Por Vinícius Castro
Ou o Brasil enfrenta de uma vez por todas sua herança autoritária e escravocrata — sem enfiar a cabeça no chão, sem fingir que ela não existe — ou ela nos engole.
1.
O Brasil tem uma crise de violência comparável, em números, a uma guerra civil. E uma que corre há vinte anos sem qualquer resolução concebível. Morre mais gente aqui do que em zonas de guerra conflagrada, morre mais gente de forma violenta aqui do que em quase todo o resto dos países juntos. Qualquer discussão sobre o assunto precisa começar com uma admissão adequada da urgência e gravidade desse quadro.
Todo mundo concorda que o Estado lida de maneira inadequada com a situação, mas é claro que os polos do espectro político levantam bandeiras opostas (a direita dizendo que a impunidade reina no Brasil por causa dos direitos humanos, a esquerda apontando os abusos da polícia e geralmente sugerindo soluções de justiça social para a violência).
Eu diria que o buraco é bem mais embaixo. O complexo de repressão penal no Brasil não só falha em garantir a segurança pública, não só comete eventuais injustiças e ilegalidades, mas é, no seu todo, um sistema de retroalimentação da violência e de reprodução integral do fosso de desigualdade que produziu e ainda produz esse país. Os abusos e as arbitrariedades do sistema não são acidentes, mas elementos estruturais. Um policial executar um homem negro ou pobre (ou preto de tão pobre) no Brasil não é uma transgressão — ainda que seja um crime tipificado —, é a manutenção da norma.
Ou seja, não é só que o sistema não faz bem o seu trabalho. Não é só que ele tem falhas. Ele ativamente produz e amplifica violência de maneira sistemática, repetindo os sulcos das linhas de força que recortam este território infeliz.
E isso com todos os avanços reais garantidos pela Constituição, com todos os esforços de defensores públicos, familiares, assistentes sociais e entidades dos direitos humanos para garantir um mínimo de viabilidade ao sistema, o fato é que temos uma máquina de distribuição de dor para corpos negros e pobres que não passa nem perto de respeitar os seus limites legais estabelecidos. Uma máquina que amplifica o domínio da violência por todo o tecido social, ainda que quase sempre recaindo sobre um mesmo demográfico (e respingando nas camadas imediatamente acima).
E todo mundo sabe disso. Ao contrário da violência autoritária da época da ditadura, que acontecia nos porões, longe da retórica oficial, hoje a violência é plenamente admitida e reconhecida pelas instituições. A sua inconstitucionalidade flagrante é reconhecida pelo STF e ainda assim é sustentada diariamente pelas decisões do Judiciário e do Ministério Público, que não só decidem manter a massa carcerária presa em masmorras insalubres, um terço dela presos provisórios, mas decidem continuar enchendo esses depósitos de carne além da sua superlotação atual.
O desesperador, claro, é que isso já operava quando tínhamos um governo de esquerda no poder federal (o que, para mim, é o grande defeito dos governos do PT, com todos os seus méritos em outras áreas, e mesmo reconhecendo a extrema dificuldade política e operacional do assunto).
Não dá para saber qual é o limite das nossas já esgarçadas instituições com um presidente de mentalidade miliciana, governadores como Witzel no Rio de Janeiro e uma massa de militância de direita sedenta por sangue. Por mais que o pacote da bucha fascista antes conhecida como Sérgio Moro tenha sido desidratado nos seus pontos mais absurdos, o fato é que não é preciso de legislação nenhuma para se torturar e matar a parcela ‘matável’ da população. E a polícia do Rio cometeu 40% dos homicídios do Estado, em números oficiais (se botasse a conta dos desaparecidos e da milícia, então, a conta chegaria a que percentagem?).
De certa forma, é como se pela primeira vez em sua história o Estado brasileiro assumisse plenamente o seu rosto de repressão autoritária. Com avanços e recuos, momentos piores e menos piores, a história do Brasil é uma história de apropriação violenta de terra, exploração massiva de escravos e manutenção violenta da ordem por uma pequena elite branca preguiçosa, mesquinha e autocomplacente. Muito mais do que a língua ou qualquer ficção nacional convincente, o que manteve a unidade da América portuguesa foram os corpos de rebeldes esquartejados em praça pública. Pela primeira vez, temos um presidente e um movimento de massas de direita que celebra essa história sem nenhuma vergonha, orgulhosos de Ustra e do genocídio indígena. Autênticos brasileiros. Todo alarme soado é pouco.
