Por Luís Guilherme Vieira[1], Ana Carolina Soares[2] e Santiago Vieira[3]
Estou triste tão triste
Estou muito triste
Por que será que existe o que quer que seja
O meu lábio não diz
O meu gesto não faz
Sinto o peito vazio, farto
Estou triste tão triste
E o lugar mais frio do rio é o meu quarto
(Caetano Veloso. Estou triste)
Marielle, presente. Anderson, presente.
Marias, presentes. Josés, presentes.
Brasil… Brasil… Brasil… Ausente!
O bárbaro assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL/RJ) e de seu colaborador Anderson Gomes, na cidade do Rio de Janeiro, é muito mais do que um traço na estatística da violência que acua a “Cidade (um dia) Maravilhosa”.
Foram tiros na espinha dorsal da democracia. Assassinou-se uma representante do povo. Eleita com mais de 46.000 votos, combatia as mazelas da cidade. No gozo do seu mandato, contando só com 38 anos de vida, sonhava com mais igualdade e dignidade para todos e todas.
Marielle era sinônimo de luta e compromisso, atributos em desuso no cenário político brasileiro.
Não a calaram.
Ao revés.
Um pedacinho dela vive em cada um de nós.
A realidade brasileira, estampada diariamente nos noticiários, principalmente nos últimos 4 anos, quando o mundo passou a enfrentar as mortes causadas pela Covid-19, no mais das vezes por criminosa responsabilidade dos gestores públicos, e, quando já se experimenta a vitória sobre esta peste, outra, execrável está em pleno curso, apesar da opinião da maioria esmagadora de todos os povos civilizados em histórica sessão recentemente realizada na ONU, mercê dos instintos selvagens, ou, quiçá, por caprichos políticos-financeiros-econômicos do presidente Vladimir Putir, da Rússia, contra os irmãos e irmãs ucranianas, o que pode nos levar a Terceira Guerra Mundial, conforme análise de sem-número de analistas políticos mundiais, vitimiza cidadãos de todas as castas sociais. Negros. Brancos. Índios. Homens. Mulheres. Idosos. Adolescentes. Crianças. Policiais civis, militares e das forças armadas. Todos. A bestialidade tenta silenciar os que utilizam a sua palavra em busca de um Brasil (e mundo) mais justo e equânime.
Muitos ainda se indagam o porquê de ter sido diferente com Marielle e, por ela, saírem às ruas mundo afora até hoje, data em que se completa 4 anos de seu assassinato. As manifestações de pesar não cessam; multiplicam-se. A resposta está na circunstância da execução se revelar como forma de calar uma prestigiada ativista social.
Mulher. Mãe. Negra. Homoafetiva. Cidadã. Oriunda de comunidade pobre e desgraçadamente marginalizada. Defensora, não somente dos direitos da mulher e da comunidade LGBTQI+, combatia, sem destemor, o ódio e o preconceito dirigidos, dia a dia, em desfavor dos desprivilegiados, abandonados, em todos os sentidos, pelos agentes dos poderes público e por expressiva parcela da sociedade civil, sem desmerecer, porém, os aquinhoados.
Era a esperança em pessoa.
Sorrisos largos desnudavam sua alma, sem perder a altivez dos seus compromissos sociais e políticos. Quando defrontada por apequenados seres humanos, agiganta-se, enfrentando-os com elegância e firmeza.
Centrava suas forças por mais solidariedade, dignidade, educação e saúde para todos e todas; sem qualquer diferenciação.
Combatia o bom combate.
No curto período de 15 meses de atuação parlamentar, apresentou 16 projetos de lei; 2 deles aprovados quando ainda em vida. À época, relatava a Comissão Parlamentar da Câmara carioca, aberta para acompanhar o trabalho dos militares na (inconstitucional) intervenção federal na área da segurança pública fluminense.
