Senhoras Senadoras e Senhores Senadores,
O Grupo Prerrogativas, composto, sobretudo, por profissionais, docentes e pesquisadores da área jurídica, diante da iminência da votação do Projeto de Lei de Conversão nº 17/2021 (Medida Provisória nº 1.045) pelo Senado Federal, no próximo dia 01/09/2021, vem manifestar grande preocupação e verdadeiro REPÚDIO em relação aos seus significados e impactos e que, acaso aprovada, mais aprofundará as históricas desigualdades do mundo do trabalho brasileiro, afetando tanto as relações de trabalho, quanto a própria economia e as possibilidades reais de desenvolvimento econômico e a criação de emprego que sua exposição de motivos afirma objetivar.
São muitas as pesquisas nacionais e internacionais evidenciando que todos os países que adotaram medidas flexibilizadoras de direitos e desconstrutoras de seus sistemas de proteção social ao trabalho não resolveram, muito ao contrário, os graves problemas do desemprego e da integração social, tal como proposto, no caso, pela lei de conversão em comento. Cenário que será tanto mais grave para o Brasil, país cujo mercado de trabalho é marcado por históricas assimetrias e exclusões e cujos dados da PNAD C móvel, do último trimestre, evidenciam volume assustador de uma população fora da força de trabalho. São quase oitenta milhões de brasileiros e brasileiras nessa situação, força da força de trabalho, sem qualquer forma de proteção social, para não falarmos dos que, incorporados à PEA, crescem de forma assustadora, sobretudo depois da reforma trabalhista de 2017: informais, desempregados, desalentados, subocupados, subcontratados, “empresários de si próprios”, sem direitos e sem demandas, a se avolumarem nas ruas das cidades, sem moradia e em luta para saciar a fome, no desespero da busca de sobrevivência pessoal e familiar.
Na realidade, essa MPV, ao radicalizar os sentidos da reforma de 2017, atinge gravemente o sistema público de proteção social ao trabalho, na contramão da via civilizatória que a regulação e as instituições públicas apontam e contribuem para construir. E, nesse sentido, ao instituir categorias distintas de trabalhadores, com ou sem direitos, com ou sem recolhimentos aos fundos públicos e inaceitáveis desonerações, acaba por sepultar as possibilidades da incorporação dos desgarrados do sistema e, atingindo a demanda por consumo, impede a própria recuperação da nossa combalida economia. Dados da PNAD-C, do IBGE, mostram para primeiro trimestre de 2021 cerca de 15 milhões de desempregados, mais precisamente 14,8 milhões de pessoas, cerca de seis milhões de desalentadas, com altíssima taxa de crescente informalidade (quase quarenta milhões, mais precisamente 35,618 milhões) , de subocupação e subutilização, que contrariam as promessa tanto da reforma trabalhista e das Medidas Provisórias subsequentes, quando da previdenciária, evidenciando as falsas ideias que as fizeram aprovar.
A Medida Provisória nº 1.045, além de reconhecidas inconstitucionalidades, desrespeitando, inclusive, decisão do STF publicada em 2016 por introduzir matérias alheias tanto às medidas provisórias em geral quanto à Medida Provisória originária, não é instrumento apto ao cumprimento das reiteradas promessas não cumpridas que, desde a reforma trabalhista de 2017, são alardeadas, trazendo o signo da ineficácia quanto aos fins a que se propõe. Estudos de centros de pesquisa do trabalho, bem como experiências empíricas têm provado que não é reduzindo ou flexibilizando direitos que serão resolvidos os graves problemas do mundo do trabalho brasileiro, escancarados e aprofundados pela pandemia da Covid -19, mas, sim, dinamizando a economia com planejamento público, políticas e medidas dirigidas ao trabalho.
A medida aprovada açodadamente pela Câmara dos Deputados, em desrespeito ao devido processo legislativo e sem diálogo com a sociedade, fere normas constitucionais e convencionais sobre o tema, bem como desrespeita decisões do STF, comprometendo a concretização da democracia já tão abalada no país diante dos arroubos autoritários e constantes ameaças do Presidente da República. E, com programas como PRIORE e REQUIP, introduzidos pelo relator na Câmara dos Deputados, introduz modalidades de contrato de trabalho com baixo custo, sem direitos com lesão aos fundos públicos, impactando negativamente as políticas de seguridade social e de transferência de renda, além de trazerem para o ordenamento relações de trabalho profundamente precárias, rebaixando direitos e ferindo o patamar mínimo civilizatório de que trata a Constituição de 1988. Além disso, traz disposições sobre direito material e processual que, em muito, transbordam o período da crise sanitária, ampliando jornadas de trabalho e assegurando, para as horas suplementares, adicional de 20%, inferior ao previsto constitucionalmente, entre outras lesões a direitos que inconstitucionalmente consagra. Mais uma vez, sem nenhuma pertinência temática com o objeto original da MP, subverte o processo legislativo, em afronta ao art. 2º caput da Constituição Federal.
O Requip, por exemplo, ao falso argumento de introduzir os jovens ao mercado de trabalho, amplia essa juventude de forma única, sem suas especificidades temporais, além de assegurar a contratação por período logo e que transborda o tempo da crise sanitária, estabelece um vínculo contratual de natureza civil, sem vínculo de emprego e sem pertencimento a uma categoria profissional, esvaziando, também, a amplitude e eficácia das negociações coletivas, em flagrante burla aos direitos sociais. Por outro lado, introduz concorrência espúria entre jovens sem direitos e seus pais ou avós, talvez desempregados, jovens que, provavelmente, serão os escolhidos para as vagas abertas em detrimento daqueles detentores de todos os direitos. Será essa a sociedade que almejamos construir?
Chama a atenção dos Senhores e Senhoras Senadoras para o contrabando legislativo, também, com a inserção de artigo que restringe o acesso ao poder judiciário para pessoas com renda familiar per capita de até meio salário mínimo, ou renda familiar mensal total de até três salários mínimos. Ou seja, cria um inaceitável obstáculo ao instituto da gratuidade de justiça, trazendo graves prejuízos, sobretudo aos trabalhadores onerados ao buscarem seus direitos na Justiça do Trab. Além disso, o beneficiário precisa ter cadastro no CadÚnico, o canal oficial do governo federal para programas sociais.
O estratagema é claríssimo. E ademais, com possibilidade de uso de recursos públicos para o financiamento do programa, pari passu às expressivas desonerações ao setor empresarial.
Por tudo isso, o Grupo Prerrogativas conclama que o Senado Federal não abdique uma vez mais de sua função de casa revisora e some à dignidade a coragem de retirar a medida da votação agendada para o dia 01/09/2021, sob pena de estar contribuindo para um autêntico ataque parlamentar contra a Constituição Federal que estilhaçará a dignidade do Ser humano trabalhador(a).
Grupo Prerrogativas, 31 de agosto de 2021
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