Por Tiago Resende Botelho
Infelizmente o país não tem o que comemorar, em especial quando 116 milhões de brasileiros vivem com algum grau de insegurança alimentar e 19 milhões de vidas passam fome. Há, no país, uma coleção de violações de Direitos Humanos que se agiganta com discursos de ódio e falsas afirmações a seu respeito, reforçadas pela política desastrosa adotada pelo Chefe do Executivo, Jair Bolsonaro, contrária aos Direitos Humanos.
A data de 10 de dezembro é conhecida mundialmente como o Dia Internacional dos Direitos Humanos. Faz-se em alusão à Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), instituída em 10 de dezembro de 1948 pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Esse documento estabeleceu, pela primeira vez, uma gramática de proteção a 30 direitos humanos necessários para que a vida seja não apenas vivida, mas vivida de forma digna. A DUDH declara que o único requisito exigido para que se detenham tais direitos é ser humano. Assim, tanto o cidadão de nacionalidade de país mais empobrecido quanto o cidadão de nacionalidade de país mais enriquecido deveriam ter os mesmos direitos a partir da DUDH, pois ambos são seres humanos.
Na prática, a DUDH não vem sendo cumprida, especificamente em países da América Latina. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos lançou, no início de 2021, um relatório que descreve a situação dos direitos humanos no Brasil. Como esperado, a realidade é assustadora.
O Brasil discrimina de forma estrutural e institucional pessoas afrodescendentes, mulheres, comunidades quilombolas, povos indígenas, camponeses e trabalhadores rurais, pessoas em situação de rua e moradores de favelas ou periferias fruto do seu processo histórico.
Tais violações são consequência da exclusão social e da negação ao acesso à terra, que, por séculos, vêm construindo um país estruturado na desigualdade e na pobreza extrema do seu povo. Tamanho empobrecimento expõe brasileiros em situações de vulnerabilidade às violências sistêmicas de organizações criminosas como milícias, grupos de narcotraficantes, tráfico de pessoas e escravidões modernas.
Nesse cenário, o Brasil não apenas carece de políticas que garantam a segurança dos cidadãos mas, também, elege políticas de segurança estruturadas a partir de técnicas institucionais violentas e punitivistas de uma polícia militarizada, que afeta com maior proporção pessoas afrodescendentes residentes em bairros periféricos. Para piorar, o sistema de justiça não consegue enfrentar o problema da violência institucional e, portanto, vem garantindo a impunidade.
O sistema penitenciário brasileiro é outro espaço de violação de Direitos Humanos, pois sua superlotação, conhecida pelo Estado, reflete um ambiente propício à intolerância, à tortura e a outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes.
Quanto à liberdade de expressão e informação, a CIDH destaca que, desde 2018, vêm aumentando as violações contra jornalistas e comunicadores, contra a liberdade de cátedra dos professores, contra a liberdade de associação e contra os protestos sociais. O que chamou a atenção da CIDH foi o fato de que a incitação ao ódio e à discriminação por discursos racistas, homofóbicos e misóginos vem partindo de altos funcionários públicos.
A discriminação contra as mulheres e a violência de gênero apresentam índices dramáticos, que se refletem nas mulheres assassinadas em todo o país. Quarenta por cento de todos os assassinatos de mulheres na América Latina e Caribe ocorrem no Brasil. As mulheres afrodescendentes sofrem efeitos cumulativos de exclusão, discriminação e violência em função do gênero e raça. De 2006 a 2016, a taxa de homicídios dessas mulheres foi 71% maior que a de mulheres brancas.
Quanto às pessoas LGBTI, a CIDH deixa claro que há um grande desafio no Brasil quanto à promoção dos seus direitos. O país possui um dos maiores índices de violência contra as pessoas LGBTI, que vem aumentando por meio do uso de discursos que legitimam o ódio e práticas com requinte de crueldade. Tamanha é a preocupação da Comissão que apela ao Estado brasileiro que passe a criar medidas de prevenção, investigação e sanção da violência contra essas pessoas.
O relatório deixa claro que não há o que comemorar no Dia Internacional dos Direitos Humanos no Brasil. Pelo contrário: expõe um país que internacionalmente vem sendo criticado por adotar práticas que contrariam a máxima dos Direitos Humanos, que é proteger e garantir a vida digna de todo ser humano.
Artigo publicado originalmente em O Estado de S. Paulo.
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