2.
No dia 8 de fevereiro de 2019, a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro executou 15 pessoas de maneira brutal e grotesca na favela do Fallet. Um homem foi eviscerado, como relata uma reportagem da Piauí, embora o relatório do legista tenha omitido esse pequeno detalhe. O governador Wilson Witzel, assassino de uma nota só, aplaudiu o que ele chama de abate de terroristas, Carlos Bolsonaro disse que aquilo era o começo de uma nova era. Papai curtiu.
Em março, tivemos o tenebroso ataque na escola em Suzano e, logo depois, o pior atentado terrorista da história da Nova Zelândia, executado em nome da cultura ocidental e da supremacia branca contra o islamismo e o pluralismo, executado como espetáculo midiático ao vivo em várias plataformas imagéticas corporativas (com comentários e elogios dos que assistiam).
Assim como o neozelandês, o evento tenebroso na escola de Suzano parece ter sido inspirado pela cultura dos chan, os fóruns que se orgulham de ser o submundo na internet, lugar anônimo por excelência que produz muitos dos memes que vão vicejar nas plataformas corporativas mais tarde, esses lugares onde pedofilia e nazismo dão as mãos como itens intercambiáveis de um mal cartunesco, adolescente e, ao mesmo tempo, seríssimo.
Pelo pouco que aguentei ver, o vídeo da Nova Zelândia parece visualmente indistinguível de um jogo FPS (ou atirador em primeira pessoa). As motivações e os métodos nos três casos foram diversos, mas todos têm em comum uma brutalidade midiatizada e produzida para espetáculo, resultado de uma escalada de violência previamente registrada, assim como uma decalagem simbólica intransponível entre os mundos daqueles que matam e o daqueles que morrem.
Pessoas não matam pessoas, imagens matam pessoas.
3.
Uma maneira de reunir e tentar entender elementos comuns desses três casos é a partir da ideia de escalada imagética. Marie-José Mondzain introduz essa ideia para descrever a relação de escalada entre a guerra ao terror norte-americana e os grupos terroristas islâmicos.
A mudança de fase do Daesh em relação à al-Qaeda pode ser, em parte, explicada pelo comportamento das forças norte-americanas. Como diz Mondzain:
“A decapitação de um jornalista americano no Youtube não tem mais nada a ver com a decapitação do imam Hussein no Tazieh, mas tudo a ver com os pequenos filmes filmados em Abu Ghraib nas cadeias militares americanas. É na escola de televisão americana que Daesh ou al-Qaida aprenderam a linguagem espetacular da performance horrificante ou edificante.”
A violência grotesca de Abu Ghraib desemboca nos vídeos espetaculares do Daesh, que por sua vez invocam um recrudescimento das forças norte-americanas. O espetáculo impessoal exige que os patamares de choque e agressão se vejam sempre renegociados, o horror e o fascínio se misturando ao consumo generalizado desses gestos terríveis. O gesto violento se molda no molde do inimigo. Performance e contra-performance, como diz Mondzain.
Outra maneira de dizê-lo: imagens invocam seus negativos. Não estamos distantes, também, aqui, do conceito do antropólogo norte-americano Gregory Bateson de cismogênese (schismogenesis), que tenta descrever processos de cisão social por meio de interações cumulativas desse tipo (onde uma resposta intensa de um lado provoca uma resposta mais intensa do outro).
Em grande medida todo mundo já vê isso acontecendo. Um campo percebe um exagero do outro e quer dobrá-lo. A meta dobrada é alcançada e quase imediatamente superada. E ninguém consegue fazer parar.
4.
