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Livro relata os bastidores de disputa pelo controle de mina na África

Por Rodrigo Haidar

Em 30 de abril de 2010, a mineradora brasileira Vale e a BSGR, multinacional de exploração de recursos naturais na área de gás, metal, mineração e energia, se associaram para criar uma joint venture e extrair minério de ferro da mina de Simandou, na República da Guiné. Batizada de VGB, a nova empresa garantiria à Vale, que já explora a mina de Carajás no estado brasileiro do Pará, a manutenção da liderança global na indústria de minério de ferro. Era um anúncio promissor.

Quatro anos depois, o arranjo empresarial chegou ao fim sem a extração de um grama de ferro da mina e com um passivo judicial de bilhões de dólares. O presidente da Guiné, Alpha Condé, que venceu uma eleição pra lá de turbulenta meses depois do nascimento da VGB, mudou o código de mineração do país, impôs novas exigências logísticas que impactavam fortemente no orçamento da operação e, por fim, em 2014, revogou os direitos minerários da VGB, com a justificativa de que a concessão foi obtida no governo anterior ao dele graças à prática de corrupção.

A Vale acusou de corrupto o dono da BSGR, Benjamin Steinmetz, o Beny, rompeu o negócio e garantiu que não teria se associado a ele no projeto africano se desconfiasse de qualquer ato ilegal. Já Beny afirmou que os direitos de exploração da mina foram obtidos sem quaisquer atos de corrupção. Mas também alegou que, quando a Vale se associou a ele, os dirigentes da mineradora brasileira desconfiavam, sim, de que havia ilegalidades na obtenção da licença para extrair o minério de ferro, mas preferiram fechar os olhos e seguir com o acordo.

Morreu a joint venture. Mas sua morte deu à luz uma das disputas empresariais mais cinematográficas de todos os tempos. A boa notícia é que o roteiro recheado de minúcias dos lances dessa briga entre gigantes está pronto e será lançado na semana que vem pela Kotter Editorial. O Mapa da Mina: A guerra dos conglomerados globais de mineração pela conquista da Carajás africana, livro do jornalista André Guilherme Vieira, detalha a contenda com histórias que, em regra, passam ao largo do apressado noticiário cotidiano.

O livro tem muitos méritos. Um deles é o de desenhar o ambiente político autoritário e conflagrado com golpes, contragolpes e tentativas de ruptura institucional — que incluem dois atentados à vida de um presidente — desde que o país africano, por meio de um plebiscito, se livrou do jugo francês em 1957. Outro, o de explicar o motivo de o minério que se esconde sob as montanhas da Guiné ser tão disputado.

“Os estudos já realizados indicam que o minério de Simandou é tão rico em ferro quanto o de Carajás e as proporções são igualmente gigantescas. É dado como certo por pesquisadores que Simandou dispõe, no mínimo, de 2,4 bilhões de toneladas de minério. Alguns especialistas estimam que a província mineral pode atingir 8 bilhões de toneladas”, escreve. Na prática, Simandou é uma montanha de ferro que vale ouro. Como é também Carajás, a mina paraense descoberta em 1967, que mudou a história da Vale e do Brasil na área da mineração.

O autor descreve sobre o achado de Carajás com riqueza de detalhes e, novamente, aborda os aspectos históricos e geopolíticos, além das decisões administrativas que fizeram com que fosse possível ao país, primeiro, encontrar a reserva de ferro e, depois, explorar a mina com eficiência. Ele registra, por exemplo, a influência do trabalho de homens como marechal Cândido Rondon e de Euclides da Cunha.

“Ao longo do século passado, o marechal Cândido Rondon des­bravou o território batizado em sua homenagem, Rondônia, além do Amazonas e vastas regiões do Centro-Oeste. Devem-se a aven­tureiros como ele os avanços da cartografia da região Norte. Amigo e compadre de Rondon, o escritor Euclides da Cunha também teve um papel importante nessa tarefa. Contratado pelo Barão do Rio Branco, ele mapeou in loco a fronteira com o Peru, trabalho que foi usado no acordo que estabeleceu os limites do Brasil com o país vizinho. Rondon já estava cego e idoso quando o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), um braço do Ministério de Minas e Energia, deu início ao primeiro levantamento geológico na região que abarca os rios Xingu e Tocantins”.

