Por Roberto Tardelli
Agora, vai.
Tava aqui pensando. Sexta-feira, suzim no escritório, dia bom pra pensar.
Toda novela tem uma carta, podendo se dividir a trama em “antes da carta” e “depois da carta”, um plot-point, em que a mocinha é na verdade irmã do vilão. A carta vem de longe, de uma personagem – quase sempre uma anciã, misteriosa, que de tudo sabe, sabe mais até do que a autora da história.
Me lembro dos horóscopos de jornal, em que, virava e mexia, vinha lá que “uma carta poderá trazer notícias de parentes”. Na verdade, era assim: uma carta poderá notícias de …, nessas reticências revezavam-se viagens, parentes, propostas, doenças, tudo. A carta era tão parte do horóscopo quanto a cor ou o número da sorte do dia.
Aos dezoito, podíamos tirar a “carta de motorista”, momento de alta tensão na vida. A prova da baliza e a prova da rampa. Destruí a firção de um fusca e reprovei tres vezes. Tres vezes, até poder receber minha “carta de motorista”!
Meus professores chamavam a Constituição de “Carta Magna” e, tão linda que eu acho essa expressão, até hoje eu a uso, pouco me importando se está correta ou não, mas porque é sobretudo poética, uma Carta.
Tempos atrás, pouco até, enviei uma carta. Uma cartinha de amor, quis fazer com minha letra, quis fazer num papel bonito, quis que a doce amada quando a recebesse sentisse sua textura, sua caminhada, sua trajetória, sentisse que que ela foi feita muito longe (um e-mail nao sabe o que são as distâncias que o amor supera), visse a grafia insegura de quem está apaixonado. Até hoje ela guarda e soube que confessou a uma amiga que eu era tão estranho que “me mandou uma carta, com selo e tudo”. ela nunca havia recebido uma cartinha de amor. Venci a concorrência.
Lembro de meu pai, hj aos 88, que jogava xadrez, por carta, em partidas que duravam meses, algo de muita responsabilidade porque o jogo não poderia ser interrompido.
Digo tudo isso, meu amigo Fabiano, porque nos Correios estão nossas memórias, nossa cultura. Presidir os Correios é diferente de tudo.
Um beijo enorme, meu caro, que reabilitemos as cartas, que nos façam tremer as mãos abrir delicadamente um envelope perfumado.
Prometo que, a cada cartinha que abrir, vou agradecer e dedicar uma taça de vinho a você.
Boa sorte! Muito boa sorte!
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