Por Gabriela Araújo, Maíra Recchia e Priscila Pamela Santos
A repercussão que casos de violência de gênero têm gerado na opinião pública, ao mesmo tempo que promove o debate e encoraja mulheres em situação de abuso a se insurgirem, revela a naturalização da sociedade acerca da culpabilização da vítima, a partir de estereótipos comportamentais misóginos herdados da cultura patriarcal.
As investidas de silenciamento e intimidação de mulheres brancas, cis, em condições socioeconômicas e profissionais privilegiadas — assim como o julgamento moral a que são submetidas — trazem à reflexão a situação de extrema vulnerabilidade da maioria das mulheres vítimas de abuso, especialmente as que carregam o peso da discriminação de raça, classe, gênero e orientação sexual.
As próprias instituições parecem incentivar a naturalização da desigualdade entre os gêneros quando seus agentes cometem violências tidas por simbólicas.
Foi o que aconteceu no dia último dia 18, quando a editora-chefe da revista “Época”, Ana Clara Costa, recebeu uma carta nominal, enviada pela comunicação do Exército e assinada pelo general Richard Fernandez Nunes, exigindo sua retratação em razão de artigo publicado na revista, de autoria de Luiz Fernando Vianna, com críticas às Forças Armadas. Dificilmente esse fato aconteceria se o editor fosse homem.
No mesmo dia, a jornalista Andréia Sadi expôs a interrupção sistemática por parte do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, a falas da governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra. As interrupções sexistas não foram notadas durante as falas dos governadores homens.
As tentativas sexistas de silenciamento — aliadas às desigualdades sociais criadas em torno de estereótipos de gênero demeritórios — revelam padrões de comportamento que, reunidos, contribuem para a naturalização de ambiente opressivamente misógino, que invariavelmente pode eclodir em violência sexual, como ocorreu com a deputada Isa Penna, vítima de importunação sexual por parte de um deputado em sessão da Assembleia Legislativa de São Paulo.
A violência contra a mulher ganha novos contornos e se espalha em diversos campos. A modalidade em alta agora é a violência política de gênero, em que se tenta excluir do debate público metade da população brasileira.
As instituições devem dar efetividade ao combate à violência de gênero com apoio, proteção e incentivo às mulheres, especialmente às que ousam ocupar espaços de poder, rompendo padrões estabelecidos, para que casos como o de Marielle Franco não se repitam.
Na semana da visibilidade trans, as covereadoras Carol Iara, travesti e negra, e Samara Sosthenes, travesti e nordestina, foram vítimas de atentado a tiros em suas casas. A vereadora Erika Hilton, transvestigênere e negra, também sofreu tentativa de invasão em seu gabinete. Não há dúvidas de que Marielle Franco sempre estará presente, por tudo o que representou e ainda representa, mas queremos que as parlamentares aqui citadas também estejam, e não só pelo legado, mas pelo sangue pulsante em suas veias cheias de vida e de luta.
Artigo publicado originalmente em O Globo.
1 Comentario
1 Comentario
Eliane Marta Teixeira Lopes
20/12/2021, 16:06Fui atraída ao Prerrogativas a partir da divulgação do jantar entre Lula e Alkmim. Chamou-me a atenção um grupo de apoio que fez acontecer. Muita coisa deve ter se passado nos bastidores, mas pouco importa. Fez. Esse grupo sobre gênero interessou-me particularmente por que no campo da Educação fui a introdutora dos estudos da História das Mulheres (FaE-UFMG) e pertenço ao grupo Quem ama não mata, coordenado pela jornalista Miriam Chrystus. Bom trabalho a todas vocês e coragem!
Responder