Os repórteres Sônia Bridi e Paulo Zero acompanharam uma operação para levar socorro até a região. Você vai ver como a maior terra indígena do Brasil chegou a essa situação de emergência.
No último final de semana, o Fantástico entrou na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, cenário de uma tragédia humanitária. Os repórteres Sônia Bridi e Paulo Zero acompanharam de perto a distribuição de remédios e alimentos – e mostram o resgate de mulheres e crianças doentes.
A reportagem do Fantástico entrou na Terra Yanomami com o presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena, Junior Hekurari, e o novo secretário da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), Weibe Tapeba. A visita deles é para organizar o programa de socorro.
“A gente vivia, a gente tinha a vida, a gente tinha trabalho, pescava. A gente não tem hoje. Não tem, porque o povo Yanomami está doente. Então, a situação é muito grave”, relata Junior Hekurari.
A situação mais grave está na parte Norte, onde estão dos pelotões especiais de fronteira do Exército – e a maior concentração de garimpo no Território Yanomami.
Em Homoxi, o repórter Paulo Zero embarcou no helicóptero da Sesai com a missão de resgatar pacientes em lugar emblemático para entender a crise.
A partir de 2017, o garimpo avançou por dezenas de quilômetros na região do Homoxi. Os garimpeiros tomaram a pista da Sesai, expulsaram a equipe de saúde e usaram o posto como depósito de combustível.
Em 2022, policiais federais estiveram lá e destruíram máquinas do garimpo. Em represália, os garimpeiros botaram fogo no posto de saúde.
Casos subnotificados
No ano passado, foram registrados 22 mil casos de malária – em uma população de 30 mil Yanomamis. No entanto, no Homoxi, onde o posto foi tomado e queimado pelo garimpo, houve apenas 7 casos notificados. Isso deixa claro que os números oficiais não refletem toda a realidade.
Nos anos 1990, uma grande operação do Governo Federal retirou os garimpeiros que haviam invadido a região. Em 1992, a Terra Yanomami foi demarcada. Depois disso, o garimpo quase desapareceu. Mas voltou em 2016 – e em escala brutal.
Os números mostram que o aumento dos casos de malária acompanha o do garimpo. Em dezembro de 2022, a área atingida pelo garimpo chegava a 5 mil hectares. Um aumento de mais de 300% em relação ao final de 2018.
“Durante esses quatro anos, piorou muito as situações graves. Chegou malária, desnutrição do povo Yanomami. Desde que que eu levei o primeiro Fantástico, né? E, desde então, o pessoal não recebeu nenhuma ajuda”, relembra o líder indígena Junior Hekurari, citando a reportagem produzida pelo Fantástico em novembro de 2021, quando o repórter Alexandre Hisayasu denunciou a crise humanitária que se agravava.
No último fim de semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi a Boa Vista, capital do estado, acompanhado de ministros.
“A gente não pode entender como um país que tem as condições que tem o Brasil deixar os indígenas abandonados como eles estão aqui”, afirmou.
A crise sanitária matou 570 crianças Yanomami de 2019 a 2022, 29% a mais que nos quatro anos anteriores. Os dados do Ministério da Saúde foram compilados pela agência Sumaúma.
No sábado (28), o ex-presidente Jair Bolsonaro divulgou um relatório da CPI que, em 2008, investigou a morte de crianças indígenas por subnutrição. Motivada pela crise entre os guarani-kaiowá, no Mato Grosso do Sul, a CPI cita avanço da malária entre os Yanomami, em Roraima. No post de Bolsonaro, a foto usada é de uma criança de outra etnia, do Maranhão.
O ex-presidente diz “que nunca um governo dispensou tanta atenção e meios aos indígenas como o dele.”
No entanto, os dados mostram que, no período Bolsonaro, as mortes de crianças Yanomami por desnutrição quase quadruplicaram.
Com dados do Ministério da Saúde, o Fantástico separou só as mortes por desnutrição de crianças de zero a 5 anos. Foram 152 nos últimos quatro anos, contra 33 no período anterior. Um aumento de 360%.
“Temos também lavagem de dinheiro, temos a atuação de organizações criminosas e, nesta questão específica da saúde, não há dúvida que nós temos indícios do crime de genocídio”, afirma o ministro da Justiça, Flávio Dino.
A única condenação, no Brasil, por genocídio foi a de três garimpeiros, que mataram 16 Yanomami em 1993. O episódio que ficou conhecido como o Massacre de Haximu.
Não faltaram avisos
A tragédia Yanomami se transformou em uma crise humanitária imensa longe dos olhos do Brasil, mas não por falta de aviso.
“Eu mandei várias vezes ofício para o governo para o Governo Federal, avisando que os Yanomami estavam doentes e desnutrição grave, para fazer uma ação na Terra Indígena Yanomami, com fotos. Mas nunca responderam para nós”, relembra Junior Hekurari.
Ao todo, foram 21 pedidos em 4 anos. Sem resposta. E teve mais: em 2020, uma liminar da Justiça Federal obrigava o governo a combater o garimpo.
Além disso, nos últimos anos, o Governo Federal não cumpriu uma decisão do Supremo Tribunal Federal que ordenava a retirada de todos os garimpeiros daqui da Terra Indígena Yanomami. A decisão, também de 2020, em plena pandemia, alertava para o risco de uma crise como esta.
Em 2022, três operações conjuntas de combate ao garimpo foram planejadas. Duas foram canceladas porque o Ministério da Defesa não disponibilizou helicópteros de grande porte, necessários para operar na terra indígena.
O ex-presidente Bolsonaro esteve em Roraima e visitou um garimpo ilegal. Ainda deputado, ele propôs acabar com a Terra Indígena Yanomami porque é “riquíssima em madeiras nobres e metais raros”.
No sábado, dia 21, o ex-presidente disse, em uma rede social, que a fome Yanomami é uma farsa da esquerda – e que o governo dele executou 20 operações de saúde em terras indígenas.
Na quinta-feira (26), o STF, em nota, disse que identificou indícios de que o governo Bolsonaro teria fornecido informações falsas à Justiça sobre assistência e proteção à comunidade Yanomami.
A reportagem não conseguiu contato com o ex-presidente da Funai, Marcelo Xavier, nem com o ex-Ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, para perguntar sobre o apoio aos indígenas da região.
Como recuperar
Polícia Federal, Ibama, Funai e Ministério da Defesa estão planejando operações para expulsar de vez o garimpo. A tarefa é imensa. Pode levar anos para a recuperação das roças e para os rios voltarem a ter vida.
A reportagem do Fantástico viajou até a Terra Indígena Yanomami em aeronaves da Presidência da República, da Sesai e da Força Aérea Brasileira. A TV Globo vai doar o valor equivalente ao custo das viagens para a ONG Ação da Cidadania.
Veja a reportagem na íntegra sobre os Ianomâmis clicando aqui.
Publicado originalmente no G1.
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