O Brasil é o país que mais assassina ativistas de direitos humanos, segundo a Business & Human Rights Resource Center. Em 2017, para ficar-se no ano antecedente ao seu extermínio, 290 pessoas foram vítimas de algum tipo de ataque no mundo; 1 em cada 6 contra lideranças brasileiras.[1]
A responsabilidade não está apenas nas mãos daqueles que planejaram e apertaram os gatilhos das armas contra Marielle e Anderson. A sociedade civil mundial exige, das autoridades brasileiras, a identificação de quem mandou mata-la, e o porquê. A ausência de um compromisso público, com um combate efetivo e não seletivo à criminalidade (“sentiu a dor, adivinhe a cor”), em todos os segmentos dos poderes públicos e da sociedade civil, petrifica a falência da máquina estatal.
Por onde caminha a democracia em um país em que a lista de mortos ou marcados para morrer é encabeçada pelos que se pronunciam contras as desgraças sociais e denunciam cenários de corrupção e violência policial? Se o Brasil cala, a ONU tem obrigação de seguir com a cobrança ininterruptamente.[2] Sonha-se.
Em vez de se posicionar contra um estúpido ataque à democracia, algumas pessoas passaram a protagonizar uma covarde campanha em desfavor de sua honra e dignidade. Não foi um pretenso questionamento sobre visões de mundo distintas ou até mesmo críticas quanto à comoção com o crime político. Político sim, porque, como verberou o ator Gregorio Duvivier dias depois de sua morte, e de Anderson, “toda execução de um político é um ato político: junto com o representante, querem matar tudo aquilo que ele representa.”
Lançaram, sem escrúpulo e/ou comiseração, informações dolosamente falsas e/ou copiadas, sem qualquer base jornalística, científica e ética, de outras publicizadas, principalmente por inescrupulosos “profissionais” das imprensas formal e social (fake news), e espalharam horrendos boatos, na contramão dos fatos, a respeito de sua vida pessoal e política.
Uma atentado à sua dignidade e à de seus familiares e amigos que, com ela, morreram um pedacinho.
O Governo do Rio de Janeiro, o Ministério Público e o Judiciário seguem com a palavra, que lhes é imposta.
O coronel da reserva da Polícia Militar do Rio de Janeiro, Robson Rodrigues da Silva, em post então veiculado em seu perfil no Facebook, sinalizou, com acerto, para os falsos “desavisados”, que Marielle batalhava também por policiais, especialmente por aqueles que sofriam, e sofrem, abusos, assédios, moral, sexual etc., ou outros tipos de violações de direitos fundamentais da pessoa humana.
Ela não era seletiva em suas críticas e postulações políticas; “lutava a favor das minorias, mas principalmente contra a estupidez das mortes desnecessárias que têm endereço[s] e destinatários certos. Mortes muitas vezes festejadas por pessoas que querem que nós, policiais, façamos para elas o serviço sujo de um extermínio fascista. Não se esqueça[m] [de] que também acabamos vítimas dessa estupidez”.[3]
Não é só. Tem mais. Muito mais. O céu infelizmente não é o limite.
Por todos, Rose Vieira, mãe de um policial civil fluminense assassinado em 2012, igualmente demonstra que Marielle era imbatível no trabalho que exercia antes mesmo de ser vereadora. No tempo em que assessorou o, hoje, deputado federal Marcelo Freixo (PSOL/RJ), na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ), dedicou-se a encontrar apoios, jurídico e psicológico, aos familiares de vítimas de homicídios no Rio de Janeiro.[4]
Muitos ainda não entendem, ou “fingem” não compreender, que diferentes visões de mundo integram o debate político. Das divergências, nascem as convergências, e os destinos dos povos civilizados e democráticos conseguem cumprir com suas missões; é do jogo democrático.
Garantir que todos e todas possam se manifestar e atuar, em segurança e firmeza, em prol da plataforma política para o qual foram eleitos, é responsabilidade do poder público e da sociedade civil, que não detêm o direito de emudecer, muito pelo contrário, têm de se manifestar, cobrando operacionalidade nas suas atuações institucionais.
(Re)pensar o cenário político e social é indisputável para um (re)começo, se possível. Prossegue-se deparando, continuamente, com os oportunistas de plantão. A persistir desta forma, os povos jamais cumprirão com suas missões sociais e políticas.
Desta forma, idealizava Marielle. Desta maneira, continuará a ser. Não se esmorecerá hoje, amanhã e depois de amanhã. Nossas obrigações sempre estarão na ordem do dia.
