Por Daniel Rittner e Fabio Graner
Coordenador do Núcleo de Economia, Guilherme Melo defende mudança no regime de metas
O PT ainda quer o fim do teto de gastos, mas hoje defende uma nova regra fiscal no lugar. “Em 2018, havia mais resistência. Hoje há consenso”, afirma Guilherme Mello, professor de pós-graduação do Instituto de Economia da Unicamp, que foi responsável pelo programa econômico de Fernando Haddad nas últimas eleições presidenciais e hoje coordena o núcleo de economia ligado à Fundação Perseu Abramo, o órgão de estudos do partido.
Mello disse ao Valor que as maiores prioridades para 2023, em caso de vitória da oposição, são um novo arcabouço fiscal e a reforma tributária. O economista, que ressalta não falar pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, defende também ter um BNDES “capitalizado” e repensar a política de preços da Petrobras. Ele considera o atual regime de metas inflacionárias rígido demais – não pelas metas estipuladas, mas por olhar o IPCA cheio e ter como referência o ano-calendário. Outros países, lembra, preferem núcleo da inflação e períodos mais longos para absorver choques temporários.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Novo arcabouço fiscal
“Na campanha de 2018, havia mais resistência, menos consenso no PT sobre a necessidade de um arcabouço fiscal no lugar do que existe. Hoje é consenso. Veja que, do outro lado, quem não aceitava discutir uma flexibilização do teto também abrandou suas posições. Do lado do PT, a resistência sobre haver ou não uma nova regra foi superada. Temos atualmente um emaranhado de regras e nenhuma delas é cumprida direito: regra de ouro, Lei de Responsabilidade Fiscal, teto de gastos e PEC Emergencial, que ainda prevê uma regra para dívida. A maioria dessas regras é ultrapassada, tanto na literatura como na prática. Veja o caso da regra de resultado primário, que é pró-cíclica. Em períodos de crescimento, você arrecada muito e gasta mais, com o risco de superaquecimento da economia. Quando se está em plena recessão, ela requer corte de gasto e isso aprofunda a crise. Se você realmente quiser uma regra de superávit ou déficit primário, pode adotar bandas ou prazos maiores, plurinanuais.”
Fim do teto de gastos
“Não adianta ter uma regra absolutamente dura e que não se consegue implementar. Em 2019 furaram o teto capitalizando estatal. Depois veio orçamento de guerra, gasto extraordinário e agora tem o drama dos precatórios. A regra atual não sinaliza nenhuma trajetória. Quem faz parte do jogo democrático precisa entender uma nova regra fiscal como plausível e que valha a pena preservar. Não estamos falando de retirar a regra do teto e não colocar nada no lugar. Estamos falando de tirar uma regra de despesa e colocar outra mais alinhada com a experiência internacional. Nossa ideia é uma regra de gasto que não estará na Constituição, ter uma lei com certo consenso. Uma regra que defina a despesa de quatro em quatro anos, anunciada de forma transparente, com subtetos, aprovada no Parlamento, que tenha cláusulas de escape. A gente tem que fazer uma regra que permita ao governo eleito decidir. Se ele for liberal, pode dizer que o crescimento real da despesa será zero. Pode ter um limite para a fixação desse objetivo. A LRF foi isso, uma âncora fiscal importante, por muito tempo. Hoje não é mais.”
Expansão do gasto público
“Vai haver uma expansão fiscal. Muita gente diz que ela foi enorme no governo Dilma, mas o crescimento real da despesa foi muito menor do que no governo Lula e menor também do que no governo FHC. A grande questão foi a trajetória da receita. Como houve desaceleração da economia e muitas desonerações, ela ficou comprometida. A gente tem uma visão de que é possível ter trajetória melhor da receita, com reforma tributária, se conseguirmos reativar o crescimento, o emprego, a renda, o crédito. O Estado terá papel mais direto, seja no gasto, seja na indução.”
