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A tributação indireta no banco dos réus

A tributação indireta no banco dos réus

Julgamento estava previsto para esta 3ª O ministro Luis Roberto Barroso o adiou pode repercutir a todos tributos indiretos

Por decisão do ministro Luis Roberto Barroso, em homenagem à segurança jurídica, como anota, foi retirado da pauta de julgamento da 1ª Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) o Habeas Corpus (RHC 163334) no qual serão examinados os limites constitucionais e legais do crime de “apropriação indébita”, no caso de tributo (ICMS) declarado e não pago.

Ao mesmo tempo, pelo reconhecimento da relevância do tema, o ministro suspendeu por liminar os efeitos de execução da pena, decidiu afetar o processo para o pleno do Tribunal e aceitou os demais amici curiae* no processo.

Além disso, o ministro marcou audiência pública para melhor exame da matéria. Em suas palavras: “Tendo em vista a sensibilidade da controvérsia, que demanda uma reflexão detida sobre a eficácia dos meios atuais de arrecadação tributária e os limites da política criminal-tributária”. Agiu, pois, como se espera que uma Corte Constitucional conduza os grandes temas de uma República e decida sobre os valores democráticos.

A criminalização da conduta de não recolhimento de ICMS próprio, regularmente escriturado e declarado pelo contribuinte, como hipótese do tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990, é questão que justifica ampla discussão, pois o entendimento que se possa firmar neste caso pelo STF poderá repercutir e colocar também no banco dos réus sujeitos passivos de outros tributos indiretos, como PIS/COFINS, ISS, IPI ou IOF.

Toda a celeuma tem origem em decisão da 3ª Seção do STJ (Superior Tribunal de Justiça), ao examinar o Habeas Corpus nº 399.109/SC e definir que o tipo da apropriação indébita abrangeria os tributos nos quais “há responsabilidade por substituição e tributos indiretos”. Isto sob questionável alegação de que, mesmo nos casos envolvendo ICMS próprio, haveria apropriação indébita dos valores cobrados dos consumidores de mercadorias, na medida em que seriam elemento integrante da fórmula dos preços praticados pelos vendedores.

O tipo penal do art. 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/1990 cinge-se às hipóteses nas quais alguém, que a legislação coloca na qualidade de sujeito passivo, desconta ou cobra tributo que seria devido por um terceiro. (“Deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos”).

De fato, no caso de tributo cujo fato gerador já ocorreu e tem-se o dever de transferência pela fonte pagadora, quando retido (descontado ou cobrado), como se verifica nos casos de retenção na fonte (IRPF), justifica-se o emprego do inciso II do art. 2º, da Lei nº 8.137/1990, ainda que efetuada a declaração, porque houve a entrega do dinheiro pelo contribuinte. Isto mediante prova do dolo de apropriar-se indevidamente.

Nestes casos, o Supremo já decidiu que a apropriação indébita de tributo é espécie dos tipos omissivos materiais (STF. Pleno, Inquérito nº 2.537-2 – Goiás, Rel. Min. Marco Aurélio de Mello, de 10/03/2008), logo, deve haver exame da culpabilidade, e não o emprego de sanções tributárias por imputação objetiva, sem exame do dolo, a pretexto de ser crime “omissivo” que se esgota com a falta de pagamento. Seria converter a cobrança do tributo numa forma de “direito penal do inimigo” (Günther Jakobs).

Ora, quando o contribuinte declara tributo próprio, com confissão sobre a integralidade do débito, não se pode admitir que nesta ação de boa fé e em conformidade com a legislação exista alguma resistência à satisfação do direito do credor, porquanto a Administração Fiscal sempre poderá cobrar o devedor mediante execução fiscal. Em parecer solicitado pela Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), que atua como amicus curiae, enfatizamos este aspecto.

O mero inadimplemento não se pode converter em “apropriação indébita”, como advertia Nelson Hungria. Ou mesmo na linha da Súmula 430, do STJ: “O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente.” Logo, tanto menos, sanção penal.

Há quem considere aquela mudança de entendimento do STJ, que antes só a adotava para os casos de contribuições previdenciárias ou retenções na fonte, uma decorrência do precedente do STF segundo o qual o ICMS não compõe a base de cálculo para incidência do PIS e da COFINS. (STF, RE 574706, relatora: ministra Cármen Lúcia, julgado em 15 de março de 2017). Contudo, são coisas distintas.

O ICMS destacado na nota fiscal presta-se apenas para fins informativos, como diz o art. 13, § 1º, I da Lei Complementar 87/1996, ao tempo que se calcula o imposto pela compensação com os créditos apurados, conforme a não cumulatividade. E nunca como mero somatório das notas fiscais emitidas.

Até porque existe o cálculo por dentro do ICMS, pode haver descontos, inadimplência, parcelamentos do preço, não pagamento total e outros. Portanto, os consumidores de mercadorias não entregam parcela certa do tributo devido, a ser repassada ao erário sob a forma de dívida certa, descontada ou cobrada.

A alegação de “apropriação indébita”, nos termos do inciso II do art. 2º, da Lei nº 8.137/1990, no caso de tributo não cumulativo (ICMS) declarado e não pago, é recurso de desespero, típico de um “direito financeiro de crise”, no qual o aparato penal tem sido usado pelos Estados como meio de coação para obter êxito nas suas cobranças tributárias.

Como noticiado pela imprensa, 7 Estados consideram-se em “calamidade financeira”. Entretanto, isso não é motivo para tamanha agressão aos direitos de liberdade.

De fato, esta prática pouco reflete os valores republicanos de justiça ou de fim de “impunidade” em matéria de crimes tributários, como todos desejam. Fosse essa a finalidade real, estariam sendo atacados, com inteligência investigativa, os “grandes devedores”, as maiores fraudes, as dívidas dos gastos tributários cujas condições foram descumpridas, além de outros casos de grave evidência de dolo contra o erário.

Neste momento de redescoberta do Direito Penal, quando parece ser ele o único remédio para todos os males da sociedade, não se pode admitir que seu endurecimento chegue ao limiar de punir contribuintes que agiram com boa-fé e transparência. Isso pode até levar muitos contribuintes a deixarem de declarar seus débitos, unicamente com medo de sanções penais.

O inferno fiscal estará então instalado de modo definitivo. Confiemos e esperemos pela segurança da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Artigo publicado originalmente no Poder 360.

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