Seu verbo, conhecedora das mazelas das pessoas que (sobre)vivem na base da pirâmide social (ou, em números cada vez mais frequentes, (sobre)vivem, não se sabe como, junto com suas famílias, abaixo dela), incessantemente foi direcionada à educação, à saúde, à moradia, ao transporte e à segurança pública igualmente para todos e todas. Nunca deixou de cobrar das instituições, como o Ministério Público, por exemplo, cuja função, fora as demais, é o eficaz controle externo da atividade policial.
Investigações policiais, com “carimbos para lá, carimbos para cá”, como ela constatava no cotidiano do sistema judicial, fomenta pantomina sobre a ineficácia do Estado. Indisputável, sem se permitir que a paixão domine o Eu de cada um, que as autoridades revejam, diuturnamente, seus compromissos públicos, outorgados democraticamente pela sociedade civil, que não mais suporta efêmeros discursos e recorrente inércia. Não se pode mais esperar um minuto sequer. Os fatos são visíveis a olhos nus, e o tempo para as mudanças já foram ultrapassados faz muito tempo.
Cabe a todos e todas o cumprimento de um papel importantíssimo, respeitando-se, sempre, a liberdade de informação e de expressão, conquistas da humanidade. Em tempos de redes sociais, o debate, cada vez mais enraivecido e subterrâneo, em vez de aproximar, distancia-nos em ilhas desconectadas. Falta empatia. Falta respeito. A divergência de opinião jamais há de figurar como obstáculo para um diálogo saudável, maduro e essencial para o exercício de uma transparente política.
Não se fala aqui do retrocesso do populismo de ideias intolerantes e autoritárias. Almeja-se, tão só, a convergência de diálogos racionais e consistentes, para a construção de propostas democráticas, objetivando uma radical mudança em direção a um Brasil plural.
Enlutados, impõe-se que o crime seja às inteiras esclarecido e os responsáveis, principalmente seus mandantes, submetidos a um justo julgamento; repele-se, com vivo empenho, justiçamento.
Aos que insistem delirar em contrário, avisa-se, para estes e estas – e todos e todas os demais – que eles e elas sempre terão as garantias e os direitos constitucionais preservados, sobre os quais Marielle e Anderson jamais abririam mão; esta era, apenas, uma das bandeiras levantadas por Marielle, e seu time político.
Continua-se, juntamente com centenas de milhares de probos cidadãos e cidadães espalhados mundo afora, na trincheira para que as vozes de Marielles, Andersons, Marias e Josés sigam verberando.
Tem-se o dever de deixar este mundo, emprestado temporariamente para vivermos, muito melhor do que o recebido, onde a fraternidade e a solidariedade não sigam tratadas como algo ímpar a atender só os endeusados amigos e amigas do Rei.
Marielle, presente! Anderson, presente!
Marias, presentes! Josés, presentes!
Brasil… Brasil… Brasil… sempre ausente!
Até quando suportar-se-á essa abominável apartação?
Não se pode deslembrar que eleições majoritárias se avizinham; em meses estaremos, unidos, nas urnas. Chegada à oportunidade de, uma vez mais, cumprimos com nossos encargo sociais, para que nunca mais!
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Imagem: Mídia Ninja
[1] Advogado criminal, sócio de Luís Guilherme Vieira Advogados Associados.
[2] Advogada criminal, associada ao Luís Guilherme Vieira Advogados Associados.
[3] Diretor da Bulli Create (www.bullicreate.com.br).
[4]http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,1-em-6-ataques-do-mundo-contra-ativistas-de-direitos-humanos-acontece-no-brasil,70002231850.amp?__twitter_impression=true, acessado em 14/3/2022.
[5] Marcelo Auler, http://marceloauler.com.br/execucao-de-marielle-chega-a-onu/, acessado em 14/3/2022.
[6]https://www.facebook.com/permalink.php?story_fbid=776307825901140&id=100005657881748, acessado em 19/3/2018.
[7] https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/mae-de-policial-assassinado-relembra-ajuda-de-marielle-franco-no-caso-foi-imbativel.ghtml, acessado em 23/3/2018.
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