Essa escalada imagética da violência no Brasil, ou essa cismogênese, no entanto, está longe de ser simétrica. Quem facilita e carimba o nosso autoritarismo é o Ministério Público e o Judiciário, que a meu ver deviam receber a maior parte da revolta e indignação dirigida geralmente aos policiais, a camada mais fodida de toda a cadeia de repressão. A maioria do Ministério Público e do Judiciário está contente em esgarçar e arrombar a lei para legitimar a violência do Estado contra seus alvos históricos. E ainda fazem isso bem pagos, bem refrigerados, de boca cheia, longe de qualquer risco. As grandes exceções, como a juíza Kenarik Boujikian, são perseguidas.
Mas tampouco são policiais, juízes ou promotores os grandes moduladores da escalada imagética de violência. Em alguma medida, as imaginações curtas destes se veem tão arrastadas pelos termos da escalada quanto um moleque indefeso no meio de um tiroteio ou um comentarista de portal.
Se nos últimos anos nós vimos uma ascensão política da classe policial, que chegou a muitos cargos representativos, o caldo da ascensão autoritária no Brasil se faz há mais de duas décadas na televisão vespertina, e vários de seus expoentes vêm migrando para a política com sucesso nos últimos anos.
A década de 90 já produzia os seus “Aqui e Agora”, já tinha Luiz Carlos Alborghetti batendo seu porrete na mesa, mandando bandido para o inferno e misturando um humor alucinado com uma visão conservadora do grotesco nacional. Todos esses programas se apresentam como serviços de utilidade pública, mostrando a realidade nua e crua e apresentando uma plataforma para reivindicações dos espectadores.
Além dos grandes programas nacionais, temos inúmeras produções locais de menor porte rondando porta de delegacia e cadeia à procura de gente para humilhar. Da minha adolescência até a faculdade, era comum, mesmo entre gente de esquerda da classe média alta, assistir essas humilhações às gargalhadas no Youtube.
Na lei de execução penal, diz-se no artigo 41 que a proteção contra qualquer forma de sensacionalismo está entre os direitos do preso. Ainda assim, estes programas capturam a imagem de suspeitos, inclusive menores, para condenação prévia e pública. A falta de escrúpulos é tamanha que os programas também costumam expor vítimas, como no caso da TV Cidade, do Ceará, afiliada da Record, que exibiu um estupro de uma criança de nove anos.
Apresentadores como Datena e Marcelo Rezende vêm condensando e intensificando essa fórmula de grotesco e catarse punitiva há quase três décadas. Especialistas criticam esses programas desde que eles surgiram, e a legislação vigente permitiria que pelo menos alguns dos excessos mais evidentes dos programas fossem combatidos, mas as tentativas nesse sentido — como a ação civil pública de 2017 no Paraná — não costumam dar em muita coisa.
Ano passado, um seriado da Netflix (“Bandidos na TV”) chamou atenção para um caso particularmente sinistro do norte do país, do apresentador Wallace Souza. Wallace tinha um programa nos moldes de um “Cidade Alerta” chamado “Canal Livre”, em Manaus, onde agia como fiscal da vontade do povo e supervisor da ação policial. Seu sucesso lhe trazia uma influência extraordinária na cidade, que chegou a elegê-lo congressista.
Wallace foi acusado, em 2009, de ter ordenado alguns dos assassinatos que seu programa acompanhava, muitas vezes com exclusividade (chegando a aparecer antes da polícia em algumas cenas de crime). O programa que se construía em cima da sua vigilância contra a violência, portanto, chegava a produzir diretamente algumas das mortes que lhe traziam audiência. Não fica mais evidente do que isso. Num filme de ficção, soaria exagerado, talvez.
O caso do “Canal Livre” é um paroxismo singularmente doentio, mas não precisa ir tão longe para reconhecer o papel que esses ciclos de violência espetacular têm tido sobre a teia imagética do comum. A referência imediata de boa parte dos brasileiros, cristãos em sua maioria, ao repertório tacanho do “bandido bom é bandido morto” e “direitos humanos para humanos direitos” para lidar com a violência endêmica da sociedade, tem uma fonte muito evidente. O fato de que seu próprio Deus foi crucificado entre dois ladrões depois de ser torturado pelo Estado não parece ressoar nenhum sino na cabeça de ninguém.