Além do contexto histórico, o repórter traz análises que explicam o interesse dos brasileiros no minério de ferro africano, com o perceptível cuidado de evitar a linguagem hermética de analistas de mercado e economistas. Vieira conta que Simandou é uma grave ameaça à Vale e aos interesses do próprio Brasil. A produção brasileira abastece basicamente a indústria siderúrgica chinesa. A Austrália, maior concorrente do Brasil em minério de ferro, é muito mais próxima da China e o custo de transporte de seu produto é menor. A Vale só consegue concorrer nesse mercado porque entrega um minério com uma concentração ímpar de ferro.

“O problema é que as reservas de Simandou reúnem as duas vantagens. São bem mais próximas da China e, se seu minério, de fato, tiver a qualidade que se presume, a Guiné poderá oferecer um produto similar ao da Vale a menor preço. Depende basicamente de investimentos em logística. Desse ponto de vista, não é difícil inferir que o futuro da empresa brasileira pode estar em risco se essas reser­vas forem exploradas por seus concorrentes. Ou, pior ainda, pelos seus clientes chineses”, escreve o jornalista.

A análise explica o apetite da Vale pelo minério africano. O tamanho da fome é revelado pela profusão de mensagens e documentos aos quais o repórter teve acesso e que usa para construir a narrativa da história. O autor descreve as conclusões de um relatório feito pela empresa inglesa de investigação Nardello. Encomendado pela Vale, o relatório não produziu provas de corrupção por parte do sócio israelense da mineradora brasileira, mas apontou diversos entraves para o fechamento do negócio.

Avisos não faltaram, como relata o jornalista: “Indícios prenuncia­vam confusões de toda a sorte. Muitos deles davam conta de que os direitos minerários sobre Simandou poderiam ter sido arrematados de forma irregular pela empresa. Alarmes sobre essa possibilidade fo­ram disparados por advogados, especialistas, lobistas, concorrentes e pelos próprios executivos da mineradora brasileira”.

Vieira descreve as passagens de poder na instável Guiné, os primórdios do interesse da Vale em Simandou, os negócios do israelense Beny e revela o conteúdo de dezenas de mensagens trocadas entre executivos da Vale durante o processo de formação da joint venture.

O leitor entrará nas vias sinuosas de um jogo de interesses empresariais gigantesco, que contrapõe, por exemplo, o empresário Benjamin Steinmetz, apoiado pelo ex-presidente francês Nicolas Sarkozy, ao bilionário George Soros, amparado pelo ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair. Há ainda o relato do conflito entre o plano de expansão do ex-presidente Lula e de Roger Agnelli, presidente da Vale nos mandatos do petista, e o desinteresse no projeto africano demonstrado pela ex-presidente Dilma Roussef e seu executivo na mineradora, Murilo Ferreira, que substituiu Agnelli.

O livro é a primeira parte de uma história ainda sem desfecho. Afinal, a disputa segue em tribunais internacionais e no Brasil. Foi com algum alvoroço que se noticiou, há pouco mais de um mês, a estreia do ex-juiz Sergio Moro na iniciativa privada. Outrora líder da “lava jato”, o advogado inaugurou seus trabalhos com um parecer contratado justamente por Beny e que será usado na investigação contra a mineradora em curso no Ministério Público no Rio de Janeiro. A opinião jurídica de Moro sobre o caso, publicada na íntegra pela ConJur, é parte da estratégia de contra-ataque do israelense, que foi condenado em Londres e Nova York em ações movidas pela Vale.

Enquanto a batalha não chega ao fim, o leitor pode entender como funcionam os grandes negócios internacionais e a que interesses estão submetidos a partir deste mapa da mina escrito pelo repórter André Guilherme Vieira.

O livro
O Mapa da Mina: A guerra dos conglomerados globais de mineração pela conquista da Carajás africana
Autor: André Guilherme Delgado Vieira
Editora: Kotter Editorial
Páginas: 328
Preço: R$ 49,70

Artigo publicado originalmente no Consultor Jurídico.

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