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Mariz assume a defesa do Rio de Janeiro

Mariz assume a defesa do Rio de Janeiro

Por Luís Guilherme Vieira

O criminalista Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, paulista de berço, carreira e vida, mais carioca do que muitos cariocas, tal seu amor pela cidade que anda, faz tempo, largada à própria sorte pelos poderes públicos, acaba de ser constituído pelos munícipes para assumir a defesa da do Rio de Janeiro, uma das mais belas cidades do mundo.

O Rio, fora tantas outras particularidades, tem uma que é ímpar: carioca é todo aquele que tem a alma e o swing do carioca nato, bem como tem que falar com os “s” e “r” puxados até mais não poder. Mariz tem tudo isto e de sobra!; bem, os “s” e os “r” não são puxados, mas algo tem de ser relevado. O Rio de Janeiro, capital do ex-estado da Guanabara, será muito bem defendido.

Conheci Mariz, pessoalmente, no início da década de 1990, quando ele caminhava no meio da tarde pela Rua México, no Centro, com outro advogado (foi-me permitido zanzar ao lado deles) a articular, longe dos bisbilhoteiros holofotes da mídia e dos carniceiros de plantão, qual seria a ideal estratégia defensiva para os seus clientes que, aos olhos de todos os brasileiros, possuíam situações factuais parelhas, por conseguinte, seriam coautores do crime, mas, no processo penal de altíssima repercussão em que então eram réus, ambos negavam esta versão e, por isto, os seus advogados não deveriam, por pura cautela profissional, ser vistos juntos, principalmente tagarelando a respeito da causa.

O percurso dos andarilhos, que iam e vinham papear pela rua, parecia não ter fim. Porém, a peregrinação, inquestionavelmente, encontrava um porto feliz: um deles era a, hoje não mais existente, Casa Pardellas: a rainha do whisky, restaurante/boteco de primeiríssima qualidade e frequentado por boêmios e intelectuais de proa, local onde as estratégias processuais defensivas cediam seus lugares para os bons tragos de whisky, regados por histórias hilárias, sequenciadas por sem-número de tim-tim! e saúde!. Afinal, como se diz no Rio, o papo furado jogado nos botecos da vida tem de correr livre, leve e solto, até que suas portas sejam baixadas, mas estas somente podem ser arriadas após a saideira por conta da casa. Ah! O que se fala em mesa de bar, fica no bar; cláusula pétrea no Rio.

Detentor de uma cultura que transcende — e muito — o Direito (e que, infelizmente, está em extinção entre os advogados), Mariz de Oliveira é grande apreciador do Centro do Rio, o coração da antiga capital federal. Conhece-o como muito poucos.

Como escreveu Aldir Blanc e canta Moacyr Luz: “Deus desenhou meu coração/De um jeito igualzinho/Ao velho Centro do Rio/São tantos pontos de luz/Em direção à procissão da festa/Da Candelária/Eles percorrem minhas coronárias (…) Rua do Carmo, Uruguaiana, Ouvidor/São pontes de safena pra tamanho amor/Mas o ar tá me faltando porque alguém sujou/Cruzo a Primeiro de Março e até o mar azul eu vou”.

Quando visita a cidade, reserva tempo para perambular pela Praça 15 e seu entorno, admirando o peso histórico do Paço Imperial, que foi residência oficial e casa de despachos de governadores da Capitania do Rio de Janeiro, dos vice-reis do Brasil, do rei de Portugal Dom João 6º e dos imperadores Pedro I e Pedro II.

Por vezes cruza o Arco do Teles e cai na Rua do Ouvidor, tradicional via de encontros boêmios-intelectuais como, por exemplo, os gigantes Machado de Assis, Olavo Bilac e Ruy Barbosa, deslumbrando-se com os predinhos em estilo colonial, os paralelepípedos e estabelecimentos clássicos, como a livraria Folha Seca e o restaurante Rio Minho, pai da aplaudida sopa Napoleão Velloso.

Apaixonado por livros, Mariz de Oliveira não deixa de frequentar os “sebos” — aliás, sempre pergunta se algum novo foi aberto, reclamando ao saber que algum havia fechado – atrás de uma raridade, bem como é fã do Real Gabinete Português de Leitura, eleito pela revista Time como a quarta biblioteca mais bonita do mundo. Se tempo sobrar, não deixa de dar um pulo na deslumbrante Confeitaria Colombo, reconhecida, não só por sua esplêndida beleza, mas, igualmente, por seus cafés e por seus variados quitutes.

Outro eixo do Centro do Rio que ocupa um lugar especial no coração do advogado é a Cinelândia, que vivia povoada por políticos, juristas, jornalistas e intelectuais na fervorosa década de 1950. Ainda no tópico dos livros, o criminalista louva a Biblioteca Nacional. Vítima do racismo, Lima Barreto era crítico do prédio. “O Estado tem curiosas concepções, e esta, de abrigar uma casa de instrução, destinada aos pobres-diabos, em um palácio intimidador, é uma delas“, escreveu em crônica de 1915. A ojeriza do escritor é compreensível. Com o passar dos anos, entretanto, o conhecimento foi deixando de ser tão elitista e abrindo as portas para a sociedade. Mariz admira a Biblioteca Nacional pelo que ela representa para o conhecimento nacional.

Ali do lado, o Museu Nacional de Belas Artes já preencheu o espírito do criminalista por diversas horas com obras de artistas como Debret, Pedro Américo, Candido Portinari, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti e um sem-número de outros.

Atravessando a rua está o Theatro Municipal. Projetado no contexto da grande reforma urbana promovida pelo ex-prefeito Pereira Passos, o edifício foi inspirado na Ópera de Paris. Lá, Mariz já apreciou concertos de música erudita e espetáculos de dança contemporânea.

