Por Danyelle Galvão e Hélio Peixoto Jr.
Não basta que o juiz indique ou reproduza uma decisão de tribunal superior
Recentemente entrou em vigor a Lei 13.964, apelidada de Lei Anticrime, que modificou substancialmente a legislação em matéria criminal. Trouxe avanços importantes, apesar da resistência do legislador a promover uma reforma global do Código de Processo Penal, datado orginalmente de 1941. Dentre inovações e alterações, destaca-se que a lei estabelece expressamente que todas as decisões judiciais no âmbito criminal devem ser fundamentadas.
É bem verdade que o dever de fundamentar as decisões judiciais já está previsto no texto da Constituição Federal há mais de 30 anos e se trata de garantia de extrema relevância pelo seu viés duplo: permite que as partes do processo conheçam as razões e os motivos de decidir ao mesmo tempo em que viabiliza a possibilidade de controle da atividade do Poder Judiciário pela sociedade civil. No entanto, uma simples pesquisa de decisões dos tribunais superiores comprova a enorme quantidade de reforma das decisões de instâncias inferiores devido à ausência ou incompletude de fundamentação. Com este cenário, a previsão expressa sobre a necessidade de fundamentação das decisões judiciais ganha maior relevância, especialmente porque a Lei Anticrime não se limitou a repetir o texto constitucional. Foi além ao estabelecer critérios mínimos para que a fundamentação seja suficiente ou válida.
Em última medida, ao indicar um rol não taxativo de hipóteses em que as decisões não serão suficientemente fundamentadas, o legislador dá concretude à garantia fundamental da motivação criando balizas para regrar a atividade jurisdicional. Em síntese, não basta que o juiz indique ou reproduza uma lei ou uma decisão de tribunal superior, sendo necessário explicar sua relação com a causa e a semelhança com os fatos e questões discutidas. Tampouco é aceitável decisão judicial que invoque motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão em caso diverso. O objetivo é proibir – ou pelo menos diminuir – o uso de decisões-padrão, tão iguais ou genéricas que se “encaixam” em qualquer caso, sem uma mínima análise ou exposição sobre as peculiaridades de cada processo.
A preocupação com as decisões sem qualquer fundamentação ou com fundamentação omissa, carente e deficiente é tamanha no país que o movimento de alteração legislativa não é uma exclusividade do âmbito criminal. Muito pelo contrário. Estes mesmos critérios foram longamente discutidos perante a comissão de juristas responsável pela elaboração de um anteprojeto do novo Código de Processo Civil há vários anos, e perante o Congresso Nacional quando da sua tramitação e votação. Em verdade, a redação utilizada agora pela Lei Anticrime é uma cópia autêntica de disposição já constante no Código de Processo Civil desde 2015. Mesmo que possa parecer, não se trata de uma crítica ao legislador. Os critérios da lei processual civil já estavam sendo utilizados – mesmo que muito timidamente – pelos tribunais superiores em casos de inexistência total de fundamentação nas decisões de instâncias inferiores. Natural e louvável que a legislação criminal seja atualizada neste sentido. Entretanto, não é o suficiente e pode ir além, inclusive tendo a legislação processual civil como parâmetro. É importante que o legislador também se debruce sobre outra questão muito discutida e já adotada no âmbito cível: a adoção de um sistema de precedentes, à semelhança do que ocorre na Inglaterra e Estados Unidos, como forma de manter a jurisprudência estável, íntegra e coerente. A legislação processual civil hoje dispõe que as teses fixadas pelos tribunais superiores devem ser obrigatoriamente observadas pelas instâncias inferiores, garantindo a uniformidade na aplicação da lei em todo o território nacional e afastando posicionamentos contraditórios sobre um mesmo tema dentro de um mesmo tribunal. O objetivo principal é garantir que casos iguais sejam julgados da mesma maneira, questão primordial no âmbito criminal, espaço que são discutidas questões que interferem na liberdade do cidadão.
Artigo publicado originalmente em O Globo.
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