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O Tribunal Superior Eleitoral e a justiça de ontem

O Tribunal Superior Eleitoral e a justiça de ontem

“A justiça é o pão do povo.
Às vezes bastante, às vezes pouca.
Às vezes de gosto bom, às vezes de gosto ruim.
Quando o pão é pouco, há fome.
Quando o pão é ruim, há descontentamento.

Fora com a justiça ruim!
Cozida sem amor, amassada sem saber!
A justiça sem sabor, cuja casca é cinzenta!
A justiça de ontem, que chega tarde demais!”

(Bertolt Brecht)

Lembro com perfeita clareza e jamais me esquecerei da primeira eleição de que participei como juíza eleitoral. Foi no ano de 1989, em São Bernardo do Campo. Guardo até hoje uma espécie de botton identificador de ser juíza daquela eleição.

Era juíza substituta e estava no meu primeiro ano da magistratura.

Senti no ombro o peso da responsabilidade por atuar pela primeira vez na Justiça Eleitoral, que carrega, por sua competência, um dever inigualável do desejo popular em relação a vida democrática do país. E acrescia naquela eleição o fato de ser a primeira vez que tínhamos eleição diretas para Presidência da República, no pós-ditadura civil-militar de 1964.

Os nervos estavam à flor da pele, com receio de que pudesse cometer algum erro. Estudei loucamente tudo o que era possível. Li e reli todas as normas. Pesquisei decisões. Imaginei milhares de intercorrências e a solução que poderia dar. Chamei o paciente diretor do cartório umas mil vezes, e ele, com sua experiência, me tranquilizou em relação aos mesários. Ele estava certo. Eram todos experientes e a contagem de votos transcorreu tranquila e rapidamente, levando em conta que a contagem era manual.

Era importante que tudo corresse bem e rapidamente, e eleição era prioridade absoluta. O juiz da zona mãe decidia tudo de forma muito ágil. Lembro do grande movimento no gabinete do magistrado, nas semanas anteriores ao dia de eleição. Juízes não podiam tirar férias em alguns meses que antecedem essa data de cidadania.

Lição para juíza principiante: eleição tem um quê de sagrado. Gaste todas as suas energias para atuar perfeita e rapidamente, para que a vontade popular seja garantida e que ela possa se dar de forma legítima.

Fiquei realizada e feliz por trabalhar naquelas eleições.

A partir daquele aprendizado de recém-juíza, venho para 2018/2021.

É voz corrente nos meios jurídicos que a Justiça Eleitoral é o ramo mais célere da Justiça brasileira.

Cabe ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em conjunto com os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) e juízes eleitorais, a responsabilidade direta pelo processo eleitoral , que envolve a manifestação de cerca de 148 milhões de eleitores, espalhados em 5.568 municípios deste nosso país continental. Para tanto, o julgamento das diversas ações possíveis, decorrentes desse processo eleitoral, deve carregar o marco da agilidade.

É certo que a Constituição de 88, em razão da Emenda 45/2004, introduziu a garantia explícita de celeridade para todos os processos, no artigo 5º, inciso LXXVIII, determinando que todos têm direito ao processo em um prazo razoável.

Mas a natureza do Direito Eleitoral e suas consequências para a democracia exigem uma energia suplementar do Poder Judiciário, que deve imprimir celeridade ao quadrado.

Vejamos julgamentos em relação à eleição presidencial de 2018.

Entre as ações previstas no Código Eleitoral, temos a frequente ação de investigação judicial eleitoral (Aije), que tem prazo exíguo para propositura e tem por objeto infrações eleitorais relativas a uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social em benefício de candidato ou de partido político. É usada contra a prática de condutas vedadas a agentes públicos em campanha eleitoral, contra a captação ilícita de sufrágio e para apurar arrecadação ou gasto indevido de recursos de campanha eleitoral.

Pois bem, em relação às ultimas eleições presidenciais, foram propostas oito demandas no TSE (Aijes: 0601369-44, 0601401-49, 0601752-22 , 0601771-28, 0601779-05, 0601782-57, 0601968-80, 0601969-65).

Algumas, que ainda não foram julgadas, têm por objeto o ilícito eleitoral consistente em abuso do poder econômico, uso indevido dos meios de comunicação social e digital, ilicitude em captação e gastos de campanha. A prática desses atos tem por consequência a cassação da chapa eleita, que é una, pois para concorrer ao Poder Executivo a candidatura é sempre de chapa indivisível, com candidato à presidência e vice-presidência, de modo que, se comprovado o ilícito, que logicamente beneficia ambos, impõe-se a cassação da chapa, com a realização de novas eleições.

O principal fato imputado diz respeito ao popularmente chamado “caixa dois”. Empresas ou empresários teriam contratado empresas para realizar disparos em massa de mensagens de conteúdo eleitoral, através do aplicativo WhatsApp, sendo que esses valores de contratação não constariam da prestação de contas eleitoral de Bolsonaro/Mourão.

Além da questão do “caixa dois”, há ainda a destinação ilícita de efetuar disparos massivos por meio digital, com propagação de fake news, o que não é permitido, pois fere o necessário equilíbrio eleitoral.

Sabemos o quanto a produção massiva de disparos de fake news é danosa para o desenvolvimento de uma sociedade.

Nestes tempos em que vivemos a pandemia mundial da Covid-19, pesquisa realizada no Brasil indica que a população tem recebido grande quantidade de fake news por via digital.

Estudo da Fiocruz apontou as principais redes sociais propagadoras de notícias falsas sobre o coronavírus. Os dados revelam que 10,5% das notícias falsas foram publicadas no Instagram, 15,8% no Facebook e 73,7% circularam pelo WhatsApp.

Pesquisa da Avaaz aponta que as redes sociais são as maiores responsáveis pela propagação de fake news. Cerca de 110 milhões de pessoas acreditam em pelo menos uma notícia falsa sobre a pandemia, no Brasil. Esse número corresponde a sete em cada dez brasileiros.

Essa pratica de massificação de disparos e de fake news corrompe a legitimidade eleitoral.

Esses fatos, transportados para as eleições, têm de ser julgados com a urgência que se espera do Judiciário Eleitoral

Só recentemente o ministro do STF Alexandre de Moraes autorizou o uso de prova emprestada, para que aquelas produzidas em inquérito que tramita no STF possam ser juntadas nas ações eleitorais, lembrando que nesse quadro também há elementos de prova na CPMI do Congresso Nacional, conhecida como CPMI das Fake News.

Essas ações já estão tramitando faz dois anos no TSE! Até hoje não temos o julgamento sobre o tema e os fatos mais avassaladores da eleição presidencial de 2018.

Não se pode dizer que a Justiça Eleitoral está a cumprir seu mister com a celeridade necessária. Afinal, metade do mandato já transcorreu e é dever do Judiciário eleitoral conferir o controle de integridade das eleições, para que se tenha legitimidade das urnas e segurança democrática.

Justiça de ontem, que chega tarde, é justiça ruim.

Publicado no Consultor Jurídico.

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