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O País está sem freios

Por Carlos Roberto Siqueira Castro

Pelo que se viu da reunião ministerial do dia 22 de abril, pelo que se viu dos xingamentos ensandecidos dos apoiadores de Bolsonaro, pelo que se viu das reações oficiais e extraoficiais contra a decisão do Ministro Alexandre de Moraes do STF, ao determinar busca e apreensão contra investigados por integrar organização criminosa para operar e financiar uma rede de divulgação de notícias falsas contra Ministros do STF e instituições da República, chega-se à triste conclusão de que o País está sem freios. Pior: caminhando para a ruptura democrática. A facção de discursos extremados insuflada por Bolsonaro faz lembrar a trágica visão de Freud, em seu último livro ‘Moisés e a Religião”, de que a formação de identidades coletivas pode se fazer a partir da identificação de lideranças extravagantes. Ou seja, indo direto ao ponto: o poder Bolsonarista molda a claque bolsonarista.

Isto cria a esclerose múltipla na organização social. Sobretudo, divide a sociedade e esgarça a coesão e a solidariedade nacional. De um lado, temos o bloco monolítico e irracional liderado por um líder lunático; de outro lado, vê-se variados núcleos de visões desencontradas e que, com sua desunião, alimentam o ninho da serpente e a ira fascista. E o Brasil vai se transformando num circo de horrores em meio à pandemia que nos enclausura e nos entorpece com o medo. Aliás, o medo opressivo é a receita amarga dos regimes totalitários. Em face do espetáculo fascista, amplificado e financiado pelas milícias digitais, comete-se erros e omissões banais. Adorno, Horkheimer e Walter Benjamin mostraram-nos o enredo da mediação subjetiva do preconceito e do delírio pelos regimes de força. Provaram que não há nada mais estúpido do que tentar ser inteligente em tal contexto de emoções desvairadas e estratégicas. A pretensa supremacia intelectual nos mata, quiçá nos leva aos abates humanos nos fornos crematórios. Cada entrevista de Bolsonaro no “cercadinho” do Palácio do Alvorada mais o fortalece, mais entorpece o espírito crítico do cidadão comum, mais nos divide e isola.

A epidemia bolsonarista é causada por um vírus mutante. Os eleitores arrependidos já não contam mais e são substituídos por novas hordas de fanáticos e de toda sorte de perdidos numa noite escura. As desigualdades históricas e o sentimento atávico de inferioridade de uma legião de miseráveis explorados por elites insensíveis põem fogo na fogueira. O discurso para armar a população e com isso impedir a ditadura comunista é típico do golpe preventivo que justifica o impensável. Infelizmente, esse processo não tem mais retorno e dificilmente terá solução não traumática. O populismo de extrema direita não é matemático. Os 30 por cento da população e a rotatividade no grupo de apoio a Bolsonaro pesam mais do que as oposições fragmentadas. Oposicionistas já estão sendo agredidos Brasil afora. Os camisas negras foram organizados por Mussolini como uma violenta ferramenta paramilitar. Tudo no fascismo era teatral, grandioso e sedutor. Em 1921, o grupos fascistas – os “fascios” – assassinaram cerca de 600 italianos. Nesse mesmo ano, o Movimento se transforma em Partido Nacional Fascista e parte para a conquista do poder. Umberto Eco, na obra “Reconhecer o fascismo” (Reconnaître le fascisme, Ed. Grasset, Paris) sustenta que, atrás de um regime e sua ideologia, há uma série de hábitos culturais, de instintos nebulosos e de impulsos insondáveis. Quando esse conjunto psico-social intangível assume abertamente o discurso negacionista (contra o negro, contra a mulher, contra os homossexuais, contra os povos indígenas, contra o STF, contra o Congresso, contra a OAB, contra o distanciamento social na pandemia) a democracia começa a entrar em colapso e a vida humana a perder sentido. O anedótico em pouco tempo pode se tornar tragédia.

Artigo publicado originalmente em O Estado de S. Paulo.

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