Reforma tributária
“O próprio Lula tem dito que é preciso colocar o rico no Imposto de Renda. Taxar lucros e dividendos. A oposição votou a favor da proposta de reforma do IR na Câmara, mas a proposta não é boa porque reduz a arrecadação com tantas deduções. Meu sonho é que o Senado não vote o projeto e que, em um próximo governo, possamos aproveitar o que existe de bom nessa proposta e corrigir o que tem de ruim. Mesmo entre economistas liberais, há um consenso maior, uma visão de que é preciso ter mais progressividade, taxar mais a renda e o patrimônio dos mais ricos, reduzir tributação do consumo, simplificar.”
Preço dos combustíveis
“Temos que repensar, sim, a precificação da Petrobras. Já participei de algumas discussões. Uma possibilidade é pegar o custo de produção e colocar uma margem de lucro em cima, que pode ser a média do setor. Se houver uma oscilação do preço internacional, por muito tempo, isso pode gerar prejuízo para a empresa e você precisa de uma fórmula de correção – mas não a fórmula atual, com certeza. Não acho que seja a prioridade de um novo governo. A gente não sabe sequer como estará o barril do petróleo e a taxa de câmbio, mas já vimos que essa forma de precificação não é a melhor. Em algum momento precisaremos tocar nisso.”
Metas de inflação
“Temos um compromisso com a estabilidade de preços. Ninguém discute abandonar as metas de inflação. O problema é que o nosso desenho é de 1999. Foi adotado em uma crise inflacionária, saindo do câmbio fixo, com excesso de rigidez. Teve muita mudança de lá para cá. Os países que adotam metas de inflação adequaram seus regimes às novas realidades e ao avanço da literatura. A gente ainda usa IPCA [cheio]. Outros países preferem núcleo da inflação. A gente faz meta para o ano-calendário. Outros fazem metas com prazos mais dilatados, justamente para acomodar choques temporários. Se a gente olhar para os sistemas de metas em todo o mundo, o Brasil tem hoje os critérios mais rígidos.”
Independência do BC
“Não há debate, no momento, sobre revogar a independência do Banco Central. Somos contra a forma como ela foi aprovada. O novo governo só vai conseguir maioria entre os diretores da autoridade monetária no terceiro ano de mandato. Sem isso, você fica incapaz até mesmo de implantar um viés mais ‘hawkish’ ou mais ‘dovish’. Mas esse debate não ocorreu até agora [no partido]. A agenda mais fundamental é atacar a fome, a miséria e o desemprego. Isso é urgentíssimo. Para tanto, é absolutamente prioritário discutir o arcabouço fiscal.”
Missões
“A economia saiu de uma recessão e não se recuperou. Está como uma pessoa deprimida: deitou e não consegue mais se levantar. O debate não pode girar só em torno de reformas. O que estamos pensando é trabalhar com um estilo de desenvolvimento orientado por missões, uma abordagem da Cepal, dos objetivos do milênio da ONU. Elaborar, a partir das demandas sociais e ambientais, missões: acabar com a fome, universalizar o acesso ao saneamento básico, melhorar indicadores educacionais, de saúde. Vai ter que ter participação dos entes federados e participação popular, o que dá legitimidade às missões”.
Bancos públicos
“Não temos a visão do atual governo, de descapitalização dos bancos públicos, mas também não é a visão do governo Dilma. O foco do nosso projeto de desenvolvimento atual não são mais as campeãs nacionais, mas financiar missões, o desenvolvimento tecnológico. Para isso vamos precisar de um novo BNDES, não um banco mirrado, mas capitalizado e que pense, sim, em desenvolvimento. Não sei se a taxa de juros [Selic] vai para 2% de novo, especialmente se o país voltar a crescer de forma distributiva. Então vamos precisar de um banco de desenvolvimento. Certamente não vai ser no modelo do PSI [programa de sustentação de investimento, com taxas altamente subsidiadas], mas teremos que pensar em algo.”
Artigo publicado originalmente no Valor Econômico.
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