É preciso compreender por que as atitudes do ex-juiz, ex-ministro Sergio Moro são escandalosas, antiéticas e, fatalmente, estão sob sérias suspeitas de corrupção. Isso tudo se já não bastasse para ele a mais vergonhosa de todas as condenações como juiz; ser considerado suspeito em processo que julgou, depois de ter condenado e prendido o ex-presidente da República Lula.
A declaração de suspeição do ex-juiz veio com um voto do Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, proferido em agravo regimental no HC 193.726, expondo como Moro se acomunou com o ex-procurador Deltan Dallagnol e outros procuradores para manipular as eleições presidenciais! Voto este que foi proferido após o escândalo de ter virado ministro da Justiça (?!?) do presidente que ajudou a eleger, desviando de suas funções[i]. As decisões judiciais de Sérgio Moro que tiveram fins evidentemente políticos a favor de um dos candidatos a presidente por si só têm contornos de corrupção e prevaricação e precisam de investigação.
Contudo, as atividades de Moro continuam a surpreender. Sua contratação para a Alvarez & Marsal é escandalosa. Primeiramente porque a Odebrecht e outras construtoras atingidas pela operação Lava Jato, entre elas a Galvão Engenharia e o Estaleiro Enseada) tem aquela empresa como administradora judicial em suas recuperações judiciais. Essas empresas pagaram a A&M quase R$ 42,5 milhões de reais à A&M, há notícias de que só a Odebrecht paga mensalmente àquela empresa cerca de R$ 1,2 milhão[2].
Portanto, enquanto os processos da Lava Jato continuam em andamento, processos que o Moro funcionou como juiz, Moro passa a trabalhar e compor a A&M atuando por interesses dessa empresa. A situação é questionada pelo TCU, que no processo 006.684/2021, aprecia a representação sobre prejuízos causados aos cofres públicos pelas operações dos membros da Lava Jato de Curitiba, e especialmente do ex-juiz, em razão do que chama de revolving door (porta giratória), eis que as decisões de Sérgio Moro na famigerada operação colocaram as empresas privadas em situação financeira delicada, e depois de algum tempo o mesmo Sérgio Moro foi contratado pela consultoria responsável pelas recuperações judiciais dessas empresa, se locupletando do situação que criou enquanto ocupada a 13ª Vara Federal de Curitiba.
Recordamos que em 20 de maio de 2013 o conselho federal da OAB apreciou a consulta n. 49.0000.2012.007316-8, em que analisava se a quarentena de três anos relativa a um desembargador aposentado se estendia ao escritório de advocacia que passava a integrar. Ao final, a OAB decidiu que a quarentena se estende ao escritório. O presidente da OAB à época, Marcus Vinicius, chegou a afirmar que os sócios ou associados de um escritório são todos beneficiários dos dividendos da sociedade. Por isso, é necessária a extensão da quarentena a todos[3]. A Constituição Federal determina que a quarentena imposta aos juízes corresponde à vedação de exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo (artigo 95, inciso V, CF/88). É evidente que a disposição pretende que o magistrado não se valha de prestígio e informações que obteve enquanto na judicatura, mas também que não instrumentalize sua função pública no judiciário para favorecer a sua atividade futura.
No caso de Moro, este se afastou da magistratura em novembro de 2018, portanto, até novembro de 2021 estava de quarentena. Mas a questão não é tão simplória quanto Moro atuar como advogado pela Odebrecht na 13ª Vara Federal de Curitiba, que seria frontalmente ferir a quarentena. Os processos da 13ª Vara de Moro não foram simplesmente contra pessoas físicas. Moro sequestrou milhões em valores e bens da Odebrecht, e de diversas construtoras. Inúmeros desses bloqueios contra empresas e pessoas físicas ligadas a elas persistem ainda hoje.
O que não deve passar desapercebido é que quando Moro foi compor a A&M carregou para ela a sua quarentena. E esta se estende a todos os sócios e a pessoa jurídica. A atuação como administrador judicial é parte da função de advogado, mesmo que não exclusiva[4]. E nesse ponto Moro junto aos seus novos sócios, todos juntos, prestaram serviços e receberam das empresas que estão com bens bloqueados e tem efeitos de processos em andamento que ele atuou. Possivelmente nos processos sigilosos que precisam ser abertos, de sequestro de bens, tenham tido liberação de valores. Esses processos sigilosos há anos precisam ser abertos porque neles estão os rastros dos benefícios econômicos daqueles ligados as delações premiadas e as provas que de fato Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, e seus comparsas, lesaram a Petrobras liberando valores para delatores e advogados agraciados por serem delacionistas.
A A&M contratou Moro para às escâncaras se beneficiar de ter o ex-juiz como sócio já que (absurdamente) a nomeação de administradores judiciais é feita sem licitação. Isso é um escândalo que precisa de alteração legislativa imediata. Não houve qualquer providência para tratar o fato que a quarentena do juiz passou a incidir sobre a empresa que o contratou. Assim Moro e a A&M receberam valores durante a sua quarentena de empresas que tem ainda hoje restrições das decisões do juiz. Além de graves suspeitas de corrupção, estamos diante de um escândalo antiético as barbas do poder judiciário.
Finalmente, não se olvida que atualmente Sergio Moro almeja a carreira política. A Constituição Federal proíbe juízes de dedicar-se à atividade político-partidária, e após o STF constar que o juiz descumpriu tal dever no cargo, é um ato de corrupção à democracia. Sua campanha política apoiada em suas próprias sentenças julgadas suspeitas é um ato de indignidade e ofensiva a magistratura, uma ofensa aos preceitos fundamentais da Carta Magna.
Estamos, como dito ao início, entre comportamentos antiéticos, escândalos, e pouco caso das normas que constituem o Estado Democrático de Direito. Do desrespeito à quarentena, à candidatura sustentada pelo discurso de inimigos políticos, passando pelo favorecimento ilícito de empresas privadas que se beneficiaram da atuação judicial e da qual se locupletou, o ex-juiz promove a corrupção dos princípios fundamentais da constituição, da magistratura, e da nossa democracia.
[1] O voto do Ministro Gilmar Mendes é claro ao apontar como fato que indica a ultrapassagem dos limites do sistema acusatório pelo ex-juiz ao aceitar o “convite feito pelo Presidente da República eleito no pleito de 2018 para ocupar o cargo de Ministro da Justiça, a indicar que toda essa atuação pretérita estaria voltada a tal desiderato” (STF, 2ª Ag. Reg no habeas corpus n. 193.726)
[2] Conforme noticiado pela ConJur em https://www.conjur.com.br/2022-jan-21/alvos-lava-jato-pagaram-40-milhoes-alvarez-marsal
[3] Também noticiado pela ConJur em https://www.conjur.com.br/2013-set-03/quarentena-juiz-aposentado-vale-escritorio-decide-oab
[4] A OAB de São Paulo chegou a notificar Sérgio Moro quando do seu ingresso à consultoria privada, alertando-o para que “não pratique atividade privativa de advocacia aos clientes da empresa Alvarez & Marsal” (Ofício TED GP 218/2020). A notificação, todavia, foi providência insólita ante o escandaloso comportamento do ex-juiz.
Artigo publicado originalmente no Consultor Jurídico.
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