Por Alê Youssef e Carlota Mingolla
Setor gera mais receita e empregos que a produção de automóveis no país
É cívico reconhecer e celebrar as iniciativas tomadas nos primeiros meses de governo para reconstruir o Ministério da Cultura e reparar os danos infligidos pela administração anterior. O incremento do investimento público na cultura foi uma medida determinante, especialmente para profissionais do setor.
No entanto, se almejamos repensar nossas bases de desenvolvimento socioeconômico, essa medida pode não ser suficiente.
Temos uma oportunidade histórica: promover uma abordagem que valoriza e impulsiona a economia criativa no Brasil. Recente pesquisa do Observatório do Itaú Cultural revela que o setor cultural e das indústrias criativas contribui com 3,11% do PIB, ultrapassando a indústria automobilística, que representou 2,1% no mesmo período. Isso demonstra que os diversos talentos encontrados em segmentos como música, audiovisual, moda, games, arquitetura, publicidade, design, gastronomia, festivais e teatro geram mais receita e empregos do que a produção de automóveis. Com 7,4 milhões de empregos formais e informais e mais de 130 mil empresas ativas, principalmente micro e pequenas empresas, esse setor desempenha um papel significativo no cenário econômico nacional e pode constituir parte essencial de um novo ciclo de prosperidade.
Incorporar a cultura e a criatividade no eixo do desenvolvimento econômico, social e sustentável passa pela criação de uma agenda estratégica que, se executada, vai caracterizar a economia criativa como o “carro popular” da cultura. Esse conjunto de medidas não pode, nem deve, estar sob a responsabilidade exclusiva do Ministério da Cultura. Tal abordagem engloba vários atores públicos, como os ministérios da Economia, Planejamento, Indústria, Comércio e Serviços, Educação, Trabalho, Ciência e Tecnologia e Meio Ambiente, além do Sistema S, terceiro setor e setor privado.
Iniciativas como políticas de incentivo fiscal, atração de investimentos, promoção comercial, bem como mecanismos exclusivos de financiamento e crédito, são apenas algumas delas. Esforços para mapear todas as indústrias criativas, facilitar a importação de infraestrutura e a exportação de conteúdo, e criar um calendário público-privado de eventos que potencializem a geração de oportunidades, não apenas para o setor cultural mas também para outros setores econômicos como o turismo, serão apresentados ao Conselho de Desenvolvimento Econômico, Social e Sustentável da Presidência da República através do recém-aprovado grupo de trabalho focado em alavancar a economia criativa no Brasil.
Essa agenda estratégica, nosso “carro popular”, deve ser suportada por uma revolução na educação técnico-profissional, com foco no desenvolvimento de habilidades especializadas, como programação de games e posições na indústria audiovisual e produção musical, que são particularmente atraentes para a juventude.
Face às profundas incertezas e transformações globais que estamos vivenciando, promover uma abordagem que valoriza e potencializa a economia criativa no Brasil implica também a seguinte reflexão: a nossa criatividade, capacidade empreendedora e originalidade correm o risco de serem substituídas pela automação e o uso de robôs, práticas comuns no setor automotivo, que recebe tantos incentivos em nosso país?
O “carro popular” da cultura não se abastece de gasolina ou diesel, é inovador, potente e sustentável. Certamente nos guiará para um futuro diferente e nos ajudará a construir novos símbolos para este século.
Artigo publicado originalmente na Folha de S,Paulo.
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