Por Miroslav Milovic
A vida, segundo a tradição da Grécia Antiga é a realização de um sentido maior que é a fundação do mundo. No começo de sua obra Política, Aristóteles afirma que deveria haver uma diferença entre uma vida biológica, ou seja, o fato de estarmos vivos e a vida política que nos realiza e nos mostra que fazemos parte de uma ordem divina.
Desde seu começo o mundo moderno, por diferentes e estranhos caminhos, nos foi apresentado como sendo o progresso e o sentido da política foi associado à idéia de sobrevivência. O fundador da política moderna, Machiavel ao lado de Hobbes, no começo das discussões sobre a ordem jurídica moderna, também falaram sobre isto. Ele acreditava que a lei determina a própria justiça, nos afastando assim da antiga crença grega de que, realmente é a justiça que é a base da lei. No entanto, não temos mais que lidar com isto. A certeza e a transparência modernas nos distanciam desses assuntos. Ou seja, é este distanciamento que dá início ao positivismo moderno, e que, simplesmente e de fato, nos ensina, que a melhor coisa a fazer é simplesmente não pensar. Foi com a modernidade que paramos de pensar. O sistema precisa de pessoas para mantê-lo e não de pessoas que pensem. É da sobrevivência da modernidade que nossa vida diária se transformou.
Há algo em comum entre essas duas coisas ou elas são meras coincidências? Ou seja, que paramos de pensar e que nossas vidas se reduzem à sobrevivência. As coisas ficarão claras se pensarmos sobre a questão da estrutura social do mundo moderno. Uma das primeiras mudanças estruturais da Modernidade foi a saída da economia da esfera privada para a pública. Não apenas isto: a economia não só se tornou parte daquele espaço público – mas ela o criou. E acima de tudo, ela o domina. É a economia que fundou o mundo moderno. Jamais tal pensamento ocorreria aos gregos da Antiguidade: relacionar a economia com os fundamentos do mundo, ou seja com a metafísica. E isto foi exatamente o que aconteceu na Modernidade: a economia tornou-se sua metafísica.
Poder-se-ia dizer que isto se trata meramente de discussões acadêmicas e que não há como aplicar a qualquer situação específica. Entretanto, com Marx, tudo ficou muito claro. O mundo social moderno é uma polarização entre o capital e o trabalho, entre uma burguesia privilegiada e um proletariado desempoderado.
Alguém pode dizer que o vírus não faz escolhas pois infecta a ambos. Claro que não é assim. Não é necessário argumentar sobre isto. Mesmo assim, é preciso perguntar como o vírus nos ajuda a conhecer a estrutura do mundo atual? A polarização, que Marx tornou visível, tornou-se ainda mais radicalizada com o neoliberalismo. Em nome do capital financeiro, o liberalismo nega a fundação da produção baseada na solidariedade. Eis porque, as instituições mundiais não estavam preparadas para enfrentar a epidemia. O sistema de saúde foi direcionado pelo lucro e não pela prevenção. Assim, as empresas farmacêuticas passaram a investir em cremes e loções para pele ou suplementos para potência masculina, ao invés de produzir medicamentos que prevenissem futuras eclosões de vírus mesmo que já tivessem experiências com pandemias anteriores.
A saúde é um bem comum, um direito humano. O neoliberalismo provocou o conflito entre a saúde e o lucro, não apenas na esfera da saúde mas também na esfera da educação e da ecologia. A política neoliberal da saúde nos levou a um desastre.
Políticos loucos como Trump e Bolsonaro vem falando que não há vírus, que é apenas uma gripe. Mesmo alguns filósofos fizeram a mesma afirmação. E um médico sérvio de renome convidou pessoas a irem fazer compras em pleno pico da infecção. Ele é louco? Ele é o demônio em pessoa? Ele teve a honradez de posteriormente se desculpar?
O vírus nos confronta com o nosso próprio mundo. Obviamente que ele não pode resolver problemas, mas ele pode tornar o mundo mais transparente, pode nos fazer pensar o que esquecemos. E nos mostrar a ordem maquiavélica do mundo, chamada neoliberalismo. É preciso compreender que o mundo neoliberal é o mundo sem legitimidade. Tal constatação pode nos aproximar e tornar importante a idéia da solidariedade. Diria ser esta a mais importante. É ela que também nos mostra que o mundo será nosso ou simplesmente não será.
Lí no Facebook que após a pandemia não poderíamos retornar à ordem normal das coisas pois até o conceito de normal tornou-se questionável. Para onde devemos voltar, é para um mundo mais humano, um mundo solidário pois o neoliberalismo não oferece nenhuma solidariedade. Exatamente o contrário. Enquanto os médicos cubanos ajudam ao mundo, os EUA aumenta as sanções contra Cuba e Irã. Ameaças explícitas contra a Venezuela foram feitas. E o que dizer da União Européia? É possível uma União Européia sem solidariedade como vemos hoje?
Falamos apenas sobre o primado da economia. Mas, basicamente, a economia é a relação entre as pessoas. E portanto, o que o vírus nos indica é que a decisão hoje é a decisão entre a vida e a morte.
Precisamos renovar nossa energia política. O espaço político não é o espaço definido pelo governo neoliberal, seja no Brasil ou em qualquer outro país. A política é nossa, ela nos pertence. Exemplos não faltam. Desde aqueles que lutam pela preservação do rio e cachoeira da montanha Stara Planina na Sérvia até os agricultores do MST distribuindo alimentos para as famílias pobres nas periferias dos centros urbanos. É o único caminho de como o mundo pode ser diferente.
Morte ao Fascismo! Liberdade para os povos!
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