A Justiça do Trabalho que conhecíamos já não existe. Teve origem e trajetória controversa, primeiro como arbitragem pública obrigatória, no âmbito do Poder Executivo, depois, a partir dos anos 40, como ramo autônomo da jurisdição, já no Poder Judiciário. Passou por fases, umas mais “redistributivistas”, outras mais adequadas à função ambivalente de assegurar a paz social, reprimindo as mobilizações coletivas, ao mesmo tempo que, no plano individual, impunha o cumprimento dos direitos estabelecidos em leis ou em instrumentos normativos.
A JT do terceiro milênio, contudo, experimentou uma alteração significativa. Os concursos públicos a partir do início do corrente século permitiram que um segmento social identificado com valores individualistas, hedonistas e de direita ocupasse sua estrutura institucional, seja na magistratura, seja em seu pessoal administrativo. Hoje a Direita Concursada é maioria na JT. As aposentadorias dos mais antigos alteraram a correlação de forças interna de tal modo que aquela JT que conhecíamos já não existe mais. Remanescem, reconheça-se, juizes e servidores comprometidos com a principiologia do Direito do Trabalho, mas estes constituem minoria que tende a ficar cada vez mais irrelevante numericamente.
Uma das espécies de metonímia, figura de linguagem, a sinédoque consiste na substituição de uma palavra por outra, ampliando ou restringindo o sentido semântico da frase ou da ideia expressada.
Por sinédoque e por apego nostálgico muitos que defendem a heteronormatividade, a atribuição por lei de direitos e deveres às partes em relações de emprego, expressam sua opção axiológica na Defesa da Justiça do Trabalho. Querem, ao defender a JT, expressar a defesa do DT que conhecíamos.
Todavia, o DT depois das reformas trabalhistas decorrentes do golpe de 2016 já não é o mesmo, e a JT que temos já não se pauta pelos mesmos valores que a caracterizavam durante os primeiros sessenta anos de sua existência.
Evidência desta significativa alteração encontra-se desnudada na decisão de Ives Gandra Martins Filho atendendo ao que postulou a PETROBRAS para reprimir e tentar impedir a greve dos petroleiros.
“TutCautAnt – 1000961-35.2019.5.00.0000
Quanto à postulação patronal, acolho-a em parte, com lastro no art. 297 do CPC, para: 1) autorizar a Autora a suspender o repasse mensal às entidades sindicais rés de verbas a elas destinadas, até o limite das multas impostas no presente feito; 2) determinar o bloqueio cautelar das contas das entidades sindicais rés que aderiram à paralisação, no limite de R$2.000.000,00 (dois milhões de reais) a cada dia de prosseguimento do movimento paredista.
Intimem-se as Partes com urgência. Cumpra-se.
Publique-se.
Brasília, 25 de novembro de 2019.
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO Ministro Relator”
A mesma JT que acolhe, com impudico entusiasmo, a “prevalência do negociado sobre o legislado” decide sem nenhuma moderação bloquear as contas correntes dos sindicatos fixando estratosférica multa DIÁRIA de DOIS MILHÕES DE REAIS para impedir a greve, para obstaculizar a negociação. Essa é a JT que temos.
Apesar disso, e de todo o resto, muitos advogados insistirão na defesa acrítica e incondicional da JT. O velho Graciliano Ramos, um mestre na utilização das figuras de linguagem, por um de seus personagens, eternizou o “não arriscaria prejudicar a tradição, embora sofresse com ela” (Vidas Secas, p. 76). Haja sinédoque.
Deixe um comentário
Seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos obrigatórios estão marcados com *