércio eletrônico hoje é forte e promissor graças aos serviços pioneiros de entregas expressas e de logística implementados pela empresa ao longo dos últimos anos. Sua infraestrutura instalada e cobertura interiorizada permitem a todos — cidadãos, pequenos e médios empreendedores, grandes empresas e entes governamentais — terem acesso a diversas modalidades de serviços, a preços competitivos.
A empresa surfou no crescimento do e-commerce nos últimos anos. Qual será o impacto de uma eventual estagnação do crescimento do varejo virtual nos próximos anos?
A transformação digital impulsionada pelas novas necessidades de consumo da população nos últimos anos veio ao encontro da estratégia dos Correios de ser o principal parceiro do e-commerce nacional e internacional. Ações aderentes a esse mercado, que já vinham sendo desenvolvidas, foram intensificadas, reforçando o importante papel dos Correios para a economia do País. Hoje o mercado apresenta novos hábitos de consumo. O consumidor atual é mais informado, conectado e prático. Conveniência e acessibilidade entraram definitivamente no rol de necessidades vinculadas à sua tomada de decisão. E, não obstante a retomada do varejo físico, a consolidação do e-commerce continua elevando o varejo digital a novos patamares. Ainda assim, o cliente atual tem consciência quanto aos seus direitos e liberdade de escolha em relação ao canal de compra que melhor lhe atender, seja físico ou digital. E os Correios estão preparados para ambos.
Monopólio estatal e empresa competitiva podem coexistir?
Sim, penso que seja possível. Os serviços prestados com exclusividade, que contemplam cartas, telegramas e malotes, têm o papel social que contribui para a universalização dos serviços postais, de extrema relevância para a população, em especial em um país de grandes dimensões como o Brasil. E sabemos que não há interesse de empresas privadas em levar cartas às localidades que não são rentáveis. Com investimentos e estratégia, queremos tornar os Correios cada vez mais competitivos, alinhando a sua robusta capacidade logística às necessidades do mercado no segmento concorrencial de encomendas e ao desenvolvimento econômico e social.
Oual o seu maior desafio como presidente dos Correios?
Assumimos uma empresa que estava à beira de ser privatizada. O corpo de empregados estava inseguro com esse processo que mexia com a vida de todos. A empresa tem uma importância gigantesca na vida de todos os brasileiros. Nos últimos tempos, foram feitas mudanças que sucederam a empresa com vistas à sua privatização. Nosso desafio é recuperar a confiança e o vigor de todo o time de empregados, para que sintam-se integrantes desse processo de transformação e no fortalecimento de nossos canais de vendas e estratégias de negócios para aumentar a receita. Um grupo de trabalho multidisciplinar está em formação para atuar no enfrentamento de desigualdades dentro e fora da empresa, bem como no combate de todo tipo de assédio moral e sexual. Meu compromisso é manter um ambiente plural e respeitoso em toda a estatal.
Sua experiência anterior lhe preparou para este momento?
Sinto muita motivação em participar da reconstrução do País. A motivação do presidente Lula é um combustível para que todos nos dediquemos à causa pública. É um desafio muito grande estar à frente da maior empresa de logística da América Latina. Temos uma grande tarefa de repensar a empresa, modernizá-la e torná-la mais competitiva, valorizando seus empregados e fortalecendo seu papel de integração nacional. A dedicação e experiência que tive na administração pública e no setor privado, somados ao time que constituímos, fornecem os elementos necessários para entregarmos os resultados pretendidos.
Qual a previsão para os números da empresa neste ano?
Assim como o mercado mundial, o cenário do e-commerce no Brasil é de retomada dos resultados, frente aos impactos do último ano. Com os Correios não é diferente, vivemos um momento desafiador e trabalharemos com foco total para garantir a sustentabilidade da empresa. Mas nem só de lucro vive a empresa. Além de operador logístico, oferecemos produtos e serviços de apoio ao governo como Cadastro de Pessoa Física (CPF), serviços bancários de saque e transferências, distribuição de vacinas e remédios, livros didáticos. Vamos, por exemplo, enviar para o litoral Norte de São Paulo, castigado pelas recentes chuvas, materiais de refugo que não foram retirados e estão armazenados à espera de leilão, como roupas, brinquedos e material escolar.
Concorrentes privados, como DHL, Mercado Livre, FedEx e TotalExpress têm apresentado bom desempenho em qualidade e prazos de entrega. Como os Correios enxergam essa concorrência e o que tem feito para se modernizar?
É natural que o crescimento do e-commerce promova o surgimento de novos concorrentes, sendo muitos nossos clientes, o que é saudável para o setor, pois potencializa a busca por melhores práticas para os clientes e para a sociedade. Ressaltamos que a qualidade operacional dos Correios do Brasil é uma das melhores em todo o setor postal mundial. Alinhado à modernização do nosso portfólio, a empresa expandiu o Sedex Hoje, serviço que oferece a entrega em poucas horas, trazendo mais tecnologia e velocidade às entregas, garantindo maior competitividade no mercado. E continuaremos apoiando o comércio nacional e exterior com soluções práticas e acessíveis, inovações significativas como: entregas no mesmo dia; soluções logísticas completas para toda a cadeia de valor das empresas; ampliação da coleta e da rede de atendimento com Lockers e Pontos de Coleta; evolução dos canais digitais; simplificação do processo de exportação; mais rapidez, tecnologia e informação nas importações; e modernização dos sistemas.
Sob o governo Lula, as estatais devem conviver com uma maior intervenção política. Quais os pontos positivos e negativos deste movimento?
Talvez meu exemplo seja importante. O presidente Lula escolheu um advogado de sua confiança para assumir uma das maiores empresas públicas do país em um momento em que a empresa caminhava a largos passos para a privatização. Creio que é importante aliar esses fatores, capacidade técnica e política. Não há qualquer problema de agentes políticos ocuparem cargos no governo, a criminalização da política nos levou à terrível situação que vivenciamos nesses últimos seis anos. Precisamos aliar as indicações políticas às credenciais técnicas necessárias para o desempenho da função pública.
Qual legado você gostaria de deixar para a instituição ao fim deste ciclo?
Estou totalmente motivado a apoiar a empresa a superar seus desafios e objetivos estratégicos, para torná-la ainda mais competitiva. Mas meu maior propósito é ver novamente os Correios como orgulho nacional, que todos percebam a importância desta empresa tão singular para o desenvolvimento do País.
Entrevista publicada originalmente na Isto É.
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