Ninguém precisa assistir esses programas para herdar os bordões e a atmosfera que eles ajudam a produzir. Os meios de comunicação não são nem um espelho objetivo da sociedade e nem uma máquina puramente ideológica, mas uma produção material de realidade em massa, reforçando e reverberando determinados gestos e circuitos em detrimento de outros, amplificando feixes de desejo e medo.
Um amigo que trabalha com menores infratores conta que, ali naquele mundo, aparecer em um programa desses é medida de respeito. Afinal, muitos moleques constroem sua própria imagem de poder e força a partir desse próprio repertório, a partir do espaço negativo do medo do outro.
Além de todas as outras forças que conspiraram de maneira tão infeliz e mirabolante para resultar na eleição do ano passado, no desastre lento que se arrasta diante dos nossos olhos, Bolsonaro é o que dá depois de trinta anos de punitivismo penal alucinado ocupando as tardes de milhões e milhões de brasileiros justamente revoltados. O filme “Um dia na vida”, de Eduardo Coutinho, explica melhor do que muito cientista político.
5.
Não estou fingindo ser especialista sobre o assunto. Sou só um cidadão que já estudou Direito em algum momento da vida, e que se preocupa muito com estas questões. E admito que por muito tempo — do alto da minha inocência — quando alguns pesquisadores e militantes apontavam a influência política da indústria de armas e de segurança privada nesse campo, eu não dava tanta importância assim.
Para mim, o operante parecia ser uma antiga estrutura autoritária e racista rodando em falso numa máquina democrática, uma coreografia coletiva mórbida e involuntária muito mais forte do que qualquer letra de lei. Parecia-me mais uma inércia conservadora derivada realmente do medo do que uma conspiração ardilosa deliberada.
Mas o crescimento vertiginoso da indústria de segurança privada na última década não pode ser desprezado. Entre 2002 e 2015, o faturamento desse setor foi de 7 para 50 bilhões de reais. Pelo menos um quarto dessas empresas está nas mãos de agentes públicos de segurança (e há sinais de que o número real é bem maior). Não precisa ser Sherlock Holmes para perceber que para alguém que vende segurança privada não é muito interessante que a segurança pública vá bem.
A milícia do Rio chegou ao governo federal, e o seu modo de operar, ou pelo menos parte dele, pode muito bem se alastrar pelo país, de maneira dirigida ou espontânea. O Brasil já tem três vezes mais agentes de segurança privada do que agentes de segurança pública. Um golpe policial-miliciano hoje soa mais plausível do que um militar, até.
6.
Gilbert Simondon oferece o conceito de “tensão de informação” para descrever a propriedade possuída por um esquema de estruturar um domínio energético, propagar-se por meio dele, ordená-lo.
Um arranjo tenso, nesse sentido, é capaz de modular e estruturar energias muitas vezes maiores do que a sua própria. Bolsonaro é um arranjo tenso, inclusive no sentido de ser energética e estruturalmente insignificante.
Em grande medida, ele só conseguiu ordenar com tanta facilidade um campo tão vasto, na base do ódio e do medo e mais nada, pela absoluta incapacidade da direita e da centro-direita de produzir lideranças carismáticas viáveis por tanto tempo. O espaço vazio era enorme, o campo de insatisfação com o PT esperava qualquer sinal viável para amplificar, a grande inércia conservadora brasileira e a grande massa de oportunismo do Centrão estava doida para agarrar-se a qualquer coisa.
O fato de que Bolsonaro cresceu completamente nessa dinâmica de cismogênese e escalada é o que torna tão ridículos os chamados isentões pelo fim da polarização dos “dois extremos”. Tentar chegar ao centro para conciliar algo com Bolsonaro apenas o permite levar o centro mais ao extremo da direita.
Bolsonaro só tem um botão, uma estratégia, a radicalização vociferada e mesquinha contra tudo que se possa conceber como esquerdista, dos direitos humanos ao meio ambiente, e a destruição do Estado. Além de um vago e incorente sentimento nacionalista e religioso, e de um gozo pela violência estatal, não há nada que reúna de fato o bolsonarismo, nem na militância e nem no governo.
