Por Gisele Ricobom, Fabio Borges e Edith Venero Ferro
O desafio maior, na eventual vitória de Castillo, “será manter a união progressista que apresenta importantes divergências e evitar outros golpes de uma elite racista”, avaliam em artigo Fabio Borges, Edith Venero Ferro e Gisele Ricobom
A acirrada eleição presidencial representa um momento histórico para o país e para a América do Sul. O primeiro turno, bastante fragmentado em um conjunto de candidatos de variados espectros ideológicos, resultou em dois políticos improváveis para a disputa no segundo turno. Keiko Fujimori, apesar de seu histórico de derrotas eleitorais e da herança ditatorial encarnada na figura de seu pai Alberto Fujimori, aproveitou-se de uma divisão das forças de direita no primeiro turno, chegando com apenas 14,5% dos votos ao segundo turno. Pedro Castillo, sindicalista e professor primário de uma zona rural do país, simboliza uma esquerda de pauta tradicional que é pouco comprometida com as questões ambientais, os direitos humanos, especialmente em temas de gênero e de inclusão das “minorias”, entrou de forma surpreendente ao segundo turno com 18,1% dos votos.
A exemplo de outros países da região, a elite peruana não reconhece que as políticas neoliberais fracassaram nos últimos trinta anos. A pandemia deixou ainda mais evidente a precarização do trabalho, já que aproximadamente 85% dos trabalhadores são informais, a brutal fragilidade do sistema de saúde, pela gravidade da pandemia sobretudo aos mais pobres, bem como revelou o quanto o sistema educacional é excludente. A elite do país, que mora em Lima, é desconectada territorialmente das outras regiões do país, razão pela qual o resultado Castillo foi bastante inesperado.
No campo progressista, personagens que representam o pluralismo, como Verónika Mendoza (candidata presidencial por “Juntos por el Perú”), Indira Huilca (ex-congressista, líder de “En Movimiento” e filha do ex-líder sindicalista Pedro Huilca); Isabel Cortez (líder do movimento sindical, ex-gari que foi eleita congressista para o atual período) e Ghaela Cari (Trans indígena congressista muito representativa do movimento LGBTIQI+), apesar das divergências ideológicas com Castillo, não hesitaram em apoiar firmemente o “No a KEIKO”, dando bastante força para o sindicalista no segundo turno.
A reação da direita foi promover uma verdadeira “guerra suja” contra Castillo, numa fórmula tradicionalmente conhecida pelos conservadores na região, que envolve impor o temor de que os “terroristas”, “terrucos”, “rojos” e comunistas representam o autoritarismo de esquerda, o atentado contra as liberdades fundamentais, justamente por uma elite que legitimou e se calou frente aos horrores da era Fujimori.
Os tradicionais meios de comunicação moveram-se fortemente a favor de Keiko, claramente tomando partido da candidata, transformando sua programação em verdadeira campanha eleitoral “gratuita”. Construíram um clima de terror, apresentando Castillo como camponês rústico e apoiador de terroristas, manipulando suas ideias e propostas. Já no primeiro turno, o alvo foi Verónika Mendoza, candidata que sofreu ataques agressivos, mesmo apresentando uma agenda mais moderada. Nesse sentido, a ascensão de Castillo acabou surpreendendo a própria direita que terá que enfrentar iniciativas mais intervencionistas do que as propostas feitas pelo “Juntos por el Peru”.
Mesmo para Castillo, a ida para o segundo turno foi uma surpresa que revelou o improviso da formação de sua equipe técnica, o que se por um lado o fragilizou na campanha de segundo turno, por outro permitiu uma aproximação com figuras de reconhecida trajetória, como o economista Pedro Francke, o engenheiro Humberto Campodónico e o médico Hernando Cevallos.
Neste exato momento, a única certeza é a de que a vitória ocorrerá por uma margem bastante reduzida, tanto de Keiko, quanto de Castillo. Apesar do compromisso dos candidatos de respeitarem o resultado, não é de se duvidar que a direita se paute no exemplo boliviano de 2018, pois já há fake news circulando sobre fraude eleitoral.
A vitória de Keiko Fujimori representaria a manutenção dos privilégios da elite, e a imposição de reformas que aprofundariam a pobreza, a exemplo da política econômica chamada Fujishock que beneficiou o setor privado em detrimento da população peruana no governo de Alberto Fujimori, o que fica claro no perfil neoliberal de sua equipe, apesar de algumas propostas de políticas sociais desesperadas para conquistar os votos das classes mais baixas. E o histórico de corrupção, de desrespeito aos direitos humanos e as instituições democráticas demonstram os riscos e tensões que Peru poderá enfrentar em outro governo fujimorista, a semelhança de medidas de exceção vividas recentemente na Colômbia e no Chile.
Já o fenômeno Castillo pode ser compreendido como um exemplo a se ter no horizonte, especialmente pelo amplo apoio que uma candidatura de esquerda promoveu no segundo turno. Disputas políticas nos países vizinhos poderão tomar o caso peruano para demonstrar que é possível a união da esquerda para derrotar o fascismo, para então retomar uma agenda de defesa da justiça social e de inclusão da diversidade, tão necessária em uma região marcada pela desigualdade econômica, racismo, violência, exclusão em uma cultura colonizada. O desafio maior, na sua vitória, será manter a união progressista que apresenta importantes divergências e evitar outros golpes de uma elite racista, comprometida com a concentração de renda e manutenção dos privilégios, mas é um sinal de esperança de ventos progressistas que estão percorrendo o Chile, Argentina, Bolívia e que certamente chegará no Brasil. As dificuldades serão imensas, principalmente em um país devastado pela pandemia, mas se retoma a esperança de que o povo peruano volte a respirar, controle a pandemia e que tenha um governo voltado para o povo pobre e excluído.
Artigo publicado originalmente no Brasil 247.
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