Como quase todo intelectual defensor da justiça social, o advogado é um boêmio. E o Rio de Janeiro é uma das melhores cidades do mundo para exercitar essa vocação. Na mesma Cinelândia, Mariz não perde a oportunidade de degustar, no Bar Amarelinho, um chope à moda carioca – com colarinho de um dedo e meio, e não de metade do copo, como os paulistas preferem.

A Casa Paladino, restaurante fundado em 1906, localizado nas imediações da Praça Mauá, da Polícia Federal e do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, é sempre por ele lembrada. Já na um ano mais nova Leiteria Mineira — um dos últimos estabelecimentos do ramo do Rio, que foi asfixiado com a disseminação, a partir da década de 1980, do leite longa vida e dos iogurtes —, o advogado, podendo, não perde a chance de tomar o mingau de Cremogema ou a coalhada caseira.

Como grande ouvinte, tirando outras, de bossa nova, Mariz de Oliveira gosta de tomar um whisky ao entardecer na Casa Villarino, em frente à Academia Brasileira de Letras, como faziam Vinícius de Moraes e Tom Jobim. “Ali, nos anos 1950, uma valente matilha de boêmios planejou os maiores programas de rádio, os poemas definitivos, as peças que fariam a posteridade babar, os mais arrasadores sambas-canção, a deposição de alguns presidentes e, com ou sem motivo justo, a destruição das mais ilibadas reputações”, conta Ruy Castro no livro Chega de saudade, que narra a história do gênero musical brasileiro possivelmente mais ouvido no exterior. Com o esvaziamento do Centro do Rio, agudizado em progressão geométrica pela pandemia de Covid-19, a Casa Villarino fechou, porém, para a felicidade do advogado-carioca-paulista, ela foi reaberta no fim de 2021.

Outro estabelecimento clássico que passa por dificuldades, mas que o criminalista torce para seguir adicionando anos aos seus 136 já completados, é o Bar Luiz, nas imediações da Praça Tiradentes e do Teatro João Caetano. Dona de um chope lendário — bebida que ajudou a popularizar no país — e de iguarias germânicas, a casa está em recuperação judicial desde 2020 e teve sua falência decretada no fim de 2022, em decorrência da decadência da outrora vibrante Rua da Carioca. Correm rumores de que há empresários interessados em comprar o Bar Luiz e manter seu legado vivo. Dedos cruzados.

Também alemão, o Bar Brasil, localizado nos Arcos da Lapa, e seus tradicionais kassler com lentilhas e eisbein com chucrute e batata são alguns dos pratos de lugares cariocas que mais apetecem Mariz de Oliveira.

Igualmente na Lapa, o cabrito assado do Nova Capela é considerado imperdível pelo advogado. O nome faz jus à qualidade da iguaria – é de se comer ajoelhado, rezando e agradecendo aos céus.

Ainda no centro da boemia carioca, o criminalista admira a Adega Flor de Coimbra, ao lado da mundialmente conhecida Escadaria Selaron. Na Adega, que serve um saboroso bacalhau com a folha inteira da couve que o cobre, seu grande charme são as placas que proibiam beijos ardentes no salão; coisas do Rio antigo.

Indo para a zona sul, Mariz aprecia o chope servido no Bar Jobi e no Bar Bracarense, ambos no Leblon. Nas proximidades, na Lagoa Rodrigo de Freitas, enche de satisfação o Bar Lagoa que, assim como os também alemães Bar Luiz e Bar Brasil, teve que mudar de nome durante a Segunda Guerra Mundial — Bar Berlim não pegava bem em tempos de nazismo.

Se a noite estiver boa, o advogado gosta de estendê-la com uma passada no Café Lamas, no Flamengo. Fundado em 1874, é o restaurante mais antigo do Brasil. Durante sua existência, ele teve incontáveis admiradores famosos. O ex-presidente Getúlio Vargas gostava de passar por lá para tomar chá com torradas antes de chegar ao Palácio do Catete. Há controvérsias se o filé à Oswaldo Aranha foi criado no Lamas ou no finado restaurante Cosmopolita. A disputa até interessa Mariz de Oliveira, mas não o impede de desfrutar do apetitoso prato. Causos cariocas: sua neta, chefe de nomeada e proprietária de estrelados restaurantes em São Paulo disse, recentemente, em programa de televisão transmitido no canal Sabor & Arte, que seu avô não gostava de alho… segue o filé, com ou sem alho.

Tradicional reduto dos amantes da madrugada, o restaurante Cervantes, em Copacabana, recentemente reaberto, é uma opção para o advogado nas altas horas. Lá, não tem erro: poucas combinações superam a do sanduíche de pernil com abacaxi regado a chope.

Antonio Cláudio Mariz de Oliveira: um paulista com todos os predicados de um carioca nato. Para ser carioca, a pessoa tem de ter o espírito carioca, algo impossível de ser descrito. Acima de tudo: Mariz é um paulista que ama o Rio de Janeiro, e é amado pela cidade e pelos cariocas.

Por consequência, os cariocas não poderiam ter contratado advogado mais gabaritado para defender todos os mais altos interesses da cidade do Rio de Janeiro, abandonada por anos a fio, repita-se, mas que, ainda assim, guarda um charme sem igual que, doravante, Mariz de Oliveira, criminalista-paulista-carioca tem a missão de bem defender, custe o que custar.

Marizadas não serão poupadas, porque o Rio de Janeiro, parafraseando Gilberto Gil, tem de continuar sendo… Alô, Alô, doutor Mariz de Oliveira, aquele abraço…

Artigo publicado originalmente no Consultor Jurídico.

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