É evidente que o que o que esse governo precisa receber em todas as frentes é enfrentamento, e não conciliação. Mas o fato é que essa escalada imagética de cismogênese também faz com que a indignação moral da esquerda crie e alimente a imagem de seus próprios inimigos. A carreira inteira de um saco de pus como Danilo Gentili foi construída assim.
Pegue a foto dos dois candidatos do PSL quebrando a placa de homenagem a Marielle Franco. A cara deles na foto é de quem está fazendo uma piada. De quem está zoando. Uma imagem de uma vereadora negra assassinada pelo Estado talvez seja para eles algo engraçado por si só. Mas dá impressão de que a cara deles ali é mais de alguém que sabe que vai provocar um choque, e que esse choque vai ser excelente para os seus objetivos.
Então o choque indignado da esquerda, que já era o motor daquele gesto, ajuda a propagá-lo. Olha o que esse cara fez com os esquerdistas, kkkkkkkkk. O fato de terem adotado a alcunha “opressor” como algo positivo diz muito, acho. Toda a persona política da nova direita fascistinha é um ato reativo à esquerda e ao PT, o negativo perfeito do nosso bom-mocismo.
Nós não podemos quebrar esse ciclo, mas podemos tentar pelo menos escapar do moralismo como estratégia, e dos lugares-comuns na hora da argumentação (se é que isso ainda ocorre em algum lugar). Mas que imagem poderia quebrar essa cadeia? Que forças políticas teriam qualquer capacidade de enfrentar esse circuito enrijecido de ódio, e a sede da elite e da classe média por vingança?
É difícil ter qualquer esperança de afetar a cabeça podre da maioria da nossa elite e da nossa classe média, afundadas nos seus poços respectivos de privilégio e ressentimento escravocratas. Mas diria apenas que os esforços nesse sentido podem tentar se concentrar nas organizações e nas entidades que conseguem reverberar uma imagem que vai contra os sulcos e os circuitos que já circulam nesse campo.
As Mães de Maio — grupo formado pelas mães dos mais de quatrocentos jovens paulistas assassinados pelo Estado em maio de 2006 — assim como outras organizações de parentes de presos, precisam ter suas ações e vozes amplificadas, de modo que mesmo aqueles que estão se lixando completamente para o que sofre um preso possam ver que a dor que o Estado produz de maneira sistemática vai muito além daquele indivíduo.
Ela alcança as mães que se acumulam em filas desde a madrugada nos presídios de todo o país, em dia de visita, com comida em recipientes transparentes, prontas para as revistas vexatórias que continuam acontecendo em tantos lugares (mesmo depois de proibidas). Alcança as centenas de milhares de filhos de presos, e todas as comunidades que convivem com a presença desses rombos.
A Frente pelo Desencarceramento, com várias filiais pelo país, mistura familiares, egressos, militantes e profissionais da área, também vem tentando construir uma rede de proteção nesse momento de recrudescimento, além de produzir uma agenda nacional para mobilização a nível legislativo. Merecem todo o apoio que puderem receber.
A organização dos policiais antifascistas também é muito importante, tanto para mostrar para a esquerda que a batalha pela humanização e pelos direitos dos policiais tem de ser uma bandeira nossa, quanto para mostrar para os conservadores menos alucinados que tem muito policial que discorda da prática e da retórica genocidas dominantes.
A reconstrução democrática a partir de 1988 teve muitos avanços importantes, com vários ganhos institucionais inegáveis. Mas fica cada vez claro que o arremedo de pacto civilizatório que conseguiu se ajambrar varria a violência para debaixo do tapete, tentava produzir cidadania sem lidar com a arquitetura autoritária do complexo de repressão, que produz policiais militares bestializados e cadeias de envergonhar a Idade Média.
Jair — este tumor — é um sintoma, o retorno do reprimido, nesta e em outras dimensões. E ele pode ser só o começo de algo ainda pior. Ou o Brasil enfrenta de uma vez por todas sua herança autoritária e escravocrata — sem enfiar a cabeça no chão, sem fingir que ela não existe — ou ela nos engole.
Artigo publicado originalmente no Passa Palavra.
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