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Testagem em Brasília prova subnotificação e explica a avalanche de mortos

Por Reinaldo Azevedo

É moralmente homicida a pressão que certos setores estão fazendo sobre os governadores para pôr fim ao
distanciamento social. O Distrito Federal começou um processo de testagem ampla. Nessa primeira fase, o objetivo é
fazer 100 mil exames. Nesta terça-feira, foram testadas 3.196 pessoas, e houve 46 casos confirmados de Covid-19.
Parece pouco? Não, meus caros! Trata-se de um número alarmante.

Não seria correto estimar, a partir desses dados, o possível total de doentes por 100 mil habitantes porque só foram
submetidas ao teste pessoas que apresentavam algum sintoma. Mas o procedimento prova, sim, a brutal
subnotificação de casos no Brasil, o que explica a situação dramática no atendimento à saúde já vivida por alguns
Estados. Por que isso?

Havia uma média de 28 casos por dia de Covid-19 no Distrito Federal, que tem uma população de pouco mais de 2,9
milhões de pessoas. Uma simples testagem num grupo de 3.196 evidenciou nada menos de 46 doentes. Com a
incorporação dessas ocorrências, o DF tem agora 903 casos confirmados.

Atenção! Fossem mesmo apenas 903, já teríamos 31,13 casos por 100 mil habitantes, um número alto. Se a média
brasileira fosse essa, os doentes seriam, nesta terça que passou, 65.373, não 40.581, como foi noticiado pelo Ministério
da Saúde.

Ocorre, reitero, que uma simples testagem num grupo de 3.196 pessoas detectou 46 casos — 64,28% maior do que a
média conhecida.

Situações dramáticas

O desastre vem Manaus é uma evidência da brutal subnotificação da doença. Querem ver? O cemitério público Nossa
Senhora Aparecida, no bairro Tarumã, optou por covas coletivas porque não consegue atender à demanda por
sepultamentos individuais.

Antes do coronavírus, havia uma média de 30 enterros por dia. No domingo passado, foram 122. Não obstante,
oficialmente, a capital do Amazonas tem apenas 156 mortes por Covid-19. Em todo o Estado, são 182, com 2.160
infectados. E olhem que esse já seria um número alarmante porque corresponderia a 52,12 doentes por 100 mil
habitantes — se o número se reproduzisse no Brasil, seriam 109.452. E, como se pode notar, deve haver muito mais do que isso.

O Ceará já tem 100% de seus leitos de UTI ocupados. Em Recife, capital de Pernambuco, a ocupação é de 99%. No
hospital Emílio Ribas, em São Paulo, um centro de referência no atendimento a portadores de doenças
infectocontagiosas, já não há mais leitos desse tipo disponíveis. Sete outros estabelecimentos na capital paulista
chegam ao já perigoso número de 70%. No Estado como um todo, a ocupação é de 60%, mas, na Grande São Paulo, é
de 80%. No Rio, cinco centros de emergência já estão sem vagas, incluindo o hospital Ronaldo Gazzola.

No dia 2 deste mês — há menos de três semanas! –, ao negar a gravidade da contaminação e pregar o fim do
distanciamento social, o presidente Jair Bolsonaro disse estas palavras a seus seguidores na entrada do Palácio da
Alvorada: 

“Eu desconheço qualquer hospital que esteja lotado. Desconheço. Muito pelo contrário. Tem um hospital no Rio de
Janeiro, um tal de Gazolla [Hospital Municipal Ronaldo Gazolla], que, se não me engano, tem 200 leitos. Só tem 12
ocupados até agora”.

Alguns Estados estão relaxando o distanciamento social. A pressão é grande, oriunda, muito especialmente, de setores do empresariado. O governador João Doria resistiu e estendeu a medida até o dia 10 de maio. Nesta quarta, deve ser apresentado um plano ainda não-detalhado de saída gradual. Segundo consta, e é o correto, o governo vai subordinar a sua execução e a mudança de etapas aos números de infectados e mortos.

Pressão inaceitável

No mundo inteiro, é evidente, há a expectativa do fim dos mais variados graus de medidas de restrição. Ocorre que
elas são o único instrumento para tentar conter o caos no sistema de saúde público e, se querem saber, também
privado. Não estamos livres dele ainda.

Um movimento de retirada sem ampla testagem poderia ser uma catástrofe. E é claro que não adiantará, como ele
exortou que o façam, jogar a responsabilidade no colo de Bolsonaro. Ele não se responsabiliza por coisa nenhuma. Até
porque estamos falando de vidas humanas. Ainda que assumisse a culpa, isso não ressuscitaria ninguém.

No dia 2 de abril, o presidente afirmou ainda:
“Então não é isso tudo que estão pintando. Até porque, no Brasil, a temperatura é diferente, tem muita coisa diferente aqui.”

Deveria se candidatar a uma vaga de coveiro em Manaus.

Prestem atenção ao resultado da testagem no Distrito Federal. Talvez ajuda a calar a boca de alguns irresponsáveis.

Artigo publicado originalmente no UOL.

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